José d’Encarnação
Publicado no jornal Renascimento (Mangualde), nº 879, 21-06-2025, p. 10.
José d’Encarnação
Publicado no jornal Renascimento (Mangualde), nº 879, 21-06-2025, p. 10.
José d’Encarnação
Publicado no jornal Renascimento (Mangualde), nº 877, 21-04-2025, p. 10.
José d’Encarnação
Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 34, 20-06-2025, p. 13.
Antes, porém, de especificamente aí nos embrenharmos, não será porventura despiciendo dar algumas luzes acerca desta manifestação artística romana.
Aliás, amiúde, no dia-a-dia nos deparamos com a palavra ‘mosaico’, no sentido de aglomeração de elementos diversos a formar um todo; ainda no passado 10 de Junho nos explicaram que Portugal é… um ‘mosaico’ de povos!…
Isso é, de facto, o mosaico romano: a aglomeração de milhares de pedrinhas diferentes no tamanho e no colorido. Chama-se-lhes tesselas.
E não deixaremos de admirar, desde logo, o minucioso labor que a sua miúda confecção implica. Disso havemos de falar. Estudou Carlos Beloto, um dos nossos mais experientes técnicos nessa área, todas as fases de preparação do mosaico, a começar, naturalmente, pela sapiente escolha do material a utilizar, consoante o efeito a obter; será ele o nosso guia.
O mais normal é serem essas ‘pedrinhas’ obtidas a partir dum calcário mais ou menos brando, fácil de facetar, mas também há tesselas de granito. de basalto e, até, de vidro ou de alguma pedra a que chamamos preciosa como o lápis-lazúli (azul) ou a esmeralda (verde) ou, ainda, a cerâmica, a emprestar aquela corzinha rosada ou de tijolo.
Daí se deduz que, tal como nos tapetes ou nas tapeçarias, a cor goza, num mosaico, um papel relevante, porque só as tonalidades diferentes vão permitir quer o desenho geométrico quer a representação de cenas.
Compreende-se, desde já, pelo que fica dito, que encomendar um mosaico não está ao alcance do bolso de qualquer um – como, nos nossos dias, um tapete de Arraiolos ou genuíno tapete oriental não constituem privilégio de muitos.
Por conseguinte, essa é a primeira conclusão: do achamento de um mosaico romano se deduz estarmos em presença de um proprietário ou de uma entidade com posses para a esse luxo se dar. Ganhava bem o artífice, devia ter apurado gosto estético não apenas o encomendante mas sobretudo o artífice na sua minuciosa tarefa.
Tesselas – Foto: José d’Encarnação
Houve, pois, uma encomenda. Quem encomendou? Para onde? Com que intenção? – tudo questões prévias a resolver, mediante a elaboração do que hoje chamaríamos o respectivo cartão. Aí se especificaria o desenho a compor e as dimensões, tendo naturalmente em conta o espaço a ocupar e o efeito visual a obter: tarefa reservada ao chamado pictor imaginarius, que concebia a imagem e as cores…
Temos hoje a ideia clara de que havia cartões tipo, quer porque determinadas cenas mitológicas se tornaram famosas e fizeram longos percursos, quer porque a representação, por exemplo, de divindades obedecia cânones pré-concebidos.
Uma segunda conclusão se deve tirar (e essa constitui, na verdade, o aspecto mais importante a ter em conta quando se analisa um mosaico do ponto de vista histórico): é que a arte final representa o resultado da ‘comunhão’ entre encomendante e artífices, uma singular simbiose cultural ….
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Artífices a prepararem tudo para fazer um mosaico |
Pensa-se, inclusive, que os artífices mais célebres (foram mui raros, no entanto, os que quiseram deixar a sua assinatura na obra feita) teriam sido chamados a executar encomendas por aqui e por ali.
E é cavalgando a imaginar essa artística deambulação que nos vamos hoje ficar, para, na próxima vez, começarmos a admirar de perto a magnificência que, um dia, se logrou salvaguardar na antiga Rua da Carreira, na capital algarvia.
José d'Encarnação
Publicado em Sul Informação Junho 21, 2025
Difícil será que alguém nunca tenha ouvido falar que, nos começos de 1976, se descobriu na Rua Infante D. Henrique, antiga Rua da Carreira, na capital algarvia, um mosaico romano de características deveras singulares.
O seu primeiro estudo foi publicado nas páginas 219-230 do nº X dos Anais do Município de Faro, datado de 1980, e ficou a dever-se a uma equipa interdisciplinar: Adília Alarcão e Carlos Beloto, do Museu Monográfico de Conímbriga, museu que detinha, na altura, importante escola de tratamento dos mosaicos romanos; Maria Manuel de Almeida, assistente da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, que se iniciava então no estudo especializado desse tipo de vestígios deixados pelos Romanos; e eu próprio, José d’Encarnação, epigrafista, porque o mosaico apresentava uma inscrição, cujo significado e integração histórica seria de interesse assinalar.
Vamos dedicar, mui possivelmente, mais do que uma crónica a tal descoberta, atendendo a esse seu valor histórico-documental.
Propor-se-á, por hoje, uma primeira reflexão que de imediato surgiu, a propósito da toponímia do arruamento onde a descoberta ocorreu.
Rua da Carreira se chamara a rua, depois baptizada com o nome do impulsionador dos Descobrimentos. Dir-se-á, desde logo, que esse baptismo ocorreu antes de haver sido descoberto o mosaico, o que não deixa de ser coincidência, dirão uns, ou um ‘sinal’, dirão os que acreditam (como eu acredito) que o acaso não existe. Dum lado, o mosaico com a representação de Neptuno, deus do mar, segundo a crença dos Romanos; do outro, o Infante, qual arauto da expansão portuguesa pelos mares além. Coincidência? Quem o saberá?!
Acontece, porém, que, antes, o arruamento, como se disse, Rua da Carreira se designava. Seguramente os estudiosos locais – mormente os dados a estas questões da toponímia – já explicaram tudo a esse respeito, a razão da designação, e eu me renderei ao que vierem elucidar-me.
Sabe-se, contudo, que, quando ainda não existiam eventuais comissões municipais de toponímia nem mui sábias reuniões camarárias em que o assunto viesse a lume, o grande mestre para dar nome às veredas, aos atalhos e às ruas era… o Povo! As pessoas que, no dia-a-dia, chamavam os sítios pelos nomes que mais lhes soavam e mais se coadunavam com o seu viver quotidiano.
Neste caso, permita-se-me a elucubração (se o é…), ‘carreira’ poderia ser, nos finais do século XIX, princípios do XX, o sítio onde se apanhava a ‘carreira’, ou seja, aquele transporte público que levava os farenses até às aldeias vizinhas, a S. Brás de Alportel, por exemplo.
E aí está, a título de exemplo, a imagem duma das carreiras da Empreza Central de Transportes, Limitada, de José da Cruz Costa, que, em 1927, fazia as ligações entre S. Brás de Alportel, Loulé, Faro e Olhão.
Mas ‘carreira’ é também ‘caminho’. E, neste caso, se havia uma Rua da Carreira, poderia ser porque ela consubstanciava precisamente a ideia de ser esse o caminho principal para entrada e saída da povoação. Lembro que esse papel cabe habitualmente à «Rua Direita», que é, em boa parte das povoações, a rua do comércio, por se tratar da rua ‘directa’, de saída e entrada, «direita» que de direita geralmente nada tem, como a ‘vereda’ que se preza nunca é direita também, mas aos rr e ss…
Lembro, ainda, que, em Toulouse, para se manter a memória, as placas toponímicas das ruas mantêm os dois nomes das ruas, em língua francesa e na língua tradicional (hoje já não falada), o occitano, de modo que pode ler-se, numa placa, Carrièra d’Austerlitz.
E, entre nós, não se tornou usual a expressão «nau da carreira das Índias»? Portanto, um nome com história!
É dedicado ao Oceano o mosaico romano achado na Rua da Carreira. Coincidência, decerto, não será, porque, apresentando a elegante imagem da cabeça do deus Oceano, de carreiras e de comércio vamos ter de falar. Fica a promessa!
Publicado em Sul Informação, Fevereiro 25, 2025:
https://www.sulinformacao.pt/2025/02/um-mosaico-romano-com-historia-para-contar/
José d'Encarnação
Nota: Esta é a primeira crónica do professor José d’Encarnação no Sul Informação, um novo cronista que nos levará, com regularidade, a viajar pelo mundo da arqueologia.