quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

A arte como evasão?


Com uma lucidez impressionante, Mestre Nadir Afonso festejou os seus 90 anos no sábado, 4, na galeria do Casino Estoril, aquando da inauguração do XXIV Salão de Outono. E teceu amplas considerações acerca da Arte como Matemática ou o papel da Matemática na Arte.
Mostra importante, de trabalhos ímpares de quantos, ao longo de mais de duas décadas, têm mostrado naquele espaço as suas obras, o Salão constitui, nesta quadra, para além da homenagem, ponto de passagem obrigatório para quem na Beleza sentida queira as forças anímicas recuperar.
Inauguração bem concorrida, condimentada a rigor com iguarias transmontanas. Carlos Magno evocou a obra e a extraordinária personalidade artística do Mestre que, em Paris e no Brasil, trabalhou com arquitectos consagrados (Le Corbusier, Niemeyer…), mas que, alfim, pela pintura se deixou seduzir, na graciosidade geométrica de coloridos traços minimalistas que ora perenemente se nos oferecem à admiração, por exemplo no túnel para o paredão, em frente do Parque Palmela, em Cascais.

Teve outro registo, não menos social e simpático, a abertura, a 27 de Novembro, da exposição anual «Denominador Comum», promovida pelo Hotel Viva Marinha, para que expressamente foram convidados «artistas que, tendo embora em comum o gosto pelas artes e pela pintura em particular, são, no entanto, profissionais de outras áreas:
- Josias Gyll, conhecido geriatra de Cascais, apresentou-nos, por exemplo, «Mãe», num forte azul surrealista, e a beleza dos monstros em «Axá»…
- Maria Regina de Mongiardim, diplomata e professora universitária de Política Internacional, convida-nos ao intimismo, à meditação: maternidade, vultos misteriosos no beco enlameado…
- Francisco Azevedo, diplomata de carreira, «arco-íris de suaves cores de nostalgia» (assim Mateu Manaure caracterizou as suas telas).
- Mariana Fialho, eborense a viver na Suíça: o silêncio dos muros fechados, sem gente no meio urbano…
- Gabriela Barbosa (“Bié”), funchalense, mostrou «objectos de sedução»: o quotidiano de que se constrói a beleza, consubstanciada em artigos de toilete, o par de sapatos em comunhão com cogumelos, a caixa da camisa e da gravata aliada à discreta coscuvilhice de uma romã…
A arte, aqui, a situar-se no campo da evasão de um quotidiano profissionalmente absorvente. E foi pequeno o hall para conter os amigos que acorreram à chamada. As obras de arte dispersam-se por ali, como quem não quer a coisa, casando-se com a decoração. Dois dedos de conversa, a recordar tempos idos, no saboreio de um requintada tapa e bebida a condizer, na apreciação serena de mensagens pictóricas a pausadamente decifrar.

Publicado no Jornal de Cascais, 22-12-2010, p. 6.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Os homens das pedreiras

Nas pedreiras de Cascais, onde, como se tem dito, muita gente havia de S. Brás nas décadas de 50 e 60, eram três os tipos de trabalhadores existentes.
Dava-se o nome de «trabalhador» ao operário indiferenciado (dir-se-ia hoje), aquele que não tinha qualquer especialidade e que, por isso, de pá e picareta, descobria os blocos, cavando, cortando o mato e ajudava no transporte das pedras. Era também ele o aguadeiro, ou seja, o que zelava por que não faltasse água na bilha e, como ia ao chafariz da aldeia, amiúde era também moço de recados (o vinho, o maço de tabaco…). Ganhava à jorna.
O cabouqueiro tinha a ciência de cortar a pedra, quer o banco posto à mostra e que importava talhar a preceito, quer os blocos mais pequenos, de acordo com a encomenda em execução. Ganhava à jorna também, mais do que o trabalhador.
O canteiro era o ‘artista’, aquele que, lendo com os cabouqueiros os desenhos dos construtores, deveria transformar em soleiras, lintéis, peitoris… o que lhe fora entregue em bruto. Era dentre os canteiros que os escultores escolhiam quem lhes executasse as obras de que eles, os escultores, apenas faziam o molde; ao canteiro competia, então, ‘tirar o ponto’, ou seja, pôr à escala o que o escultor apresentara em modelo. Ganhava à peça.

[Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 143 (Dezembro 2010) p. 10.]

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O topónimo Cascais

Continua a intrigar a origem do topónimo Cascais.
Para mim, trata-se do plural de cascal, querendo isso significar que, nas suas praias, abundavam as cascas de mariscos: mexilhões, lapas, amêijoas, ostras, búzios, caracóis… Não me admirei, por isso, quando encontrámos, na villa romana de Freiria, centenas de conchas de ostras; ou quando, na década de 60, o achado de bastantes conchas de múrex no povoado romano dos Casais Velhos levou os arqueólogos a considerarem a tinturaria como uma das actividades a que, aí, os romanos se dedicaram, até porque para tal serviriam as tinas com tampa hermética que lá se descobriram.
Guilherme Cardoso é, porém, de opinião que «aquilo que se sabe hoje e que é mais aceite no caso do nome de Cascais é provir do encascar as redes através de um banho obtido por uma infusão de casca da aroeira. Isto foi-me confirmado por vários pescadores […]». Encascar significa, de facto, «meter as redes de pesca em infusão de casca de árvores para as conservar e dar-lhes uma cor acastanhada»; mas, pergunto eu, nesse caso, só aqui é que haveria esse procedimento? Só este lugar teria merecido tal… honra toponímica?
Meu amigo Hans Daehnhardt perfilha outra opinião: cascas, sim, mas de pinheiro, desde a época pré-histórica! E estamos a investigar se, nessas remotas eras, já o pinheiro abundaria por aqui.
Corre na Internet outra história, que remonta aos tempos de el-rei D. Afonso Henriques, considerando que a primeira cena de «violência doméstica» (!) aqui teria ocorrido, quando D. Mafalda, sua mulher, apanhou dele uma bofetada, por ter levantado um pouco a saia para não se molhar, quando passeavam pela praia. E a rainha perguntou: «Senhor meu rei e esposo, porque me cascais?»…
Chalaça também pode parecer o que José Sarmento de Matos escreve na p. 211 do Livro I (As Chegadas) do seu livro A Invenção de Lisboa, edição da Temas e Debates, apresentado a 27 de Novembro de 2008, anunciado como «A história da cidade de Lisboa numa narrativa ficcionada».
Foi Margarida Ramalho que me apresentou essa página, onde se fala de um ‘berbere marroquino’, corsário «responsável por manter a ordem em todo o vasto sector marítimo a norte de Lisboa», Kaxkax de seu nome. Moraria «no bairro muçulmano de Alfama», mas… «tendo em atenção o seu nome, Kaxkax», acrescenta Sarmento de Matos, «apetece perguntar se este corsário destemido escolhe como poiso para a sua esquadra a última baía amena antes de entrar no Atlântico, conhecida como a baía de Cascais». Salientando a «proximidade sonora entre o seu nome e o do lugar, aliás de origem pouco esclarecida», o autor afirma que não consegue «deixar ao menos de acentuar essa intrigante afinidade de sons».
Que a baía é amena, sabemos; que por aqui, em todos os tempos, houve corsários e outras pilantragens temos indícios fortes; mas… Kaxkax é mesmo nome de gente? Diz o My Heritage que sim: um sobrenome e todos de Espanha! E terá sido daí (pergunto eu) que os franceses deram ao jogo das escondidas o nome de ‘cache-cache’? Que também por aqui há muito quem reine às escondidas, oh! se há!... Como o corsário reinaria.

Publicado no Jornal de Cascais, nº 247, 15-12-2010, p. 6.

Dos ecos ressuscitados


Era, de facto, assim.
Ao longo dos meses. O ritmo doloroso mas sereno de uma existência frugal, atenta aos sinais do céu, leitora sapiente dos escritos na paisagem. Paisagem moldada pelo suor do Homem, no caminhar persistente – que já vem perto o ritual das sementeiras, das colheitas, das desfolhadas… como reza o Borda d’Água…
Vida ritual, sem dúvida, pautada pelos adágios séculos afora consolidados, na experiência das gentes…
Aninha-se a aldeia da Barriosa no regaço de duas serras beirãs, a da Estrela e a do Açor. Tem a bonita cascata do Poço da Broca; teve lagares, eiras, moinhos… E vai perdendo gente.
É Barriosa concreta, de pessoas concretas, com nome e idade (tinha Antoninho do Fôjo 99 anos…), e histórias vividas («Um dia de Maio pela manhã, indo um rapaz com a charrua às costas para o campo, encontrou uma moça do seu agrado…»). Mas será também – quiçá sobretudo – uma Barriosa-símbolo, cantiga de vida cujos ecos aqui se ressuscitam, se transmitem, se querem erguer altaneiros em certeiro anátema contra o «mutismo de um dia passado à frente do pequeno ecrã» globalizante, uniformizador, castrante… Um símbolo, ele também!
«Velho que morre, biblioteca que arde», escreveu o etnólogo do Mali, Amadou Hampâté Bâ. Este, porém, quer ser o livro que ousou escapar ao incêndio, dele corajosamente arrebatado pelas mãos de quem soube ouvir, se dispôs a escutar e os pormenores cuidadosamente anotou, para que não viessem a perder-se. Para que houvesse memória e, com ela, identidade!
Já se esqueceram os adágios? Já não há o tapador da levada nem o “mestre barbeiro” que cuidava da saúde aos moradores? O sol a pôr-se no Monte do Colcurinho, «a 1244 metros de altitude, já não marca, como o fazia outrora, a hora de regresso dos campos»? Já as torgas não crepitam nas fogueiras? Já o sino não repica como dantes? Já tudo desarvorou para a cidade anónima e… sem terra?...
João Orlindo conta como foi: já não, já não, já não… O panorama do que deixou de existir, sim; relembrado aqui, corre todavia sério risco de poder ressuscitar.
Oxalá!

[Prefácio a João Orlindo MARQUES, Esta Vida é uma Cantiga! (Ocasos do viver numa aldeia serrana), Apenas Livros, Lisboa, 2010, p. 3].

sábado, 11 de dezembro de 2010

Não ao fim-de-semana, sim à semana de trabalho!

A necessidade aguça o engenho – reza o adágio popular, consubstanciando uma filosofia ancestral. Provam-no, hoje, as inúmeras iniciativas impensáveis há uma década atrás: o regresso ao campo, o estreitamento das relações de vizinhança, as hortas urbanas, a luta contra o desperdício alimentar…
E, concomitantemente, a mentalidade vai mudando.
Assim, não era raro desejarem-me «bom fim-de-semana!» à quinta-feira. Tenho no computador dois desenhos animados. Num, um ratinho levanta-se, boceja, espreguiça-se e, de repente, grita «What? It’s not friday yet?» (“O quê? Ainda não é sexta-feira?» e… deita-se de novo. No outro, é um caracol que caminha, arrasta-se, arrasta-se, sempre no mesmo sítio… e a legenda diz «Continua! É quase fim-de-semana!».
Nas mensagens de telemóvel ou mesmo de correio electrónico, a palavra fim-de-semana já não se escreve por extenso, mas em siglas, e eu próprio já inseri fds nas opções de correcção automática do computador, tão banal é o seu uso diário. «Diário», escrevi bem – porque se vive para o fim-de-semana!
Também esta mentalidade, portanto, vai mudar. E, confesso, já hesito em desejar bom fim-de-semana sem acrescentar algo como «boa semana de trabalho!», pois, na verdade, o fim-de-semana não pode ser um fim, mas um meio para recuperar energias a despender com eficácia durante a semana!
Lê-se no Génesis (2.2): «Deus descansou, no sétimo dia, do trabalho por Ele realizado». Essa, a mensagem que ora ganha novo sentido e que poderá vir a reflectir-se, doravante, no teor do que escrevemos: desejo-lhe a si, prezado leitor, uma boa semana de trabalho!

J. d’E.

Publicado no Jornal de Cascais, nº 246, 8-12-2010, p. 6.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Todos a vêem e… ninguém a lê!

Estuda a ciência epigráfica as inscrições que, ao longo dos tempos, os homens foram deixando sobre materiais duradouros. Mensagem sucinta, pensada, destinada ao futuro, tem, para além do que vem nela explícito, uma mensagem implícita, que se prende com as razões que a determinaram.
Homenageou a Junta de Freguesia de Cascais, no passado dia 5, três pessoas, atribuindo o seu nome a arruamentos. E houve cuidado de se dar conta, através da Comunicação Social, dos motivos que levaram o Executivo a fazer essa proposta, aceite pela Câmara. De César Guilherme Cardoso se escreveu: «Fotógrafo que, ao longo de cerca de 60 anos, registou parte muito relevante da história local em documentos hoje integrados no espólio do Arquivo Municipal de Cascais». Na placa toponímica apenas vem o nome e «(Fotógrafo 1922-2006)». Quem o não conheceu, se apenas se ativer ao que está gravado, fica muito aquém da realidade, como, em relação a outro nome de rua que lhe fica perto, perguntará porque é que um «retratista», António da Silva de seu nome, foi merecedor de perpetuação, pois nada o fará suspeitar das circunstâncias trágicas em que ocorreu a sua morte, no mar da Boca do Inferno quando tentava salvar turista arrebatada por onda traiçoeira.
Urge, pois interrogarmo-nos. E isso não fazem, por exemplo, os autarcas e os munícipes que diariamente transpõem a porta dos Paços do Concelho de Cascais, em relação à placa azulejada ali bem visível. Se nela houvessem reparado…

Não, a ordem das línguas está correcta: corresponde a um período em que essa era a ordem de importância (numérica) dos turistas visitantes: depois do português, o espanhol, o francês, o inglês e o alemão.
Mas…
… que está escrito na placa? Que significa mairie? E town hall? E… “Município de Cascais”? Para já: «de Cascais»? Pois donde houvera de ser, de Sintra?!... E… «município»? Que é que significa «município»? Não é um território e as suas gentes? Não são «município de Cascais» Malveira da Serra, S. Domingos de Rana, Carcavelos?... Pois. O que se deveria ter escrito era… PAÇOS DO CONCELHO!
Está mal.
Há que corrigir!

Publicado no Jornal de Cascais, nº 245, 30-11-2010, p. 6.

sábado, 27 de novembro de 2010

Todos vêem e… ninguém vê!

A educação para a atenção, para a curiosidade é, sem dúvida, de uma relevância que não sofre contestação. Amiúde, nos confrontamos com a frase «Tem graça, nunca tinha pensado nisso!», dita por nós e pelos nossos interlocutores. Ou seja: nunca nos tínhamos posto a questão e, afinal, com muita frequência, o mais importante não é resolver os problemas, é tomar consciência deles, equacioná-los correctamente; assim, a solução virá com mais facilidade.
Chamei a atenção da Câmara de Cascais para a placa identificativa de direcções, plantada numa das rotundas da Av. A. Amaro da Costa, que o vento vira com a maior das facilidades. Os técnicos foram lá e puseram-na direita; assim se manteve até à primeira rabanada. Isto é, não se puseram a questão: «Porque é que a placa vira?». Porque, se a tivessem posto, verificariam, com a maior das naturalidades, que uma haste vertical com quatro pesadas sinalizações de direcção de um só lado e sem frestas tem, forçosamente, de funcionar como… cata-vento! E, por isso, há que pôr duas hastes em vez de uma só. Nada mais simples!
Brinco, de vez em quando, em tertúlias, sobre o significado do e que aparece nas embalagens de líquidos e outras – veja-se a imagem. Pois ninguém, até esse momento, tinha reparado nele! E eu pergunto: «E que significa?». Claro que me dizem de imediato «Europa». E eu: «Quer dizer que são 33 cl… na Europa?». Cá está: toda a gente, algum dia, viu esse estranho e e nunca se pôs a questão «Que é que isto quer dizer?».
Significa «estimado», uma noção equivalente ao antigo ‘peso líquido’; isto é, dá uma indicação do volume ou do peso aproximado do que essa embalagem contém. Tal informação resulta da directiva comunitária – “Council Directive of 20 January 1976 on the approximation of the laws of the Member States relating to the making-up by weight or by volume of certain prepackaged products (76/211/EEC)” – onde se prescreve a colocação da letra e nas embalagens para indicar o estimated value do conteúdo: «A small "e", at least 3 mm high, placed in the same field of vision as the indication of the nominal weight or nominal volume, constituting a guarantee by the packer or the importer that the prepackage meets the requirements of this Directive» (ponto 3.3 do anexo I).

Publicado no Jornal de Cascais, nº 244, 23-11-2010, p. 6.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Carta aberta ao Sr. Presidente da Freguesia de Cascais

Perdoar-me-á, meu caro Amigo, se uso deste processo par fazer ouvir a minha voz, já que tantas outras vezes o tentei, debalde, junto dos serviços camarários. Mas, ao ler o anúncio do simulacro de incêndio «no posto da Galp | Cobre», para hoje, dia 16, achei que deveria voltar à carga sobre a necessidade de identificação do Bairro da Pampilheira, através da correcta colocação de placas na Avenida Adelino Amaro da Costa, tanto do lado norte como sul.
Ora vejamos a informação divulgada pelo Gabinete de Comunicação e Relações Públicas da Câmara no dia 8. O título era o que indiquei; depois, escreveu-se que era no “desvio para o Cobre”, acrescentando-se que «o exercício implica o corte da circulação rodoviária na Av. Adelino Amaro da Costa entre as 11h30 e as 12h30, entre a rotunda junto ao Externato Europa e o triângulo de desvio para a Pampilheira».
Senhor Presidente: verificará que o Centro de Distribuição Postal, que está no coração da Pampilheira, tem oficialmente a indicação de que é no Cobre; verificará que a Clínica CUF, sita ao lado, também oficialmente está no Cobre (aliás, no talão do Multibanco, até vem que está em… Carnaxide!...). Nada tenho contra o Cobre, um lugar cuja população muito estimo e que já vem nos livros antigos, enquanto que Pampilheira é topónimo recente, depois do mais vulgar «Barraca de Pau» dos anos 40 e 50. Mas, Amigo, o posto da Galp está… na Pampilheira!
Dificilmente haverá na sua freguesia um bairro que esteja tão bem delimitado (apesar de a incompetência dos técnicos camarários e a impotência dos serviços manterem o impedimento de passar directamente do lado oriental para o lado ocidental em viatura). A poente, é a Rua Joaquim Ereira; a sul, a Av. Raul Solnado; a norte, a Rua do Cobre; a noroeste, a R. Dr. Manuel Costa Matos (com as pedreiras adjacentes que ainda lhe pertencem); a nascente, a Ribeira do Cobre, afluente da Ribeira das Vinhas, e a sua margem esquerda em declive.
Amigo Presidente: vá lá, que lhe puseram na Pampilheira a nova creche e infantário, que eu até estava com medo de malandragem também aí!... E, agora, é de usar a sua influência para repor o que está mal ou, parafraseando Pedro Abrunhosa, «vamos fazer o que ainda não foi feito!».

Publicado no Jornal de Cascais, nº 243, 16-11-2010, p. 6.

sábado, 13 de novembro de 2010

Sentar-se diante da Beleza…


Acto prosaico, dir-se-ia. Sentar-se!... Numa época em que se luta pela máxima rapidez, convidar alguém a sentar-se soará a escandalosa ignomínia, a passividade anacrónica, quando, à nossa volta, tudo gira em turbilhão…
Acontece, porém, que sentar-se, por exemplo, à beira-mar, ouvindo o incessante marulhar das ondas, mirando o suave deslizar das gaivotas e aquele barco, na linha do horizonte, a demandar outras paragens… constitui, no meio do quotidiano frenesim, pausa reconfortante e salutífera. E a admiração das flores no jardim?!...
Luta-se por ter um curso, a aprender e a apurar as técnicas; luta-se, depois, não menos intensamente, para as ensinar aos estudantes, para lhes mostrar como se reproduz Beleza, se misturam cores, se anotam subtis pormenores pejados de simbolismo. Anos a fio!... Até que, um dia, terminada a canseira de reuniões e de currículos e de serões e de programas a cumprir, nos podemos, finalmente, sentar – a saborear, também nós, a Beleza que aos outros em borbotões dispensámos.
Assim Maria Adélia Coelho, professora, artista – em mais uma exposição da sua criatividade, simbiose plena das influências hauridas ao longo da vida.
Flores em botão, singulares, em dádiva: rosa fogo, rosa amarela, azul, flor-poder!... O nu, desprendido, furtivamente captado, diário gesto banal mas elegante. Sofrido grito feminino – «Dor!» – a perguntar porquê, em eco pelas quebradas… que, mais além, a intimista pensadora há-de escutar e tornar consciente.
Seduz-me «O Sonho da Flor»:
gérmen, óvulo azul de seios úberes sob uma jóia de embelezar mulher que se esconde… No ventre, botões de rosa em jeito de mui apetecida oferenda. Extasio-me, comungo!...
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Admiro o pescador sentado na humidade da fraga, à espera que o peixe morda o isco. Admiro por igual os pintores: diante do cavalete, todo um percurso se convoca, em serena explosão de cor, de sentimentos, de ternura… Tudo convocam, tudo nos oferecem!
Assim Maria Adélia Coelho: professora, artista… Mulher! No convite a que nos sentemos diante da Beleza!

Cascais, 7 de Novembro de 2010

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Os ofícios, as pessoas!

Sob a eficiente coordenação da Dra. Marlene Guerreiro, iniciaram, aqui há tempos, os responsáveis pela agenda cultural do concelho – seguramente, uma das mais selectas e bem organizadas agendas culturais municipais que se publicam por esse Portugal – a rubrica a que deram o título de «À descoberta dos ofícios tradicionais». O último apontamento terá sido o de Dezembro de 2009, em que se falou de Tonico da Caldeira e os segredos da aguardente.
Durante muitos meses tivemos, pois, a oportunidade de ver enaltecidas pessoas e os seus saberes ancestrais, que, em boa hora também, o Centro de Artes e Ofícios acabaria por parcialmente consubstanciar na exposição ali patente até Fevereiro do ano corrente.
Temos ideia de que será, sem dúvida, intenção da Câmara, através do seu pelouro da Cultura, vir a reunir em livro essas bem elucidativas reportagens, independentemente de elas continuarem a estar disponíveis na página camarária da Internet. Um livro é sempre um livro, mais palpável, e, neste caso, será um livro «com pessoas dentro», pessoas nossas conhecidas, com quem nos cruzamos na rua e que guardavam segredos únicos que, desta forma, acabaram por amavelmente nos transmitir.
Um património imaterial assim mui sabiamente posto em relevo!


Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 142 (Nov. 2010) p. 10.

Informar pela positiva

Recebo diariamente as primeiras páginas dos jornais.
Num deles, a primeira página traria, a 27 de Outubro, os seguintes títulos:

– Morre a caminho de assinar divórcio
– Felgueiras: Jogo fatal para jovem
– Gaia: Colhido à porta da escola
– Lisnave: Homem electrocutado

E no mesmo jornal, no dia seguinte:
– Covilhã: Furtava em residências
– Faro: Queda mortal de idoso
– Porto: Fogo em casa intoxica
– Lever: Acidente fere quatro
– Ermesinde: Agredido em assalto

E pensei de mim para comigo: que país este, onde, em primeira página, só desgraças acontecem? Daí a deduzir que, primeiro, eram as desgraças que chamavam os leitores (adoramos sentir as dores alheias!...) e, segundo, que poderia haver, por detrás de toda essa chamada de atenção, uma maquinação diabólica lançada no sentido de cada vez mais nos menosprezarmos como país, como comunidade vivendo – como dantes se dizia – num jardim à beira-mar plantado...
Acho que há maquinação. Acho que devemos lutar contra ela. E aplaudo, por isso, os programas televisivos que estão a ser passados ultimamente, em que se fala do regresso ao campo, em que se mostram exemplos de optimismo e de mui válidas iniciativas.
E certamente também não foi indiferente a essa onda de pessimismo desenfreado (telecomandado, não tenhamos dúvidas!...) que recebi uma outra mensagem, intitulada «Eu conheço um país», veiculando (anotava-se) um texto de Nicolau Santos, director-adjunto do Expresso, em que se mostrava muito do que Portugal tem de bom. Dou apenas quatro exemplos:

«Eu conheço um país que tem uma das mais baixas taxas de mortalidade mundial de recém-nascidos, melhor que a média da UE.
Eu conheço um país onde tem sede uma empresa que é líder mundial de tecnologia de transformadores.
Eu conheço um país que é líder mundial na produção de feltros para chapéus.
Eu conheço um país que tem uma empresa que inventa jogos para telemóveis e os vende no exterior para dezenas de mercados.»

Somos nós, os Portugueses!

Publicado no Jornal de Cascais, nº 242, 9-11-2010, p. 6.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Eu quero ser paralelo!

– Então e o menino Adilson que quer ser quando for grande?
– Eu, professora, eu quero ser paralelo!
– Paralelo?
– Sim, professora, é o que rende mais!
– Como assim?
– Eu conto, professora. Lá em casa, papai e os amigos, quando falam na vida e nos negócios que fazem, falam sempre que é bom é ser no paralelo, dá mais lucro, não paga imposto… é bom mesmo! Por isso, eu quero ser paralelo, já disse a papai que quero ser.
Esta era uma das muitas histórias que circulava no Rio de Janeiro, quando lá estive pela primeira vez, em 1989. Aliás, íamos bem avisados: só trocas uns dolarezitos de cada vez, e sempre no paralelo, que de resto informam na televisão qual é o câmbio, que está sempre a mudar – e compensa!
Alembrei-me desta quando ouvi, outro dia, falar do problema da Grécia, que não conseguiu arribar porque, primeiro, a receita do IVA ficara muito aquém do que se previra no orçamento; segundo, porque o combate à evasão fiscal – ao tal ‘mercado paralelo’ – não fora eficiente e não surtira os desejados efeitos.
Quando ainda temos pachorra para os noticiários das desgraças, damo-nos conta, a cada dia que passa, das inúmeras trafulhices perpetradas pelos grandes que se locupletaram (gosto da palavra!...). E andaram nisto anos a fio, sem que ninguém topasse a marosca. Como é que, na actual conjuntura, de impostos elevados, o vulgar cidadão há-de resistir, pois, a dar a sua facadinha no fisco?
«A História ensina-nos», escrevia eu na passada edição. Ámen!

Publicado no Jornal de Cascais, nº 241, 2-11-2010, p. 6.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

«A História ensina-nos»

Como professor de História, gostei francamente de ouvir – por diversas vezes até – a frase «a História ensina-nos», na cerimónia oficial comemorativa do centenário da implantação da Republica. Tratou-se, de facto, de uma evocação histórica e alusões várias houve, então, aos erros da I República, erros que – devidamente analisados nas suas causas e consequências – todos se propunham ora evitar. Bons propósitos!
Acontece, porém, que, mui provavelmente, esses discursos foram redigidos por teóricos, gente especializada em parir conteúdos bonitos, ainda que totalmente desgarrados da realidade. Esquece-se, por exemplo, que essa História é feita por pessoas e não por números; que, ao pé dos que manobram números, deve existir quem conheça bem o lado humano dos acontecimentos e das decisões.
Na quinta-feira, dia 21, ouviam-se e viam-se, na televisão, as consequências do estabelecimento de portagens nas SCUTs do Norte do País: o Aeroporto Sá Carneiro deixava de ser o preferido pelos galegos; esses nossos vizinhos já hesitavam em vir até cá dar a escapadela do fim-de-semana; povoações até agora pacatas, gozando de um quotidiano tranquilo, passavam a ser atravessadas por filas de veículos poluidores…
Portanto, o legislador, encerrado na sua torre de marfim, rodeado de peritos assessores, fez as contas: passam tantos agora, eu cobro tanto, encho o bandulho do Estado e… os senhores da Europa, que até afinam pelo mesmo diapasão, engolem os meus argumentos e – pronto! – o défice vai ser menor!...
Nos últimos dias, multiplicaram-se, a todas as horas e em todos os programas, as receitas para nos conseguirmos aguentar. E todas elas iam no sentido de se diminuir o consumo. Muito bem! Mas – para macaco compreender… – diminuindo drasticamente o consumo não diminui drasticamente a receita desse IVA, cujo aumento ora se apresenta como a panaceia de todos os males?
Aumenta o IVA (dizem) de 6 para 23% nos ginásios. Porquê? Andar no ginásio é… luxo? Não é para prevenir doenças, melhorar a nossa prestação quotidiana no trabalho e nas tarefas domésticas?... Aumenta tanto? Faço contas e… deixo de ir.
A estatística ajuda a compreender os fluxos económicos; as lições da História são, porém, lições de… pessoas!

Publicado no Jornal de Cascais, nº 240, 26-10-2010, p. 6.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Três factos, três reflexões

O salvamento dos 33 mineiros soterrados no Chile, numa mina, a 700 metros de profundidade merece, na verdade, muita reflexão e não duvido de que, para além do que já se viu e soube, o tema poderá ser eficazmente aproveitado para dissertações de mestrado e doutoramento em diversos domínios: a Psicologia (individual e colectiva), a Religião, a Terapia Ocupacional… eu sei lá!
Uma vitória da técnica e da tecnologia, sem dúvida; mas, fundamentalmente, uma vitória de 33 homens que, numa situação de bem corajosa luta pela sobrevivência, souberam ser pessoas no verdadeiro sentido da palavra. E, hoje, quando sentimos na pele, a todo o instante, que não somos tratados como pessoas, como seres humanos, mas sim apenas como números para as estatísticas, para essa estupenda invenção que são os rankings (e até se usa um barbarismo para se não perceber o que é…), essa foi a mais extraordinária lição. Poder de organização, sangue-frio, espírito de sacrifício, grande capacidade de entreajuda… constituíram, entre muitos outros, os trunfos de uma operação feliz!
A nível local, dois outros acontecimentos me merecem também comentário.
O primeiro, a realização, em Cascais, de um encontro, promovido pela Associação Portuguesa de Museologia, de pessoas ligadas aos museus das autarquias. Uma reflexão conjunta, uma partilha de experiências, com vista a gizarem-se estratégias duradouras, eficazes. Em tempo de vacas bem magras, regozijámo-nos com iniciativas originais e de bom efeito, realizadas de norte a sul do País – e a Câmara de Cascais, pela boca do seu presidente, que participou na sessão de encerramento, manifestou o seu regozijo não só pelo reconhecimento generalizado do bom trabalho aqui levado a efeito nesse domínio da Museologia, mas também pelas novas perspectivas que se abrem. Aliás, três factos (disse) reputa ímpares no seu mandato: a abertura do hospital e dos três centros de saúde; a possibilidade de salvaguarda e aproveitamento da Cidadela; e a política museológica (sobretudo, a abertura do Museu dos Faróis e da Casa das Histórias de Paula Rego).
Segundo facto: no âmbito das comemorações do centenário da eleição da 1ª Junta de Freguesia civil de Cascais, houve por bem o seu presidente facultar uma visita à obra, em fase de conclusão, da nova creche da Pampilheira. Sita ao pé do Centro de Dia (o tal imprescindível reencontro de gerações…), quando, no extremo sul do bairro, se procedeu à demolição das primeiras casas de vetusto e emblemático Bairro Operário, este equipamento – e o mais que se lhe poderá juntar – redime, de certo modo, o pecado de as entidades públicas cascalenses nunca se terem preocupado em dar seguimento ao que a benemerência do Conde de Monte Real visionariamente sonhara para todo aquele terreno. E uma creche estava também, de facto, nas suas intenções.
Publicado em Jornal de Cascais, nº 239, 19-10-2010, p. 10.

domingo, 17 de outubro de 2010

Um testemunho sobre Aníbal Pinto de Castro

Hesitei em divulgar o meu depoimento sobre o Doutor Aníbal Pinto de Castro.
Primeiro, porque não serei, de forma nenhuma, o colega que melhor acompanhou a sua obra e o seu percurso académico e de cidadão empenhado; depois, porque logo uma rápida pesquisa pela Internet me deu conta de que – atendendo ao que já acontecera – uma nota, por mais despretensiosa que fosse, poderia suscitar comentários de desagrado, porque uma personalidade assim não cabe em meia dúzia de parágrafos, uma obra como os escritos do Doutor Aníbal Pinto de Castro não se pode confinar em escassas páginas, por mais eloquentes que o sejam.
Falou, porém, mais alto o meu dever cívico de colega e de companheiro de algumas das lutas travadas na Faculdade de Letras pela melhoria das condições da vida académica, ainda que nem sempre se lograsse almejar quanto se pretendia.
Do seu currículo e biografia (Cernache, 17-01-1938 / 8-10-2010) há referências múltiplas consultáveis na Internet, nomeadamente na página da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, de que foi director desde 1988 a 2004 – http://www.uc.pt/bguc/DocumentosDiversos/AnibalPindoCASTRO .
É salientado o seu labor docente e, sobretudo, a investigação que levou a cabo sobre Camões. Recorda-se que fundou o Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos, em cuja página – http://www1.ci.uc.pt/ciec/menu.htm – aparece, de imediato, um livro seu, Páginas de um Honesto Estudo Camoniano, 2007. Não li o livro, nem sequer a sua introdução para saber da razão do título; intuo-a, pelo contacto que fui mantendo com o Doutor Aníbal Pinto de Castro, mesmo depois de se haver retirado – algo desgostoso, diga-se – da vida universitária. É que «honesto estudo» remete para o canto X d’Os Lusíadas (estrofe 154), em que Camões escreve:
«Nem me falta na vida honesto estudo
Com longa experiência misturado».
É, aliás, quase no final do poema. E (decerto outros o terão dito já antes de mim e com muito mais saber) logo o título traz a mensagem que porventura Aníbal Pinto de Castro quis deixar: sua vida se pautou por esse «honesto estudo» (e, hoje, esse adjectivo assume, como se sabe, um significado bem preciso e acutilante!...) e a experiência longamente se foi acumulando, de forma a relativizar muitas coisas, a abranger com olhos mais perspicazes vastos horizontes…
Creio ser sempre difícil quantificar uma obra, pese muito embora estejamos a viver o reinado dos números. Escreveu duas centenas de textos? Muito mais de duas centenas? Um dia, alguém, decerto, se dará ao trabalho de fazer essa contabilidade, sem esquecer, porém, que não é tanto a quantidade que conta, o número de páginas, mas a profundidade da análise e a originalidade da perspectiva, mesmo quando transmitida em quatro ou cinco páginas ou na imprensa local e regional.
Além de Camões, fonte inesgotável de inspiração pela sua ampla ligação ao Humanismo, seduziu-o Camilo Castelo Branco, de cuja Casa-Museu era, de resto, o director, fonte inesgotável de inspiração pela sua ampla ligação ao nosso mundo real, ao nosso Portugal profundo. Camões e Camilo a completarem mensagens.
Do seu trabalho como director da Biblioteca Geral fica-nos a ideia de longas horas aí passadas a procurar, abnegadamente, fazer o melhor para que os livros fossem lidos, as preciosidades salvaguardadas e os importantes espólios arrecadados a preceito. Do seu ministério como docente e orientador de pesquisas irão falando os antigos estudantes, os discípulos, os colegas.
Há, no entanto, uma outra vertente em que muito o vimos empenhado: a benemerência. Só quem está por dentro do mundo das Misericórdias sabe o que significa ser provedor; e Aníbal Pinto de Castro exerceu essa missão. Só quem nutre para com a sua cidade entranhado amor se disponibiliza para ser Presidente da Confraria da Rainha Santa Isabel.
Membro efectivo da Academia das Ciências de Lisboa e correspondente da Academia Portuguesa de História, recebeu – para além doutros galardões – o doutoramento honoris causa pela Universidade Católica Portuguesa, em 2007, por ocasião da celebração do 40º aniversário desta instituição. E, após a sua retirada da vida universitária, foi homenageado em Coimbra, a 26 de Novembro de 2005.
De um dos muitos comentários que podem ser consultados na Internet, permita-se-me que recorte o de Maria da Paz, sua antiga aluna, que escreve [http://theosfera.blogs.sapo.pt/386828.html]:
«Com este grande Senhor, foi-se uma parte da juventude dos alunos que foram seus, na velhinha Universidade de Coimbra! Fica-nos a recordação aureolada de saudade, da nossa alegria juvenil, da irreverência e da criatividade, geradoras dos mais descontraídos momentos de hilaridade a que nem os Professores eram poupados. Sem que o imenso respeito que lhes votávamos fosse beliscado! Sem que a admiração que nos mereciam saísse diminuída.
Em alguns contactos que estabeleci com antigas colegas, dando-lhes parte da infausta notícia, recordámos, apesar da mágoa do seu falecimento, alguns episódios hilariantes, passados com este distintíssimo Professor, e que nos fizeram sorrir.
Era Coimbra!
Era outro tempo!
Era outro Mundo!».
Sem dúvida: a Coimbra que fica na memória quando, acabados os cursos, passados os anos, a saudade se mantém e apetece voltar – nem que seja ao Penedo da Saudade para demorar os olhos naquelas lápidas, carcomidas, algumas, pelo musgo acumulado das décadas!... Aníbal Pinto de Castro era dessa Coimbra! Mas, como alguém me sugeriu também:
«O nosso Aníbal era Coimbra, mas era também a Universidade; não a de Coimbra; a Universidade, em sentido geral. Foi para ela que viveu. Sabe-se lá se foi por causa dela que partiu…».

[Divulgado a 15-10-2010, nas listas museum e histport.]

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O Bairro Operário






Apenas aos habitantes mais antigos da freguesia de Cascais identificarão este topónimo, que só existe na tradição popular, transmitida ao longo de décadas. Trata-se do Bairro José Luís, sito na faixa sudeste do Bairro da Pampilheira, inaugurado a 12 de Março de 1933, e assim chamado porque toda a área (2160 m x 100 m) hoje ocupada pela Pampilheira oriental, entre a Ribeira do Cobre e a (então) Estrada da Malveira foi doada, para esse efeito, ao Município cascalense pelo benemérito Conde de Monte Real, que desejou ficasse o nome de seu filho José Luís assim perpetuado.
Escrever hoje, aqui, sobre este bairro tem uma justificação: o primeiro núcleo de três moradias, dos únicos quatro que se conseguiram edificar, acaba de ser demolido na manhã do passado dia 6, porque estavam desocupadas e em degradação. Não se justificava a reabilitação nos mesmos moldes, porque (compreende-se) hoje a filosófica habitacional é diferente; e esta atitude camarária é previsão do que há anos se pensa: à medida que forem morrendo os moradores ou se, antes disso, se gizar para eles uma solução satisfatória que lhes acautele os legítimos direitos adquiridos, as moradias actuais darão lugar a outro empreendimento.
Salvaguardou-se a placa da inauguração, que ficará como memória do que foi um dos mais arrojados projectos urbanísticos da 1ª metade do século XX em Cascais, com vista a proporcionar uma vida saudável e culturalmente activa à população cascalense mais necessitada (os «operários», dizia-se então).
Já tive ocasião (vide o livro Recantos de Cascais, 2007, p. 21-24) de fazer, em traços muito largos, a sua descrição, com base nos documentos da época. Importará, porém, saber que se previra a construção de 238 (!) fogos, moradias unifamiliares dotadas das mais modernas infraestruturas para a época (água corrente, por exemplo), com jardim à frente e horta nas traseiras; uma escola, duas lavandarias, dois parques infantis, edifício de caldeiras, biblioteca e… cooperativa!
Num momento em que – menos de cem anos depois – as escavadoras num ápice reduzira a escombros as primeiras três casas, talvez não fosse despiciendo que o Município programasse uma sessão esclarecedora do passado e do presente, para, como sói dizer-se, termos, também aqui, «um futuro com raízes»!

Publicado no Jornal de Cascais, nº 238, 12-10-2010, p. 6.

Ilustram o texto: uma panorâmica retirada do folheto que, à data da inauguração, foi elaborado e que mostra, ao fundo, o Alto da Pampilheira, com os depósitos de água em destaque; uma foto do 2º renque de casas, ainda habitadas; a foto distribuída pelo Gabinete de Imprensa da Câmara, a mostrar a demolição; e uma outra, ainda que de má qualidade, apenas para assinalar os últimos momentos em que a placa relativa à inauguração esteve no seu lugar.

sábado, 9 de outubro de 2010

Cortiça, a rainha!

Muitas iniciativas têm sido eficazmente levadas a cabo entre nós para que S. Brás continue a figurar na rota da cortiça. Há, de resto, a associação «Rota da Cortiça» – www.rotadacortica.pt/ – que tem como palavra de ordem: «Mais do que um percurso, uma história». E é.
Desde moço pequeno que vivo nessa «rota», porque, além de meu pai ter ido anos a fio, como muitos são-brasenses, para a «esgalha da cortiça», inclusive por esse Alentejo além, a água do cântaro bebia-se no cocharro (sábio aproveitamento dos nós da árvore); o almoço levava-se na tarreta; e até minha avó deixava o grão de molho, de um dia para o outro, num ‘alguidar’ que nada mais era do que um cocharro em ponto grande; no dia seguinte, era também com um pedaço de cortiça (como se fosse pequena tábua à medida da mão) que, sabiamente, tirava as peles do grão, para que a sopa ou o cozido não tivessem desagradáveis asperezas.
Não sei como se chama essa pequena ‘prancha’ nem se tem nome próprio (tê-lo-á, decerto) o alguidar. Daqui fica, pois, o apelo aos membros da Rota: neste âmbito do ‘património do falar’ sobre que me debrucei da última vez, vamos recolher essa terminologia, vamos preparar nova exposição com estes utensílios de ancestral uso quotidiano? Será uma forma de, fazendo um percurso, história fazermos também!

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 141 (Out 2010) p. 10.

Padre Edgar

Faleceu na Casa Salesiana de Manique, a 6 de Agosto, com 77 anos, o padre Edgar Damásio. Do seu passamento só agora tive conhecimento através do Boletim Salesiano.
Permita-se-me que evoque aqui a sua memória, para que fique registada a sua passagem entre nós, não só porque foi professor de muitos dos jovens que, nas décadas de 60 e 70, passaram pela Escola Salesiana do Estoril, mas também – e sobretudo – porque foi «ministro da Palavra» em várias das capelas a que os Salesianos foram dando apoio ao longo destes anos, nomeadamente quando a comunidade do Estoril ainda contava com bastantes sacerdotes disponíveis para celebrarem as missas dominicais pelas circunvizinhas paróquias de Estoril, Cascais e Alcabideche.
Recordo que esteve ligado, durante muitos anos, à capela de S. José da Bicuda, aí granjeando a simpatia dos fiéis. Uma das últimas capelas a que prestou assistência foi a de Santa Iria, em Murches; mas, na verdade, quando aí o vi – talvez há uns quatro anos atrás – já se encontrava bastante debilitado, quer por grandes dificuldades de visão quer por sofrer da doença de Parkinson.
Não era pessoa que procurasse sobressair. Dava serenamente as suas aulas; exerceu, por diversas vezes e com extremo rigor, as funções de administrador da escola; preparava com cuidado as homilias, deixando transparecer, de modo particular, a imagem de quem procura, no dia-a-dia, cumprir a missão que escolheu.
No «In memoriam» que o Padre David Bernardo sobre ele redigiu no citado boletim, transcreve-se da pequena autobiografia que deixou («Uma vida terrena focada sobre a Eternidade») esta passagem elucidativa:
«Aos 28 anos fui ordenado sacerdote, no Estoril, com um fito […] os pobres, sobretudo jovens, com uma meta… anunciar a esperança. Adoptei, como símbolo vivencial, uma vela verde que me tem sempre acompanhado».
Foi sua prioridade «aliviar a dor física e a fome». A dor física teve-a ele próprio nos últimos tempos da sua vida; zelar pelos mais necessitados dentro do espírito do fundador dos Salesianos, S. João Bosco, norteou-o sempre também.
Dele nos fica, pois, para além da saudade, o exemplo. Que descanse em paz!

Publicado no Jornal de Cascais, nº 237, 05-10-2010, p. 4.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

As ruas do Estoril


Nunca será de mais salientar a importância da toponímia, ou seja, dos nomes atribuídos a um lugar, a um arruamento.
De um modo geral, é o povo o gerador desse baptismo, baseado na tradição: ou porque ali se deu um facto que ficou na memória de todos; ou porque ali existia algo de fora do comum e que, por isso, se tornava ponto de referência; ou ali viveu personagem famoso…
Sou visceralmente partidário da manutenção dos nomes que o povo atribuiu; preconizo que, para além do papel (importantíssimo!) das juntas de freguesia, porque são os seus eleitos que mais perto estão da população, deverá existir em cada concelho uma Comissão de Toponímia, porque as propostas hão-de ser analisadas também numa perspectiva geral, para evitar duplicações que geram confusão, nomeadamente a nível da distribuição postal.
E assim quando, mormente na década de 60, novos arruamentos surgiram em Cascais, a Comissão de Toponímia optou – e muito bem! - por agrupar nomenclaturas: este bairro tem nomes de aves, aquele de pintores, aqueloutro de escritores…
Contudo, a homenagem que importa fazer aos que entre nós se distinguiram e cuja memória se quer preservar ‘obriga’ as juntas e a Câmara a um exercício em que se procura não prejudicar muito os moradores, tendo em conta, por exemplo, os registos de propriedade. Desta forma, as rotundas têm sido, nos últimos tempos, os alvos predilectos da nova toponímia, por, de um modo geral, não implicarem outras mudanças.
Manuel Eugénio F. Silva e José Ricardo C. Fialho – na sequência do que já haviam feito para Cascais – acabam de preparar para a Junta de Freguesia do Estoril o livro Toponímia na Freguesia de Estoril – Os Nossos Arruamentos. Uma iniciativa de muito louvar, porque assim cada vizinho acaba por melhor se identificar com o local em que vive: quem foi este personagem, quando se deliberou dar este nome… Bem ilustrado, constitui um repositório do maior interesse – que porventura suscitará, mais tarde, uma outra curiosidade: porque é que, em determinada sessão camarária, se deliberou aceitar a proposta da Junta e dar este nome a esta rua? Terá nesse aspecto papel primordial a consulta dos arquivos camarários e, também, a da imprensa local.

Publicado em Jornal de Cascais, nº 236, 28-09-2010, p. 6.

Rimas pensadas no longo caminho…


Contando mais de oito dezenas de primaveras – não, não podemos dizer que noutra estação da vida se encontre… – João Baptista Coelho perfaz apenas as bodas de prata da sua actividade literária como poeta, pois que por essas veredas lhe apeteceu singrar em 1984, quando se aposentou de secos números e mui fastidiosas contas.
E fala-se de bodas porque de feliz casamento se trata: paixão, enlevo, êxtase, namoro prolongado com a serena Beleza das letras, dos ritmos, do embalar remansoso das rimas pensadas…
Presença obrigatória em tudo quanto é jogo floral, de norte a sul do País, numa investigação aturada que lhe doira os versos e lhes confere o adequado sentido, João Baptista Coelho constitui, pelas centenas de prémios já conquistados, um dos casos sérios do panorama poético português. Não paira, todavia, no mundo dos que, de nome feito, aparecem nos jornais e nas canções televisivas – que nesse mundo, aliás, muita feira de deslumbrantes vaidades também se descobre… Mais recatado, outros horizontes o rodeiam, próximos das gentes, das vidas, da… Vida!
«Havia na terra de Hus um homem chamado Job, íntegro e recto, que temia a Deus e fugia do mal» (Job, 1, 1). Incitado por Satanás, Deus não hesitou em o pôr à prova: dum pedestal de riqueza, criadagem muita, prestígio social relevante, fê-lo descer ao charco enlameado da ignomínia, do pão que se tem de esmolar, da lepra maligna até: «E Job raspava o pus com um caco de telha e assentava-se sobre a cinza» (Job, 2, 8). Exemplar foi num estádio e noutro, provações muitas, palavras insidiosas de amigos e de familiares chegados – e Deus o premiou:
«Depois disto, Job viveu ainda cento e quarenta anos e viu os seus filhos e os filhos dos seus filhos até à quarta geração. Depois morreu velho e cheio de dias» (Job, 42, 16-17).
Muitos jobs se cruzam hoje no nosso caminho, nem sempre, porém, com esse brado de gratidão: «Sei que podes tudo e nada Te é impossível» (Job, 42, 2). Amiúde nós próprios jobs nos sentimos – e difícil nos é imitá-lo.
Job se sentiu João Baptista Coelho e, por isso, em 30+1 sonetos (uma das formas poéticas que mais aprecia e que bem sabe burilar), contou-nos de si, dos seus vagueares, altos e baixos, sonhos, quimeras, oiros, cálices de inebriante medronho, tragos de fel bem amargo… «Uma história igual à de mil outros cidadãos», «de grandes, de pequenos, de meãos». Grão que se torna gente; que teve hora de brincar; que plantou «a velha árvore do pecado»; vagabundo; a dureza do pão-trabalho e a incandescência do pão-amor; a Poesia, «bálsamo na vida tão cinzenta», «oração que me atavia»…
E, decididamente, João Baptista Coelho, viagem feita, jaz escravo ganhador:

… neste cais da fantasia,
atado, mãos e pés, à Poesia,
tão pobre, mas tão rico, como Job.


Nisto se distinguem os Poetas: no olhar perspicaz para a realidade envolvente. Em décimas se passeiam os (ditos) poetas populares (alentejanos e algarvios, sobretudo) pelas terras do nosso País, pela história de reis e de rainhas que aprenderam de cor nos bancos da Instrução Primária – e é um encanto segui-los. João Baptista Coelho optou, aqui, por uma outra viagem, a do seu tempo de Homem, a do nosso tempo de Homens. E, como ele, afinal, todos bem nos sentimos na nossa pele de jobs. Milénios decorridos, o Homem permaneceu igual a si mesmo, em hino magnífico ao privilégio de… estar vivo!
«Depois disto, Job viveu ainda cento e quarenta anos…».

Cascais, 13 de Março de 2010

Prefácio do livro Um Outro Livro de Job (30 Retratos de uma Peregrinação), de João Baptista Coelho, Câmara Municipal de Cascais, 2010, p. 3-5. [ISBN: 978-972-637-236-3].

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Para a história do turismo no Estoril

O lançamento da colecção Patrimónios de Cascais no passado sábado, 25, num emblemático espaço – a Sala de Música do Museu dos Condes de Castro Guimarães – foi pretexto para, de novo, se olhar para a apetência que, ao longo dos milénios, o Homem teve por estas paragens entre a serra e o mar.
Falou-se de património geológico e natural, de património arqueológico, das fortificações marítimas, da arquitectura de veraneio na vila de Cascais e da arquitectura modernista (mormente no Estoril). Exemplos de um passado-memória que importa salvaguardar e divulgar pela investigação e através de iniciativas como esta – que é de muito louvar.
A propósito, permita-se-me que recorde que ocorreram, em 1986, as comemorações dos 75 anos do turismo em Portugal. Entre as diversas iniciativas que proporcionaram registe-se a celebração, na Póvoa do Varzim, de 3 a 7 de Dezembro dessa ano, do III Congresso Nacional de Turismo. Dir-se-á que das suas conclusões consta a primeira grande chamada de atenção para o turismo cultural, que assenta precisamente na valorização do património nas suas mais diversas vertentes. E nessa altura se procurou fazer a história do turismo em cada uma das zonas do País onde essa actividade fora marcante. O Estoril – então ainda Costa do Sol – não podia, pois, deixar de marcar presença, até porque era Secretário de Estado o Doutor Licínio Cunha, que fora presidente da Junta de Turismo local.
Convido-o, pois, leitor amigo, a – se o tema for do seu agrado e interesse – juntar-se a mim na evocação dessa história (que outros, mais tarde, viriam a evocar também). A minha comunicação, «Para uma história do turismo no Estoril», publicada que foi nas actas [III Congresso Nacional de Turismo – Documentos, Porto, 1986, p. 64-73], está disponível no endereço
http://hdl.handle.net/10316/13803

J. d’E.

O tempo e as pressas

Riqueza única, o tempo!
Procura-se aproveitá-lo o melhor possível, não o deixar exaurir-se por entre os dedos; importará, porém, não ter uma preocupação excessiva, uma ansiedade que te leva a não se aproveitarem as oportunidades.
Estás com uma pessoa amiga do peito que já não vês há muito tempo; passas pela estação e vês que o teu comboio parte daqui a sete minutos; mas não sabes a que horas parte o barco do teu amigo. Porquê tanta pressa em o largares, só para não perderes esse comboio? E se o levares calmamente ao barco e só depois vieres para o comboio, o que for? Deixando o teu amigo só por causa de um quarto de hora, perdeste uma oportunidade de… estar com ele mais um bocadinho. E quando é essa oportunidade surgirá de novo?
Pediu-me a Joaquina que a acompanhasse na visita aos museus locais, numa altura, das raríssimas que tem, de ‘descer’ das Beiras até Cascais. Acedi com todo o gosto, porque há séculos que estamos para nos encontrar e é só, de quando em vez, uma troca de mensagens por correio electrónico ou um telefonema apressado. Havia para essa tarde apenas um compromisso: o de ir buscar a neta à escola a determinada hora. Fui buscar a neta e…deixei a minha amiga, que acabou sozinha as visitas!… À noite, dei comigo, no exame de consciência diário antes de adormecer, a perguntar-me: «Porquê?». É que, na verdade, a Joaquina poderia ter ido buscar a neta comigo e, compromisso satisfeito, voltava-se às visitas! Nada mais natural – que um dia não são dias!... E quando voltará a Joaquina a ter a oportunidade de estar comigo?
Recordo amiúde – e creio que já o escrevi outra vez – aquele anúncio de um uísque, em página inteira de revista de uma companhia aérea. Rezava mais ou menos assim.
«Todos os dias, milhões de pessoas se levantam dos seus lugares antes de os motores do avião pararem. Para quê tanta pressa? Uísque W… para saborear sem pressas!»
Publicidade certeira; magnífica, a mensagem que encerra!

Publicado em Jornal de Cascais, nº 235, 21-09-2010, p. 6.

Comunicação de proximidade

Nos tempos que correm, cinco anos de vida dum jornal local correspondem quase a ter atingido a maioridade.
Louve-se, pois, a equipa que, semanalmente, tem produzido Jornal de Cascais, formulando-se votos para que prossiga e, se possível, estude a possibilidade de chegar mais facilmente aos residentes em Cascais.
Aplauda-se simultaneamente quem compreendeu – em relação a este semanário – o valor da comunicação de proximidade e o real interesse cívico, social, cultural e, até, político, de haver elos de ligação a cimentar comunidade. Entidades públicas (como a Câmara, as juntas de freguesia e o organismo que veio substituir a Junta de Turismo…) e privadas (como as colectividades, as empresas e até as pessoas singulares) precisam de ver na Comunicação Social local o veículo privilegiado que se faz eco das suas actividades, da sua existência. E deve merecer-lhes, por isso, o que poderíamos apelidar de “carinho”, manifestado, por exemplo, na concessão de publicidade.
No ano em que o nosso prezado colega local Jornal da Costa do Sol, de 46 anos de ininterrupta existência, teve de suspender a publicação, por manifesta e deliberada falta de apoios; numa altura em que a comunicação social falada (explicite-se: Rádio Clube de Cascais), também por manifesta e deliberada falta de apoios, já não é a referência de proximidade que foi durante quase duas décadas; num período em que a Câmara, as empresas municipais, as próprias juntas de freguesia acabam por despender verbas significativas em variadíssimas publicações que bem poderiam ser veiculadas pelos órgãos de comunicação locais, neles integradas de forma equitativa e sem obediências partidárias… estas reflexões assumem, a meu ver, queira-se ou não, inteira pertinência.
Uma Comunicação Social independente – do ponto de vista religioso e político – constitui, sem dúvida, um dos mais eficazes garantes da Democracia como eu a entendo, ou seja, a expressão livre de opiniões, sugestões, críticas…
Não interessa apenas ter iniciativas, por mais válidas que elas sejam: importante é que se saiba que elas vão realizar-se e, depois, como é que tudo aconteceu. O êxito depende da informação – e essa consciência, parece, só em tempos eleitorais se manifesta. Tristes e bem graves sinais!

Publicado em Jornal de Cascais, nº 234, 14-09-2010, p. 6.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Gestões... indigestas

No discurso que proferiu, em Setembro de 2004, no Colóquio “Reforma e Regulação da Saúde”, organizado pelo Centro de Estudos de Direito Público e Regulação, o Reitor da Universidade de Coimbra censurou o Governo por, solícito nos constantes cortes orçamentais às universidades, fazer vista grossa aos empreendimentos públicos como a Ponte Rainha Santa (então em grande derrapagem financeira), onde muitos milhões se consumiram a mais do que o orçamento cabimentado, sem que nada acontecesse aos prevaricadores:
«Se o valor da adjudicação inicial da Ponte Europa (agora Rainha Santa), em Coimbra, não tivesse sido ultrapassado, ter-se-iam libertado recursos que permitiriam cabimentar, de uma só vez, todas as intervenções ainda não iniciadas em edifícios escolares nos Pólos I, II e III de Desenvolvimento da Universidade de Coimbra que, ao ritmo actual de investimento, se prevê apenas ser possível concretizar em cerca de 10 a 15 anos.»
A mesma pergunta assola necessariamente centenas de cascalenses que passam todos os dias junto ao Amarelão:
– Como é possível estar esta obra parada, a degradar-se, há tantos anos, quando a esquadra do centro da vila já não tem dignidade alguma nem condições? Será Cascais um sítio amaldiçoado pelo Governo? Não haverá meio de chamar à pedra os responsáveis, não para que sejam presentes a tribunal (já se sabe que não vale a pena) mas para serem expostos à pública ignomínia? Sim: reerguia-se o pelourinho e atavam-se lá, de tanga e olhos vendados, e o pessoal passava e lançava-lhes adequados impropérios!... Abençoada Idade Média, que, nesse aspecto, tanta falta ora nos fazes!...
Não haverá aí quem faça contas, a demonstrar por a+b que o sempre adiado acabamento da super-esquadra no Alto da Pampilheira, é… uma vergonha? E, claro, o exemplo super-evidente da má gestão que fazem aqueles que só aprenderam contas de subtrair (aos cidadãos, por meio de impostos…)?
E gostava de ver divulgado o protesto geral, de todas as forças partidárias do concelho! Repetidamente. Repetidamente! Até os envergonhar mesmo a sério (se é que essa possibilidade ainda existe…).

Publicado em Jornal de Cascais, nº 233, 07-09-2010, p. 4.

Aldrabices...

Elas vêm donde menos se espera e sob os mais variados pretextos.
– O senhor do Porto que necessita urgente, há mais de cinco anos, de sangue do tipo B negativo;
– A menina desaparecida, sempre a mesma, Maria Cecília, que vai sendo apresentada como conhecida deste e daquela (conforme a proveniência da mensagem) e o número de telefone de contacto – (21)7826-9408 – é… donde?
No mês de Julho, pasmei: «Fulano vai ser jogador do… por quatro anos!»; «Cicrano treinará a equipa nas próximas três épocas». Que quatro anos? Que três épocas? A afirmação é categórica, sem dúvida, mas toda a gente sabe que, na primeira oportunidade, ao primeiro isco apetecível… o peixe morde, o dono do peixe tem enorme ataque de amnésia e… quais quatro anos nem meios quatro anos!...
Recebera, há já algum tempo, esta mensagem:
«Gabriel García Márquez se ha retirado de la vida publica por razones de salud: cáncer linfático. Ahora, parece, que es cada vez más grave. Ha enviado una carta de despedida a sus amigos, y gracias a Internet está siendo difundida».
E a mensagem começa assim:
“Si por un instante Dios se olvidara de que soy una marioneta de trapo y me regalara un trozo de vida, aprovecharía ese tiempo lo más que pudiera”.
E continua com frases bem bonitas, sábias lições de vida.
Ocorreu-me esse ‘testamento’ por ocasião do passamento de António Feio; também ele nos deixara um «testamento» e, como não encontrei de imediato o de García Márquez no computador, recorri a um motor de busca e… qual não foi o meu espanto quando deparo com esta informação: -:
«Desde 1999, circula pela Internet um poema atribuído ao escritor colombiano Gabriel García Márquez ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1982. O poema é intitulado La Marioneta ou "A despedida de Gabriel García Márquez" e é apócrifo». http://www.quatrocantos.com/LENDAS/31_marioneta.htm
O próprio escritor (assevera-se) o garantiu e, na Internet, há muitos depoimentos já a esse respeito, o que não impede de esse «testamento» continuar a circular como verdadeiro.
«E así se hacen las cosas», sói, pois, dizer-se, desde os tempos do Sr. Gil Vicente, há quinhentos anos atrás!

Publicado em Jornal de Cascais, nº 232, 31-06-2010, p. 4.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Património do falar

Ainda que não isento de polémica, pelo que me constou, eventual cópia (disse-se) de algo já feito, temos, com assinatura de Eduardo Brazão Gonçalves, o Dicionário do Falar Algarvio.
Uma iniciativa de fixar o que o povo usa no seu quotidiano e que constitui, por isso, património a não perder. E a palavra «património» assume aqui o seu real significado como algo de típico a transmitir de pais para filhos.
Bichoco, por exemplo, era palavra que eu ouvia amiúde, com um significado preciso: não era a simples ferida provocada por esfoladela ou arranhão; o bichoco era algo que viera de dentro, uma chaga a criar pus, a denunciar mal interior, difícil de sarar e de origem estranha, desconfiava-se que maligna.
E «chaga sem mezinha»? Uma pessoa incorrigível, incómoda, incurável, por mais conversa e conselhos que houvesse. Não tinha remédio. Não havia mezinha que lhe valesse!
Neste âmbito das dores e das mezinhas, dizia-se: «Ó homem, espera aí, não corras, que isto não é sangria desatada!»…

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 139/140 (Ago/Set 2010) p. 10.

António Feio - as lições


Todos víramos logo em Março – e ora revimos – a sua tocante mensagem, a propósito do filme Contraluz: saboreiem a vida, agarrem com ambas as mãos todos os momentos.
Esse, o testemunho a guardar; essa, a primeira enorme lição de António Feio, oportunamente salientada por Carlos Avilez (por exemplo), que no Teatro Experimental de Cascais lhe acompanhou os primeiros passos. A vontade de sermos nós os donos da nossa própria vida, mau grado as naturais adversidades!...
Tive maior relacionamento com o António devido às iniciativas de seu irmão Carlos, em Carcavelos, a que sempre se associou:
– o lançamento, a 20 de Outubro de 2007, do livro Podiamsermais, editado pela Associação Cultural de Cascais, com a colaboração plena da Junta de Freguesia («todas as noites / quero remendar a minha vida»…);
– a inauguração, a 28 de Março, p. p., de uma exposição colectiva de pintura e escultura, na Sociedade Recreativa Musical. Dei-lhe, então, aquele abraço emocionado, agradecido.
E aqui senti, mais uma vez, a segunda lição: a importância real de uma família que se entreajuda, que se ama, que… está lá! E que, como sabemos, esteve lá, no momento da partida – num «até sempre!» em que, afinal (vimo-lo nas emocionantes emissões televisivas de sexta, dia 30), todos nos sentimos irmanados…
Fez-nos rir o António. Fez-nos olhar para a vida, para as asneiras, para as malandragens, para os outros… com bonomia e benevolência – que é demasiadamente curta a nossa passagem por aqui!...
Bem hajas, Amigo!
A luta terminou; o teu exemplo, esse, permanecerá!
Descansa em paz!

Nota: Foto de 28-02-2010, gentilmente cedida por Carlos Feio, que nela se vê com o irmão António.

Publicado no Jornal de Cascais, nº 231, 03-06-2010, p. 6.

Atitudes (in)compreensíveis

Não, não vou bater mais no ceguinho. Estamos todos plenamente convencidos de que:
- os ricos não pagam a crise;
- as mordomias dos senhores políticos (governamentais) se mantêm e se acrescentam até;
- as inconcebíveis alcavalas da factura da electricidade não sofrem generalizada contestação (não surgiu nenhum petição ainda!...);
- as verbas do Jogo da Costa do Estoril não só são cada vez menores como haverá um senhor de Lisboa a dizer «Não dou!»;
- foi jogada política sem sentido (está bem, teve sentido político!...) a inopinada extinção da Junta de Turismo da Costa do Estoril…
Portanto, tudo isso é… compreensível. Quero, pois, referir-me a um assunto que não compreendo.
Prende-se com o calor anormal, o buraco do ozono, a excessiva densidade de raios ultravioletas da luz solar… Derivam, diz-se, do exagerado consumo de energia, mormente dos veículos automóveis. Proclamam-se cândidas intenções políticas; mas… é ver – e não apenas em horas de ponta – a fila imensa que se forma à saída da A5. Não vislumbrei, nos programas eleitorais, intenção de desbloquear a situação – que aquela saída, assim, é provisória, é perigosa e constitui vergonha. Nada se disse, Nada se diz. Ou melhor, aqueles que nós reputamos responsáveis nada dizem. Se estão a mexer no assunto, fazem-no pela calada, não vá levantar-se a lebre!
E, ao calor, o Povo padece, padece, padece!...
Bem se advoga que queremos os políticos na rua, a beber um copo co’a gente, para sentirem o pulso da vida verdadeira, a dos trabalhadores, de todos os dias. Saiam, amigos, saiam! Vão ver como se sentirão mais felizes!

Publicado no Jornal de Cascais, nº 230, 27-07-2010, p. 4.

A gurita


Para nós, os que, nos anos 50, brincávamos por esses matos da freguesia de Cascais, atrás de rebanhos ou simplesmente a armar aos pássaros nos carrascais e nos troviscos, a «gurita» era, simplesmente, o marco geodésico (para nós, imponente, porque éramos catraios…) plantado no topo do Mato Romão. Na verdade, outros marcos geodésicos haverá na freguesia, mas, para nós, aquele era o único. Aliás, nessa zona então inóspita, reino da passarada e dos coelhos, zona obrigatória de passagem dos tordos pelo Outono, se prantavam os alvos preferenciais dos exercícios da artilharia antiaérea e de costa, com aquele canhão de Alcabideche a fazer estremecer tudo e os aviões a descarregarem granadas (que nem sei se era assim que se chamavam…).
Por tudo isso, não quis deixar de ir à inauguração da nova exposição do Forte de São Jorge de Oitavos, que aconteceu ao final da tarde do passado dia 15. Complementa-a – e muito bem! – o livro (em quatro línguas!) Guaritas – Arte e Engenho, então apresentado, da autoria de Augusto Moutinho Borges (texto e fotografias) e Marín García (desenhos a lápis).
Constitui a guarita, como se sabe, aquele casinhoto com frestas, que se diria pendurado aos cantos das fortificações, resguardo e confidente de sentinelas, nas longas horas de vigília, a proteger (sempre pouco!...) do sol, dos ventos, das friagens… Mas, se calhar, passamos por ela e nem sequer lhe damos a importância que realmente detém, não só do ponto de vista militar (fundamental!), mas também como obra de engenharia. Que não são todas iguais. Bem significativas, por exemplo, as da Torre de Belém, de cúpula em gomos de laranja, a imitar o topo do minarete da Koutoubia de Marraquexe, que depois seria também imitado na «Giralda» de Sevilha e nos torreões da Quinta da Bacalhoa (em Azeitão).
Útil e excelentemente apresentado, o livro, a que tanto as fotos como os desenhos emprestam especial sabor. Bem agradável de ver-se a exposição, que veio (felizmente!) substituir a que ali se apresentava e que, a meu ver (e sei que a equipa do Departamento de Cultura da Câmara partilha da mesma opinião), era densa de mais, pejada de longos textos em letra miudinha, que ninguém tinha pachorra para ler. Esta, ao invés, designadamente na sua última parte, é aliciante de singeleza, convida-nos à admiração, a quedarmo-nos, em silêncio, diante daquela construção minúscula, a que, se calhar, ainda não déramos a devida atenção. E imaginamos o vendaval a uivar, o soldado mal aninhado no capote, numa luta contra o sono e a fadiga, a perscrutar horizontes e a sonhar com o conforto de uma lareira, onde pudesse trincar mesmo que fosse côdea rija e um naco de toicinho, regado pelo carrascão… Sempre lhe aconchegaria o estômago!

Publicado no Jornal de Cascais, nº 229, 20-07-2010, p. 6.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Transportes públicos

Num tempo em que se deita miúda conta ao porta-moedas e, por outro lado, se está consciente da necessidade de diminuir efeitos poluidores, a preferência pela utilização dos transportes públicos apresenta-se cada vez mais premente no nosso quotidiano.
Preconiza-se, por isso, que os concessionários, em íntima colaboração com quem concessiona, saibam ter em conta, aquando da concessão, o real interesse da população e a característica de ‘serviço público’ que esses transportes inevitavelmente detêm.
Em Cascais, no tempo da «Palhinha» (a que ora sucedeu a Scotturb, depois de ter passado por outras concessionárias), havia o cuidado de se afirmar, por exemplo, que os horários eram feitos em consonância com os horários dos comboios – o que ora nem sempre acontece. Além disso, pensa-se que tanto o Município como a empresa vão tendo o cuidado de periodicamente auscultar a população, a fim de melhor a servirem, com o estabelecimento de novas carreiras e supressão das que não interessam, com a adequação de horários. Nada mais errado, pelos vistos!
O caso veio a lume nas reuniões camarárias de 22 de Fevereiro e 8 de Março, por causa de ser pago o estacionamento no novo hospital de Cascais, o que postularia – naturalmente – esse acerto. Isto solicitou a senhora vereadora Leonor Coutinho e a resposta foi (pasme-se!) que o contrato de concessão não podia ser alterado, só quando terminasse o actual, e que a Câmara até nem é havida nem achada nessas negociações!... E o povo vulgar pergunta: «Como é? O IRS pode alterar-se de um dia para o outro e isto não?». Pois que é assim. De tal modo que, em jeito de conclusão, o senhor vice-presidente desabafou, na reunião do dia 8, a propósito de uma possível intervenção camarária:
«[…] Faz todo o sentido que se tenha essa intervenção, já que este concessionário, de facto, não se mostra muito sensível a querer ter uma boa relação com a própria Câmara, certamente porque sente que a capacidade de influência e de intervenção do Município no processo de concessão é nula».
E tem isto alguma razão de ser? Não há aí quem barafuste?

Publicado em Jornal de Cascais, nº 228, 13-07-2010, p. 6.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Ser docente universitário a custo zero!

Com data de hoje, 13 de Julho de 2010, enviou o Sindicato Nacional do Ensino Superior uma nota em que começa por afirmar:
«O SNESup teve conhecimento de que foi descoberta uma nova figura para resolver alguns dos problemas de excesso de serviço docente: O DOCENTE VOLUNTÁRIO, nas vertentes de Professor Auxiliar Voluntário e Assistente Voluntário.
«Esta inovação não é mais do que uma forma de contratar pessoas a custo zero dando-lhes como contrapartida a falsa ideia de que certificarão a sua prestação de serviço docente que realiza de forma voluntária e gratuita (espécie de estágio não remunerado) para incluir no CV, tal como já tem sido tentado por alguns gestores mais afoitos com a desculpa de que só assim conseguiam assegurar o serviço docente. O SNESup não tem ficado calado e em vários momentos se tem insurgido contra estas situações de trabalho não remunerado no Ensino Superior.»

Óptimo! E que todos se mexam contra tal aleivosia!
Ao jeito que emprestava à coluna POIS que mantive, durante anos, primeiro no Jornal de Coimbra e, depois, no jornal Centro, por amável deferência de Jorge Castilho, escrevi sobre esse mesmo assunto o seguinte (já lá vão quase dois anos!):

POIS
Português é assim mesmo. Como o brasileiro que “criámos”. Sabe sempre dar a volta por cima!
Não dá o Governo verbas para contratar docentes em substituição dos muitos que optaram pela aposentação ou mesmo dos que se jubilaram? Que problema há nisso? Nenhum! Não há por i tanta gente desejosa de ser docente universitário e que até paga por isso? Vamos nessa: contratamos a custo zero! Você quer? Compreende: ganha currículo e sempre tem a possibilidade de invocar a qualidade de "professor universitário", está a ver?

Publicado no jornal Centro [Coimbra], ano II, nº 62, 19-11-2008, p. 13.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Besoirar…

Nem sempre nos consciencializamos que um dos patrimónios mais importantes que temos é o tempo. Do seu aproveitamento e boa organização diária depende, na prática, toda a nossa vida e a serenidade que importa manter.
O falar quotidiano típico das nossas gentes é outro património a valorizar e, por isso, o vocábulo ‘besoirar’ me ocorreu a esse propósito. Era palavra que meu pai empregava amiúde, não exactamente no sentido que aparece no Dicionário do Falar Algarvio – incomodar com barulho, com palavras monótonas, como o besoiro que anda à nossa volta e não nos larga, zum… zum… – mas para caracterizar a atitude de quem faz agora isto e ainda não acabou e vai fazer aquilo e depois se lembra de mais uma coisa e outra de seguida e… nunca mais se despacha!...
Como o dia daquele senhor, já passada a meia idade, que pegava nas chaves do carro para as arrumar e, de caminho, via uma carta e se ‘passeava’ assim, de tarefa em tarefa, o dia todo… e, no final da tarde, as chaves do carro continuavam fora do sítio! Relevante sinal de alerta para a nossa capacidade de concentração, de consciente aproveitamento do tempo – na opção, a cada momento, pela prioridade a gerir…
Anda o besoiro dum lado para o outro, zumbindo, num espalhafato, sem rumo, poisando aqui e acolá… E a gente acaba por não saber o que é que ele, na verdade, quer!...
Ora bolas! Será que, afinal de contas, este «A retalho», hoje, virou… parábola?

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 138 (Julho 2010) p. 10.

Folhas volantes… precisam-se!

É perfeitamente compreensível que um dos mais prestigiados clubes de futebol se chame A. C. Milan, Associazione Calcio Milan, porque foi fundado, em 1899, por ingleses; e que o Benfica, fundado em 1904, se chame Sport Lisboa e Benfica, assim como o Sporting tenha a designação de Sporting Clube de Portugal (hoje já com o ‘e’ final em clube). Ainda em pequeninos, nós gritávamos «corner!» para dizer «canto» e hoje ainda ouvimos penálti, em vez de «grande penalidade».
Como se sabe, essa modalidade desportiva foi inventada por ingleses e, aliás, Cascais teve até papel preponderante na sua introdução em Portugal, como ficou cabalmente demonstrado pela exposição «Aqui nasceu o futebol em Portugal (1888-1928)», realizada no Centro Cultural de Cascais de 27 de Maio a 5 de Outubro de 2004.
Custa-me, porém, admitir que mesmo universidades e instituições públicas portuguesas hajam, agoira, alinhado pelo uso sistemático de vocábulos ingleses, inclusive em produções destinadas prioritariamente a leitores de língua portuguesa, quando a nossa língua, além de estar entre as dez mais faladas do mundo, detém uma riqueza vocabular ímpar, e quando, oficialmente, se está sempre a dizer que devemos preservar o nosso património. Ora, sendo a língua o nosso património maior, por que carga de água se multiplicam hoje, como cogumelos, as newsletters, os fliers, os banners?... A Universidade de Coimbra (imaginem!) divulga, pela Internet, um boletim informativo mensal que chama de «Newsletter UC»! Cada vez mais os museus portugueses têm uma… newsletter! Ainda outro dia recebi o «Banner de Divulgação das Férias de Verão no Museu de Portimão»! Era… um cartaz! Eu, se mandasse na Rede Portuguesa de Museus, exigia que, para pertencer à Rede, o museu não dobrasse o jugo à tirania do inglês!...
E, aqui para nós, «folha volante» não tem mais tipicismo que isso de… ‘flyer’?
Que as senhoras ministras da Educação (agora até temos uma que é escritora) e da Cultura olhem para isto, olhem por isto e… ordenem urgente extradição de banners, newsletters e quejandos barbarismos dos seus próprios ministérios. Assim darão o exemplo!
Publicado no Jornal de Cascais, nº 227, 06-07-2010, p. 6.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Sacar, sacar… ensacar!

Depois de, durante anos a fio, os prémios maiores dos concursos serem sempre automóveis e ter automóvel ser, por isso, a ambição maior de cada cidadão desde a juventude, hoje esse bicho é dos que mais rendimento dão ao Estado e seus parceiros na lide do sacar, sacar e… ensacar! E até com a desgraça se saca.
O facto de o novo hospital de Cascais ter estacionamento automóvel pago foi alvo de contestação por parte da CDU no próprio dia da inauguração e o assunto debatera-se na reunião camarária de 22 de Fevereiro (sigo a minuta da respectiva acta), tendo a senhora vereadora do partido do Governo afirmado que «de facto parece ser indispensável haver uma bolsa de tempo de estacionamento não pago, para aqueles que vão levar doentes de urgência por exemplo […]. Daí lhe parecer ser necessário – e já falou, aliás, com a administração do Hospital – que seja negociado com a empresa detentora do parque de estacionamento para que haja, pelo menos, meia hora de estacionamento não pago, no início, para garantir a fluidez do trânsito».
Respondendo, o Sr. Presidente da autarquia fez questão de frisar que «nenhum estabelecimento de saúde público na Área Metropolitana de Lisboa tem estacionamento gratuito; ou seja, ou não tem estacionamento ou tem estacionamento pago, à excepção do Hospital Amadora-Sintra, que também é um contrato de concessão, mas aí o Estado previu o estacionamento gratuito, mas em Cascais previu o estacionamento pago. Portanto, quando os privados subscrevem com o Estado um contrato que prevê um estacionamento pago, não se pense agora que, sem qualquer contrapartida, os HPP vão autorizar meia hora de estacionamento gratuito, a não ser que o Estado os compense desse ónus. Pessoalmente, até está de acordo com a ideia da existência de meia hora ou mesmo uma hora gratuita, ou pelo menos a uma taxa reduzida e está pronto a aceitar essa situação, se for essa a vontade dos HPP e do Governo. Mas para isso é preciso que quem negoceia estas coisas tenha isso em consideração, porque depois é mais complexo resolver essas situações».
Está certo. Negociou-se. Negociaram. Alguém negociou. Foi… um negócio!

Publicado no Jornal de Cascais [Cascais], nº 226, 29-06-2010, p. 6.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Monstro… e companhia


Solicitou-me Luís Ribeiro, jornalista da revista Visão, que lhe desse a minha opinião acerca de Estoril Sol Residence, para incluir no texto que viria a ser publicado no nº 901, de 10-06-2010, dessa revista, sob o título «Monstro e… companhia».
Do meu testemunho, transcreveu a seguinte passagem, inserida na p. 111, ao lado da de Marcelo Rebelo de Sousa, Vasco Graça Moura e Eugénio Sequeira:

«Tal como sempre achei desenquadrado da paisagem o Hotel Estoril- Sol, assim considero que esta obra é um excelente exercício arquitectónico para ser feito… na savana, para repouso no intervalo de um safari!... Diz-se que os espaços deixados entre os paralelepípedos e que vão ser preenchidos por árvores emprestarão leveza ao conjunto; mas, havendo ao lado um hotel, cujo arquitecto soube adaptar a traça ao declive do terreno, estranha-se que a mesma concepção arquitectónica não tenha sido seguida ali. O caso, porém, é que, assim, o Senhor Arquitecto não seria... original!
Esta discussão, aliás, de nada serve agora, porque a obra está feita. E vai ser nova atracção turística cascalense – infelizmente, pela imagem negativa que oferece. Sentimo-lo todos os dias, quando nos passeamos no paredão e vemos os turistas a fotografar e... a abanar a cabeça!»

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Dois vultos, duas memórias

Na assembleia geral da Misericórdia de Cascais, foi votado, no dia 27 de Maio, um voto de pesar pelo falecimento de Inácia França Félix, irmã da Santa Casa. Foi só aí que soube do infausto desaparecimento e elevei uma prece pelo seu eterno descanso. Soube depois que o Senhor Presidente da Câmara mandara distribuir pela Comunicação Social, a 30 de Abril, data do funeral da munícipe, uma mensagem – que, ao que parece, não terá sido publicada – onde, nomeadamente, referiu que Inácia França Félix «deixa na Vila de Cascais uma imensa saudade, sobretudo pela sua presença afável e simpatia irradiante», acrescentando:
«Há muito que nos havíamos habituado às suas oportunas intervenções em praticamente todas as reuniões públicas da Câmara Municipal, pugnando invariavelmente pela melhoria das condições de vida dos munícipes e da qualidade do espaço público. Foi uma verdadeira porta-voz do Povo da Vila de Cascais. A sua acção foi, aliás, reconhecida em 1997 pela Câmara Municipal de Cascais com a atribuição da Medalha Municipal de Mérito e Dedicação. A sua memória será também recordada no futuro com a atribuição do seu nome a uma rua da Vila.»
Aliás, idêntica atitude teve na sessão camarária de 3 de Maio, em que foi por unanimidade formulado um voto de pesar, com intervenções concordes de seis vereadores.
No dia 7, após a sessão de entrega de medalhas de mérito, perguntei a Toni Muchaxo pelo comum Amigo João Soares, do Hotel Baía (nestas ocasiões, sentimo-nos ‘mais Cascais’ e damos mais pela falta deste ou daquele, membros activos da nossa comunidade…). «Já partiu!», respondeu-me. Também de nada soubera. Vi agora na Internet a comunicação da ADHP – Associação dos Directores de Hotéis de Portugal, datada de 10 de Fevereiro, dia do seu passamento.
Nada vi escrito nos jornais locais (aqueles a que vou tendo acesso, mormente quando me desloco a sítios públicos da vila…). Certamente o funeral foi sentida manifestação da tristeza que todos sentimos pela perda de mais um homem bom da vila. Que também ele descanse em paz!
Mas estes dois casos fazem-me perguntar: será que as entidades que nos regem ainda não repararam no vazio que se está a criar com a falta de informação que rapidamente circule e ajude a cimentar a indispensável comunidade?

Post-scriptum: Já foi substituída a placa informativa do Parque Natural Sintra-Cascais, que se encontrava partida junto à Boca do Inferno e a que nos referimos a 23 de Março e 25 de Maio.

Publicado no "Jornal de Cascais" nº 224, 15-06-2010, p. 6.

«O Estado não é pessoa de bem!»

A frase foi repetida, mais uma vez – ela é tão conhecida que corre, infelizmente, o risco de não se lhe ligar a importância que tem – na última assembleia-geral da Misericórdia de Cascais, por um dos irmãos, em jeito de comentário ao facto de a Mesa Administrativa ter decidido denunciar o acordo que celebrara com o Estado no que concerne a prestação de Cuidados Continuados na Residência Sénior, em Alcoitão.
Celebração com pompa e circunstância e presenças amáveis de responsáveis de Lisboa, justamente por ser essa uma das valências mais carenciadas no País e, sempre que uma se inaugura, soam trombetas e proclama-se generosidade governamental, a sua atenção solícita aos idosos e doentes mais necessitados. A Santa Casa acreditou e… viu-se a braços com o avolumar de dívidas, porque o apoio contratado vinha tarde e a más horas ou… ainda estava para vir! Só em fraldas já eram uns milhares!...
O assunto fora, aliás, tema de debate na reunião camarária do dia 22 de Fevereiro, curiosamente por iniciativa da vereadora do partido do Governo: importaria dar a oportunidade, disse, «de se completar este Hospital [o novo, a inaugurar no dia seguinte] com hospitais de retaguarda ou hospitais de cuidados continuados», «em particular as instalações do ex-Hospital Ortopédico José d'Almeida, que vão ficar disponíveis» assim como as do ‘velho’ hospital.
Em resposta, o Sr. Presidente retorquiu «que a opção do Governo foi o de não aproveitar as instalações sobrantes do Centro Hospitalar de Cascais para esse efeito e sim estabelecer contratos com instituições particulares de solidariedade social, no sentido de, em pequenas unidades, alojar as pessoas para estes cuidados continuados». «Por outro lado», continuou, «o acordo feito com a Santa Casa da Misericórdia de Cascais está em perigo, pelo simples facto de que a Câmara de Cascais subsidia fortemente o funcionamento do Lar de Alcoitão, evidentemente para facilitar que munícipes do Concelho possam utilizar aquelas instalações. Mas entretanto a Misericórdia, com a concordância da Câmara, celebrou um acordo com o Estado para um conjunto não despiciendo de camas para cuidados continuados e o que se constata agora é que […] muito provavelmente nos próximos dias a Santa Casa da Misericórdia vai acabar com o acordo porque, em primeiro lugar, o Estado não lhe paga desde que aquilo abriu e, em segundo lugar, constata-se que doentes oriundos de Cascais é raro irem para lá e isto sucede porque a gestão não está entregue às autoridades de saúde do Concelho de Cascais».

Publicado no Jornal de Cascais, nº 225, 22-06-2010, p. 6.

domingo, 13 de junho de 2010

«Deserto, deserto»


Terminou no domingo, 30, com a presença do autor do texto, o francês Jean-Pierre Renault, a apresentação, pelo Teatro Experimental de Cascais, da peça «Deserto, Deserto». Gostaria, naturalmente, de a ela ter aludido durante o tempo em que esteve em cena, pois, assim, poderia animar o leitor a não perder mais esta oportunidade de ver como Carlos Avilez, depois de longa maturação – «Durante anos esperei para concretizar este projecto considerado irrepresentável pelo autor» –, mais uma vez nos surpreende: na concepção das personagens e, sobretudo, no ambiente, um verdadeiro areal (é deserto!...), em que as faz movimentar.
Miguel Graça, no programa, interroga-se sobre se estaremos em presença de uma comédia ou, de preferência, de uma «tragédia cómica». Na verdade, o que ali se revive, em magistrais interpretações, pela boca de seis actores cómicos redivivos – Totó (António Marques), Pamplinas (Sérgio Silva), Harpo Marx (Paulo B.), Jacques Tati (Luiz Rizo), Karl Valentin (Santos Manuel), Lies Karstadt [«Liza»] (Anna Paula) –, são as suas angústias, os momentos de glória, recordações… Como se, mortos há muito, lhes apetecesse continuar entre os vivos…
E o deserto presta-se para isso, porque, como se sabe, quando a noite cai, há animais que saem das tocas e dão acordo de si, mostrando que, afinal, deserto não é morte eterna, não! Há, ali, uma vida subjacente – e os actores metem-se em tocas e de lá nos falam, como se em sepulturas estivessem. E até, depois, aparece um menino (Diogo Carmona), que os ouve, numa admiração, sem saber exactamente quem são as personagens estranhas, que nem falam com lógica – porque, se calhar, acabaram por verificar que não há lógica possível numa existência como foi a deles, como o é a nossa…
E aos dias sucedem-se as noites. Sete, ao todo – como os dias da criação do mundo (diz-se!...). Quando a cortina corre, vêm as desejadas palmas, sim, mas cada um de nós leva para casa essa imagem de alguéns que foram e já não são. Ou será que continuam a ser? E essa é uma representação fictícia ou um retrato verdadeiro dos actores que todos somos no palco da vida?
Gostaríamos de conhecer mais, de poder pensar melhor. No programa vem a vida atribulada de cada um dos seis actores. Todos da 1ª metade do século XX. E ficamos a saber que Jean-Pierre Renault escreveu a peça «em 1988 na primeira noite de uma residência artística de quatro meses na Cartuxa de Villeneuve lez Avignon». Começara o seu retiro e arrastava consigo, sem dúvida, todas as angústias existenciais de que esperava ali libertar-se. «Deserto, Deserto» foi o primeiro impulso dessa libertação!

Publicado em Jornal de Cascais, nº 223, 08-06-2010, p. 6.