segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A gurita


Para nós, os que, nos anos 50, brincávamos por esses matos da freguesia de Cascais, atrás de rebanhos ou simplesmente a armar aos pássaros nos carrascais e nos troviscos, a «gurita» era, simplesmente, o marco geodésico (para nós, imponente, porque éramos catraios…) plantado no topo do Mato Romão. Na verdade, outros marcos geodésicos haverá na freguesia, mas, para nós, aquele era o único. Aliás, nessa zona então inóspita, reino da passarada e dos coelhos, zona obrigatória de passagem dos tordos pelo Outono, se prantavam os alvos preferenciais dos exercícios da artilharia antiaérea e de costa, com aquele canhão de Alcabideche a fazer estremecer tudo e os aviões a descarregarem granadas (que nem sei se era assim que se chamavam…).
Por tudo isso, não quis deixar de ir à inauguração da nova exposição do Forte de São Jorge de Oitavos, que aconteceu ao final da tarde do passado dia 15. Complementa-a – e muito bem! – o livro (em quatro línguas!) Guaritas – Arte e Engenho, então apresentado, da autoria de Augusto Moutinho Borges (texto e fotografias) e Marín García (desenhos a lápis).
Constitui a guarita, como se sabe, aquele casinhoto com frestas, que se diria pendurado aos cantos das fortificações, resguardo e confidente de sentinelas, nas longas horas de vigília, a proteger (sempre pouco!...) do sol, dos ventos, das friagens… Mas, se calhar, passamos por ela e nem sequer lhe damos a importância que realmente detém, não só do ponto de vista militar (fundamental!), mas também como obra de engenharia. Que não são todas iguais. Bem significativas, por exemplo, as da Torre de Belém, de cúpula em gomos de laranja, a imitar o topo do minarete da Koutoubia de Marraquexe, que depois seria também imitado na «Giralda» de Sevilha e nos torreões da Quinta da Bacalhoa (em Azeitão).
Útil e excelentemente apresentado, o livro, a que tanto as fotos como os desenhos emprestam especial sabor. Bem agradável de ver-se a exposição, que veio (felizmente!) substituir a que ali se apresentava e que, a meu ver (e sei que a equipa do Departamento de Cultura da Câmara partilha da mesma opinião), era densa de mais, pejada de longos textos em letra miudinha, que ninguém tinha pachorra para ler. Esta, ao invés, designadamente na sua última parte, é aliciante de singeleza, convida-nos à admiração, a quedarmo-nos, em silêncio, diante daquela construção minúscula, a que, se calhar, ainda não déramos a devida atenção. E imaginamos o vendaval a uivar, o soldado mal aninhado no capote, numa luta contra o sono e a fadiga, a perscrutar horizontes e a sonhar com o conforto de uma lareira, onde pudesse trincar mesmo que fosse côdea rija e um naco de toicinho, regado pelo carrascão… Sempre lhe aconchegaria o estômago!

Publicado no Jornal de Cascais, nº 229, 20-07-2010, p. 6.

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