domingo, 27 de maio de 2012

Andarilhanças 48


Uma reflexão sobre o turismo
            Por iniciativa da Fundação António Quadros, com a colaboração da Escola Superior de Turismo e Hotelaria do Estoril e o patrocínio da Câmara Municipal, realizou-se, no dia 8, no Estoril, o colóquio «Turismo em Portugal. Passado. Presente. Que Futuro?».
Evocaram-se os primórdios do turismo no País (Celestino Domingues) e em Cascais (Margarida Ramalho); traçou-se a panorâmica das tendências antigas e actuais (Alberto Marques); realçou-se o papel do turismo como fautor de identidade dum país ou duma região (Manuel Coelho da Silva); recordou-se o notável contributo de António Ferro, cujas teses (ficou demonstrado) ainda hoje são de uma actualidade flagrante (José Guilherme Victorino): «Quando o hóspede deixa de ser mencionado pelo nome, as pousadas perdem significado»…
Destaque especial para a mui oportuna análise de Armando Rocha, bem documentada, a pôr em confronto, nomeadamente no que concerne à hotelaria, as diferenças que ora se registam em relação ao praticado há uma década atrás. Sublinhando a necessidade de parar para pensar («Pensar volta a estar na moda!»), de dar relevo à diferenciação baseada no trinómio «autenticidade, tradição, simplicidade», reclamou maior atenção às pessoas e suas emoções («Os hotéis têm de vender experiências e não apenas quartos»), sobretudo tendo em atenção o inegável papel ora desempenhado pelas redes sociais e pelo TripAdvisor, página da Internet que hoje detém um relevante papel.

Misericórdia revela-se
            Sabíamos que existia, tinha lares, creches, o «Bom Apetite», uma farmácia; que dinamizava ATLs, acolhia e recuperava toxicodependentes na Casa da Barragem e noutras; que dava apoio domiciliário e tinha centros de dia…
Missão imensa, no espírito de dar cumprimento às obras de misericórdia, desde 1551!...
Tinha-se uma ideia, se calhar vaga e parcelar. Por isso, no sábado, 5, das 10 às 19 horas, todas essas valências assentaram arraiais, no Jardim Visconde da Luz, no coração da vila, e mostraram como se faz, como se vive, como se ajuda a (saber) viver.
Lá estiveram, para apoiar, o ministro da Solidariedade e Segurança Social, Pedro Mota Soares; o presidente da Câmara e alguns vereadores; o presidente da Junta; Mariana Ribeiro Ferreira, presidente do Instituto da Segurança Social; e muita muita gente – a saudar os funcionários e técnicos que prontamente disseram «presente!», a dar o seu contributo…
Muita animação, demonstração de actividades, música, cantares, o entusiasmo dos meninos dos tambores, exposição de produtos artesanais em que, mais do que a beleza real, se espelha a beleza implícita do gesto e da positiva atitude perante a Vida!
Uma Santa Casa que, afinal, a todos serve e que de todos espera solidariedade.

Parque infantil do Bairro da Assunção
            Nesse mesmo sábado, um outro momento importante na freguesia de Cascais: a abertura do parque infantil do Bairro da Assunção, obra da Junta de Freguesia. Sito na Praça João Martinho de Freitas, no coração do bairro, abrigado pela sombra das árvores, é recanto de que apetece usufruir e que a população saberá preservar como privilegiado ponto de encontro de gerações.
            Pedro Mota Soares também se associou ao acto ‘inaugural’, assim como o presidente da Câmara e, necessariamente, o presidente da Junta, membros do seu Executivo e muitos moradores. O pessoal da Associação Cultural Confluência trouxe a animação!
            Congratulamo-nos!


O papel do teatro
Em vários espectáculos do TEC se discute a função própria das representações teatrais na vida da comunidade. Assim, em Arsénico e Rendas Velhas, uma das personagens revela quanto os pais se opuseram a essa sua «desgraçada ligação com o teatro, um vício que se contrai…». Ele queria era escrever sobre economia, mas, como diria a canção, «o seu País não deixou!». E tornou-se crítico de teatro!...
 
 
Snack de poesia
            Tem prosseguido com êxito e mui razoável participação a iniciativa de Ricardo Alves de trazer a poesia para o seio da comunidade do seu bairro. Desde Janeiro, no 2º e 4º sábados de cada mês, no Café Pampilho, Pampilheira, Cascais.
A última sessão desta temporada será, pois, no dia 26, das 22 às 24 horas. Há sempre surpresas que aí se revelam.
            Entrada livre. 
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 314, 23.05.2012, p. 6].

quinta-feira, 17 de maio de 2012

A juventude de João de Deus revelada

            É com muito agrado que ora vemos revelada parte da vida do poeta João de Deus, que, nascido em São Bartolomeu de Messines a 8 de Março de 1830, se encontra, de facto, ligado a S. Brás de Alportel, pois aqui estudou, no âmbito da preparação da vida sacerdotal que encarava abraçar.
Coube ao Padre Afonso da Cunha Duarte – que, em S. Brás, sabe aliar ao seu múnus pastoral a irresistível vontade de investigar a História, nomeadamente a história local, e por isso lhe devemos estar muito gratos – debruçar-se sobre a documentação existente no Arquivo Histórico da Diocese do Algarve, donde consta que «como tantos outros candidatos ao sacerdócio, João de Deus teve aulas nos seminários ad hoc, organizados pelos padres mestres e aprovados pelo Bispado do Algarve». Por isso, além de aulas eclesiásticas na sua terra natal, teve-as também em S. Brás e aí recebeu as Ordens Menores, em 1848, na capela do Palácio Episcopal, sendo oficiante o então bispo do Algarve, D. António Bernardo da Fonseca Moniz.
Dada, na verdade, a difícil situação em que a Igreja se encontrava nos finais do século XIX, de anticlericalismo reinante, de «dessacralização da vida quotidiana», criaram-se «seminários de recurso» para quantos, apesar do clima adverso, queriam seguir a vida eclesiástica. Afonso Duarte vasculhou miudamente o referido arquivo, com a paciência, tenacidade e saber que se lhe reconhecem, e, no livro João de Deus Clérigo Minorista da Diocese do Algarve (S. Bartolomeu de Messines, Abril de 2012, ISBN 978-989-95726-4-5), dá conta dos resultados obtidos, que mais luz trazem agora à história da nossa terra!
Um deveras interessante acervo documental que passara completamente despercebido.            

[Publicado em Notícias de S. Braz, nº 186, 20-05-2012, p. 15].

quarta-feira, 16 de maio de 2012

A nossa linguagem


Era manhãzinha bem cedo. O comboio regurgitava de gente a caminho do emprego. Já se haviam todos levantado há mais de uma hora e o relativo silêncio da carruagem convidava ainda a um passar pelas brasas, por terem sido escassas as horas dormidas e muita a atarefação a preparar a saída.
A criancinha, de uns dois aninhos, gozava dos momentos (se calhar, quase únicos na sua jornada…) em que usufruía da disponibilidade conjunta de pai e mãe. Na brincadeira, balbuciava palavras: «Dabadabadaba!»… E os pais respondiam-lhe no mesmo tom e sorriso: «Dabadabadaba!». Não sei se era alguma palavra da sua intimidade, uma daquelas que a gente inventa para fazer miminhos ou se, ao invés, a menina já estava a começar a falar e essa era uma das palavras que assumira dessa forma infantil. E lembrei-me logo daquela prática, que por vezes temos, de dar às coisas, perante a criança, o nome que elas lhes dão, em vez de lhes ensinarmos logo, sem insistências mas com convicção e naturalidade, o nome verdadeiro. Claro que o gato pode ser o «miau»; mas… porque não há-de ser o ‘gato’ ou, se tiver nome, mesmo o nome dele?
Quando, após os beijinhos e mais uma ternurinha, a mãe saiu e o pai ficou com ela:
– A mamãe!... A mamãe!...» – choramingou. E o pai, então, falou com ela, serenamente, em linguagem normal; e a criança também voltou a falar naturalmente.
Portanto, fiquei mais satisfeito. Fora apenas mimalha brincadeira e os pais estavam bem conscientes do melhor processo de aprendizagem.
O António tem em casa um peixe que canta o «Don’t worry be happy» e que faz, por isso, as delícias do neto. Para o neto, porém, aquilo não é «o peixe» nem o «Big Mouth Billy Bass», o «singing fish» que até está no youtube; é, mui simplesmente, o «Biá»! – porque, desde pequenino, o que fixou foi o «be happy!».
E não é que fixou muito bem? Que mais queremos nós para as nossas crianças senão que elas sejam… biás! Felizes, num crescimento sereno, em que a música (porque não?) ocupe sempre um lugar primordial. Mesmo que veiculada por um peixe de que só muito mais tarde (e se for para Biologia…) poderá vir a saber que é uma espécie típica da América da Norte, de seu nome científico Micropterus salmoides, da família da nossa vulgar achigã!...
Publicado no quinzenário Renascimento [Mangualde], nº 593, 15-05-2012, p. 10.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

A origem da língua portuguesa

Cumpre aos linguistas propor hipóteses explicativas da origem duma língua, tanto nos seus aspectos morfológicos quanto sintácticos, entendendo pelos primeiros o modo como as palavras se pronunciam e se escrevem, analisando os segundos o modo como se entrelaçam na frase, inclusive possibilitando, dessa forma, alguma mudança de significado – pois também aqui o contexto desempenha papel relevante.

O sugestivo e bem eloquente relato bíblico da Torre de Babel (Génesis 11, 1-8) explicita que todas as línguas brotaram dum tronco comum. No que respeita ao Ocidente, dessa base têm partido os linguistas, ao considerarem o indo-europeu essa base donde tudo partiu.
Ao embrenhar-me no tema das divindades indígenas, pré-romanas, na mira de, através da análise etimológica dos teónimos, lhes determinar atributos e funções, à Linguística tive, pois, de recorrer. Um emaranhado de sugestões – adiante-se desde já – porque se lida com vocábulos fruto de longa evolução, cujo som e respectiva representação gráfica algo terão, necessariamente, de aleatório.
Uma convicção perfilho, hoje: o do importante papel da oralidade e da convivência. A transposição escrita do que se ouve está sujeita a inúmeras contingências (recorde-se o caso da senhora que se chama Prantilhana…); e não vale a pena, por isso, digladiarmo-nos por causa dum e ou dum i. A própria pronúncia da mesma palavra assume tonalidades diferentes, inclusive no Português, que é uma das línguas consolidadas há mais tempo no Ocidente europeu. Virá a talhe de foice recordar que, em relação ao Latim, há três possíveis pronúncias para, por exemplo, o nome Cicero: a (dita) restaurada, a ‘portuguesa’ e a romana!...
Derivado, sem dúvida, do Latim, o Português acolheu de boamente contributos do Grego, do Árabe, do Visigótico… e, já nos nossos dias, consignados no Dicionário da Academia, termos próprios de outros países europeus, do Brasil e dos PALOPS (daí, a ideia peregrina do tal acordo ortográfico…).
O lugar e o tempo constituem, consequentemente, coordenadas a ter em conta, mormente se pensarmos que, apesar de termos apenas duas línguas oficiais – o Português e o Mirandês – há ainda o barranquenho, o minderico e – porque não? – o falar algarvio, o falar gandarês...
O Brasil poderá ser também motivo de sugestiva análise, se atentarmos que, logo no aeroporto, quando chegamos, deparamos não com a indicação «tapete» mas o classicíssimo «esteira»; e a nossa ‘fotocópia’ é… xerox! A simbiose perfeita entre o conservadorismo vernáculo e a adopção sem peias do neologismo preciso.
Qual a origem da língua portuguesa, portanto? O Povo que desde há muito séculos a fala, em épocas e em lugares precisos. Uma origem que não devemos, por consequência, considerar estática nem no tempo nem no espaço – porque… está viva! E amadurece todos os dias!
[Síntese da conferência que tive o gosto de proferir, ontem, 10 de Maio de 2012, a convite de VITRIOL, Associação para a Divulgação da Língua e Cultura Lusófona, na Biblioteca-Museu República e Resistência GRANDELLA, em Lisboa].

Andarilhanças 47

Estreia
      Constituiu «evento colunável» a estreia, a 23 de Abril, da peça do Teatro Experimental de Cascais. São sempre «eventos» as estreias; mas esta tê-lo-á sido muito especial, reclamada pelo regresso de António Pedro Cerdeira, actor bem conhecido dos telespectadores. Muitos foram, pois, os actores (mormente de telenovelas) que marcaram presença e os flaches dos fotógrafos não pararam até segundos antes de o pano subir; e, no intervalo, entrevistas não faltaram, claro! Eunice Muñoz foi também presença a assinalar.

Casais Velhos revisitados
No âmbito do seu programa de dar a conhecer as particularidades e o património do lugar onde vivem, a AMA – Associação de Moradores da Areia organizou, na tarde do passado dia 29, uma caminhada até ao povoado romano dos Casais Velhos.
      Inscreveram-se cerca de 120 moradores, que, conduzidos por José d’Encarnação (da Associação Cultural de Cascais), se inteiraram, logo no adro da capela de S. Brás, da antiguidade do lugar, quer pelos vestígios que iriam ver de seguida quer porque há notícias sobre a Areia ao longo dos séculos e constava o lugar dos pontos de referência anotados pelo Automóvel Clube de Portugal em meados do século passado, como o atesta a placa inserida na parede sul da capela.
      A caminhada fez-se pelo interior oriental da povoação, de modo que pôde apreciar-se a vegetação autóctone, assim como os típicos muros de pedra seca a dividir as propriedades agrícolas.

      Em pleno povoado romano, que teve ocupação documentada nos séculos IV e V da nossa era, José d’Encarnação fez a história das investigações arqueológicas ali levadas a efeito em 1945 e em 1968, explicando o significado e função de cada uma das estruturas postas a descoberto: o sistema de defesa amuralhado, o aqueduto, o complexo termal, as sepulturas, detendo-se, de modo especial, no conjunto de construções ligado ao que se supõe ter sido destinado à preparação da púrpura.

      Já no regresso, foi possível mostrar, no corte do terreno que ladeia a estrada, elementos arquitectónicos avulsos, a exemplificar as características que permitem identificá-los como romanos.
      A caminhada durou pouco mais de duas horas e terminou com um chá servido na esplanada do Centro Interpretativo da Crismina.

Canteiros confraternizam
      A manter a tradição cascalense de «atacar o Maio» com uma boa caldeirada, um grupo de canteiros de S. Domingos de Rana reuniu-se de novo, este ano, no dia 1, em Trajouce.
      Recordaram-se as técnicas do «tratar a pedra por tu»; viu-se, por exemplo, como funcionava a cruzeta,   instrumento usado em escultura para ‘tirar os pontos’, ou seja, para o canteiro mudar para a dimensão requerida o que o escultor lhe entregara em molde… Terminou-se, após a tradicional fotografia de grupo, no Museu do Caracol, que ora se dedica a fazer miniaturas, em madeira, de utensílios tradicionais do dia-a-dia saloio.
(Fotografias de Guilherme Cardoso. Foi Celestino Costa quem demonstrou como se usava a cruzeta).
Egoísta
      Numa época em que escrever cartas parece que já passou de moda – hoje já só se mandam frios e-mails e mui sintéticos sms, o nº 48 (Março 2012) de Egoísta, a revista trimestral da Estoril-Sol, vem recordar-nos o papel fundamental que o correio detém no nosso quotidiano, mormente a nível pessoal. Caso raro é, hoje, uma carta escrita à mão e valerá, decerto, a pena apostar em regressar a esses hábitos:
      «Só uma carta manuscrita pode transportar a mancha de uma lágrima. O odor de uma tinta perfumada, o hesitante vestígio de uma palavra corrigida, a marca de um anseio que nos escapa da alma e escorre pelo papel para ganhar vida própria só entre dois partilhada» – escreve Mário Assis Ferreira. E tem razão – oh se tem!
      Parabéns, pois, por mais esta… surpresa (que é sempre uma surpresa cada número da Egoísta!).

Acreditar
      Boletim da Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro [www.acreditar.org.pt], o nº de Março traz, para além do noticiário acerca das actividades da Associação (um exemplo sempre de grande e emotiva solidariedade!). Tem o leitor ideia, por exemplo, do que são os Barnabés? São as crianças, jovens e adultos que na sua infância vivem ou viveram uma doença oncológica – e eles próprios se tornam, depois, arautos de uma esperança que nunca pode morrer!
      Como se escreve logo no início da 1ª página (das 4 que compõem o boletim): «Pedras no caminho? Guardo-as todas. Um dia vou construir um castelo!».

[Publicado no Jornal de Cascais, nº 313, 09.05.2012, p. 4].




sábado, 5 de maio de 2012

Morram os velhos – depressa e bem!


            «Numa época em que os distanciamentos geracionais são cada vez mais evidentes, em que os relacionamentos humanos se desintegram e o abandono leva à solidão dos corpos encontrados meses depois da morte, o macabro desta comédia ganha uma triste dimensão trágica para todos nós» – é a frase final de Miguel Graça, na apresentação de «Arsénico e Rendas Velhas», de Joseph Kesselring, a peça que Teatro Experimental de Cascais estreou no passado dia 23.
            Escrita exactamente no ano em que começou a II Grande Guerra (1939), cujos horrores ainda se não conheciam mas decerto já se adivinhavam, a peça subiu à cena em 1941, em Nova Iorque, e, no ano seguinte, em Londres. Explica Miguel Graça, que foi o competente responsável por esta versão actualizada (parabéns!), que o êxito então obtido se explica também pela necessidade sentida por americanos e ingleses de encontrarem um divertido escape para a pressão psicológica com que os acontecimentos bélicos quotidianamente os oprimia. Rir para não chorar; procurar ver com outros olhos uma realidade inexoravelmente bem dramática.
            Acontece, porém, que, não estando nós numa guerra mundial de armas, estamos, nesta 2ª década do século XXI, numa guerra psicológica igualmente mortífera e deprimente – e entre uma e outra, que venha o diabo e que escolha! De uma forma eufemística, dir-se-ia, põe-se, na verdade, o dedo no fundo da ferida: «a solidão dos corpos encontrados meses depois da morte»… O paradigma mortalmente economicista da política europeia (todos o dizem, todos o sabem, excepto aqueles que têm de fingir que não sabem, coitados deles!...) leva precisamente a situações idênticas às que a peça de Kesselring escalpeliza – e muitas mais serão do que nós imaginamos!...

Ser bonzinho
            Que as duas velhinhas simpáticas se limitam, no fim de contas, a aceitar como hóspedes velhinhos que não têm onde cair mortos, que ora peregrinam sozinhos por este mundo, sem eira nem beira, e cuja vida, por isso, já não tem qualquer objectivo. «Vai uma bebidinha, Amigo? À nossa saúde!». E a cave vai-se enchendo de cadáveres, honrosamente sepultados como mandam as regras, as senhoras vestidas de preto da cabeça aos pés, as orações e… venha outro!
            Um sobrinho também enveredou pelo mesmo caminho, para sanear o mundo dos seres inúteis e perversos. Com mais requinte, em jeito de cirurgia plástica…
            E tudo se embrulha por ali, uma vez que até gozam da cumplicidade de um outro sobrinho louco, que se toma por presidente dos Estados Unidos e está, por isso, sempre a sonhar com guerras, inimigos e mortos!
            Não são todos uns queridos?... Não são todos, afinal, uns benfeitores dignos, até, de pública condecoração? Não livram os políticos de uma série de empecilhos?
            Comédia macabra, sim, que nos arranca gostosas gargalhadas pelo inesperado das situações e pelo à-vontade com que se tratam assuntos de uma seriedade imensa. E não é que, tal como nesses primórdios da II Grande Guerra, nós precisamos mesmo de rir? E a bandeiras despregadas, claro! Para ver se, tal como antigamente se dizia, «é a rir que se castigam os costumes»!

A peça de teatro
            «Arsénico e Rendas Velhas» esteve em cena até ao dia 29. Faz-se agora uma pausa, devido à reposição, agora no Teatro Nacional D. Maria II, de «O Comboio da Madrugada», com Eunice Muñoz (como se sabe) na protagonista, acompanhada por outros elementos da Companhia que necessitam de ser substituídos. Voltará, pois, ao palco do Mirita Casimiro de 15 de Maio a 15 de Junho – e é peça a não perder, justamente pelo anátema que implicitamente lança aos tristes tempos em que vivemos, como se tivéssemos culpa dos progressos da Medicina em prol da longevidade. Culpas teremos, porém, se continuarmos a não levantar a voz contra o egoísmo dos que abandonam velhos em casebres por essas aldeias perdidas ou num lar que nunca mais visitam ou num hospital de que aparentemente esqueceram nome e localização
            Se fez bem Carlos Avidez em a trazer a público agora? Claro que fez! E para os estudantes da Escola de Teatro, que se sentaram por terra à beira do palco no dia da estreia, terá sido mais uma aprendizagem. Não apenas porque estava em palco a maioria dos seus professores, mas também porque, no fundo, algo da lição lhes terá ficado no subconsciente.
            Rimo-nos muito. Aquela serenidade seráfica de Anna Paula; aquele desvario de António Pedro Cerdeira, crítico de teatro que não sabe para onde se há-de virar e até quase não distingue já o teatro-espectáculo do teatro-vida (saúda-se vivamente o seu regresso!); aquele ar de inocente de António Marques, na ridícula figura austera do cirurgião alemão, Doutor Einstein, pois então! Ai, os fornos crematórios!...); as loucuras imprevisíveis de João Pedro Jesus, a incarnar George W. Bush (presidente dos EUA…); a ardência apaixonada de Rita Cabaço – tudo são bons pretextos para rir. Mas é, no fundo, repita-se, um rir para não chorar!
            Interpretações de muito bom nível; cenário singelo a servir plenamente o que se pretende; ‘banda sonora’ a condizer… Realce, ainda, para a exposição de fotografias no ‘foyer’, da autoria de Alfredo Carvalho.
            Mais uma vez, os maiores aplausos!

[Publicado no Jornal de Cascais, nº 312, 02.05.2012, p. 4].