domingo, 31 de março de 2013

Um roteiro lúdico português

           Há livros assim. Volumosos, a catalogar tudo quanto se sabe que existe sobre o tema, bem apresentados, sedutores. Sedutores não apenas pelo que nos mostram, mas – azar ou sorte a deles!... – porque nos incitam a olhar de outra forma para uma realidade de cuja existência, afinal, ainda não nos tínhamos dado conta!
            Recordo-me de – a propósito de Roman Portugal, de J. de Alarcão (in «O domínio romano em Portugal. Notas sobre um livro recente», Homenaje a José Mª Blázquez (Hispania Romana II) – vol. V, Madrid, 1998, p. 138) – eu ter considerado ser essa uma «obra corajosa, pois no momento em que sai à luz do dia ela se encontra desactualizada». Na verdade, ao termos reunidos os dados sobre determinado tema, mais fácil nos é verificar que falta isto ou falta aquilo. Como quando se sobe a um monte: lá do cimo, até se descobre que havia caminho mais fácil e… quão mais amplo é, agora, o horizonte!...
            Assim, este livro de Lídia Fernandes, Tabuleiros de Jogo Inscritos na Pedra, valiosa edição da Apenas Livros (Lisboa, 2013, ISBN: 978-989-618-411-7), 321 páginas ilustradas (Fig. 1). Trata-se de Um Roteiro Lúdico Português, porque esses traços, amiúde grosseiros, amiúde fáceis de passar despercebidos a quem para eles não está desperto, consubstanciaram, de facto, muitas horas de lazer e de entretenimento, para «matar o tempo», para cimentar comunidade…
            Um roteiro que é também, por outro lado, essa lição de, a todo o tempo, aprendermos que importa estarmos humildemente despertos para um fenómeno que, devemos confessar, nos não despertou atenção e, por isso, com duas penadas o descartámos. Contra mim falo, porque, ao aceitar para publicação o estudo, feito por um dos meus estudantes, de uma estela funerária romana identificada, em reutilização, em Pinheiro de Tavares (Mangualde), não reparei bem no que a foto mostrava (Fig. 2) nem na descrição que Luís Filipe Coutinho Gomes fizera:
            «Na parte inferior da estela foi gravada uma espécie de grelha composta por quadrados com aproximadamente 5,5 cm de lado, em três filas sobrepostas de oito quadrados cada» (Ficheiro Epigráfico nº 12, 1985, inscrição nº 53).
            Quem haveria de dizer que, todos estes anos volvidos, eu iria encontrar a imagem dessa epígrafe aqui neste livro (fig. 110), com o nº 15 (p. 98-99)? Não se nos pusera a questão de estarmos perante eventual tabuleiro de jogo e verifico – com alívio… – que também à autora essa hipótese interpretativa se afigura de abandonar, «apesar da regularidade dos traços e do cuidado do lapidarius»:
            «Pensamos ser uma decoração, curiosa e inusitada, é certo, mas, ainda assim, um simples motivo decorativo» (p. 98).
            Mas a questão foi levantada – e ainda bem! Aliás, pela semelhança, somos agora convidados a retomar a reflexão feita sobre uma outra peça epigrafada (Fig. 3), identificada no termo de Beja, a Pax Iulia romana, que sugerimos tratar-se do esquema de um cadastro romano (Lopes, Maria Conceição; Encarnação, José d'; e Silva, António J. M., «Un cadastre romain dans la région de Pax Iulia (Lusitanie)?», L’Africa Romana, 12, Sassari, 1998, p. 879-884: http://hdl.handle.net/10316/22778): estaremos, ao invés, perante complexo tabuleiro de jogo?
            Enquanto na peça de Mangualde, o quadriculado é, seguramente, contemporâneo da epígrafe e, por isso, com mais facilidade se assume o carácter decorativo, na placa de Beja há um reticulado complexo e a inscrição não é contemporânea, pois esse reticulado a ela se sobrepôs. Um tema, por conseguinte, a debater!
            Duas das missões de um livro científico estão, consequentemente, aqui já bem consubstanciadas: levar a observar muros e pedras com outros olhos e a procurar completar o que ora se apresenta em termos de alguma exaustividade, ainda que se diga que esta é apenas uma «parte de um riquíssimo património» «quase totalmente desconhecido». De resto, a própria autora o confessa:
            «Ficou a gigantesca certeza do muito que há por fazer e dos inúmeros aspectos de análises que ora se abrem» (p. 7).
            Resultado de sete anos de investigação (que naturalmente também se apoia em investigação alheia desenvolvida há décadas); fruto da ampla colaboração de preciosos informantes (que são referidos) – a obra foi apoiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito do projecto sobre a História dos Jogos em Portugal, dentro do qual recentemente beneficiámos de mais uma, também excelente, publicação (Fernanda Frazão, Fontes para a História dos Jogos em Portugal, Apenas Livros, Lisboa, 2012) e já havíamos tido, em 2010, uma outra da mesma autora e editora, História das Cartas de Jogar em Portugal e da Real Fábrica de Cartas de Lisboa do século XV até à Actualidade.
            Divide-se o livro em 12 capítulos, antecedidos pelo índice, com o que me congratulo. Começa-se por explicitar como se fez e deve fazer o registo; e esclarece-se desde logo que, por detrás do jogo, está o Homem, o seu pensamento, porque os jogos, além de serem expressões lúdicas, constituem também expressões simbólicas. O capítulo 3 traça a história dos tabuleiros em pedra desde as referências mais antigas até às épocas medieval e moderna. E antes do «passeio pelo património de Norte a Sul», que é o capítulo 5, há que saber que tipos e que características apresentam os tabuleiros de pedra: as tabulae lusoriae dos romanos, o alquerque (dos 9, dos 12, dos 3), o ludus latrunculorum...
            O inventário obedece a um critério geográfico, por regiões: Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve, Açores e Madeira. No Norte, destaca-se a Igreja de Santa Maria da Oliveira (nº 5), com 17 tabuleiros; no Centro, o mosteiro da Batalha (nº 33) tem 13; são 29 os tabuleiros na área de Lisboa; é, contudo, o Castelo Velho de Alcoutim (estudado, como se sabe, por Helena Catarino) que leva a palma, com nada menos que 37 testemunhos (nº 61 – p. 216-234)! Em relação aos Açores e à Madeira, há referências, mas nada de concreto se apresenta.
            Fala-se, no capítulo 6, das pedras de jogar e, no 7, das técnicas de gravação dos tabuleiros, para ingressarmos no mundo do lúdico, em íntima conexão com a sociedade, retomando, de certo modo, o que se alinhava no capítulo 2. Esse capítulo 8 afigura-se-nos do maior interesse, porque se parte do concreto para, como atrás se dizia, se descobrir o que lhe está por detrás: a imitação do real, a convivência do jogo com a religião, as regras, o jogo como atitude universal, para se terminar numa perspectiva que a autora, como arqueóloga, não poderia deixar de abordar: «o espaço construído e a actividade lúdica».
            E se o «como jogar» interessa, embrenhamo-nos logo de seguida e de novo no domínio da abstracção, da estratégia que ao jogo sempre está subjacente (e ouvimo-lo diariamente na Comunicação Social…); é este um capítulo, o 10º, assaz ilustrado, da responsabilidade de Jorge Nuno Silva. Vem, por fim, a questão: será que é possível traçar «uma análise evolutiva dos jogos de tabuleiros em território nacional»? Apresentam-se gráficos, estatísticas (foram 253 os tabuleiros analisados!)…
            A vasta bibliografia (p. 307-321) documenta, por fim, não apenas que a autora se debruça já há algum tempo sobre esta temática, mas também que, afinal, esse é um campo de investigação deveras interessante, até porque, desde cedo, como escreveu o Conde de Sabugosa (que volta a ser aqui citado), os jogos «serviram de desfastio, de prazer ou de higiene aos nossos antepassados» (p. 301). E, hoje, poderão servir também, desde que se queira!
            Um hábito que, no fim de contas, um passatempo (como diria o Padre António Vieira) perdurou durante milénios! Veja-se que o jogo dos ganizes ou do cucarne – muito vulgar, por exemplo, entre os pescadores até épocas bem recentes –, com vértebras ou falanges, radica, sem dúvida, nos latrunculi, que, a par das peças de osso, de pasta vítrea ou de cerâmica (Fig. 4) e mesmo os dados de osso ou marfim (Fig. 5), encontramos na escavação de sítios romanos!
            Este Roteiro de Lídia Fernandes constitui, pois, mui valioso contributo para essa consciencialização!
            Acrescente-se que a editora acabou por fazer um preço assaz convidativo (24 euros), a fim de esta temática poder chegar a mais gente.

Publicado em Cyberjornal, 2013-03-31: 
 
 
 


           

 

Faleceu João Constante, de Cascais

             Foi a sepultar, na passada sexta-feira santa, João Constante, uma das legendas vivas do Grupo Cénico da Associação Humanitária dos Bombeiros de Cascais.
            Integrava o núcleo dos cascalenses de gema. Evocar a vida de Cascais-vila passava, naturalmente, por recordar quantos – como o João – desde sempre se irmanaram em torno da vetusta Associação, mormente do seu Grupo Cénico. O João consubstanciava sempre um dos momentos mais apreciados das revistas: o fado tinha, na sua voz, o timbre da tradição; o caloroso sabor doutras eras, do fado vadio e fora de portas, nos poemas dessa Cascais familiar, de nobres e de plebeus, em sadia comunidade!...
            Calou-se uma voz. Fica a saudade. Fica o exemplo de dedicação a uma causa. Fica também a vontade de prosseguir!
            À família enlutada e aos membros do Grupo Cénico as nossas mais sentidas condolências.

Publicado em Cyberjornal, 31-03-2013:

sábado, 30 de março de 2013

O Sol de Psara – nota sobre um livro de poemas

            Psara é uma das ilhas gregas do Mar Egeu. Apenas 43 km2 de superfície. Plena, contudo, de poesia e de mitológicos ecos aos olhos dos que estudam a Antiguidade Clássica e que até acreditam que foi por aí, por esses mares serenos, que a poesia um dia nasceu…
            Se calhar (o poeta não o diz), foi por isso que António Salvado deu o título de O Sol de Psara a mais um dos seus livros de poemas (Editora Licorne, 2011, 40 páginas, ISBN: 978-972-8661-74-8).
            Perpassa por todas as páginas um lirismo intenso, que ressuma, aqui e além, contido mas cálido erotismo: «Quem me dera ser o vento: / tu, nua, receberias / nos teus seios meu alento.» A doçura da entrega sugerida: «em ti descansam praias e desvelos»… «Repouso no teu colo uma alcachofra».
            As palavras ditas mas cujo eco nem sempre se conhece. Solilóquio? Sonho? Desejo por cumprir? Convoca-se a Natureza, as flores, os riachos, as estações do ano, a paisagem serena da manhã e ao sol-pôr – para a comunhão amorosa!
            E os espaços nos versos obrigam a pausa. Assim:

            Que os atalhos conduzam    sempre    aonde
            Se glorifique    a pressa do encontro.

            Não vamos por atalhos. Seguimos, porém, com o autor, a linha do horizonte – onde temos pressa em repousar!

Publicado em Cyberjornal, edição de 30-03-2013:

sexta-feira, 29 de março de 2013

Espólio do «Jornal da Costa do Sol» dá entrada no Arquivo Municipal

            Para além de outras, uma das primeiras preocupações que tive, após o inesperado encerramento do Jornal da Costa do Sol (última edição publicada a 14 de Janeiro de 2010), foi a de procurar acautelar o seu espólio.
            Na verdade, nascido a 25 de Abril de 1964, Jornal da Costa do Sol continha no seu arquivo toda a história de Cascais e também de Oeiras, quer em textos, quer em documentação, quer em imagens, desde essa época, porque acompanhava semanalmente o que de significativo se passava nesses concelhos.
            Toda a colecção dos jornais está, é certo, disponível na biblioteca municipal; contudo, para além da notícia que se faz, há as imagens que se guardam e se seleccionam, a correspondência… Infelizmente, porém, parte bem volumosa desse espólio já levara descaminho antes de – por deferência do proprietário do imóvel, Vilar Gomes – os funcionários da Câmara terem metido ombros à tarefa de juntar o que havia.
            Logo após o 25 de Abril, haviam desaparecido, por exemplo, as provas de censura, que era um dos arquivos mais interessantes de que se dispunha, por mostrarem, na realidade, como funcionava o «lápis azul» – e Jornal da Costa do Sol era, nas vésperas do 25 de Abril, juntamente com o Jornal da Madeira, o Jornal do Fundão, o Notícias da Amadora, obrigado a mostrar aos censores provas de página, porque… ‘eles’ não confiavam em nós!...
            Recorde-se que, na altura da chamada «Primavera marcelista», escrevia no Jornal da Costa do Sol Magalhães Mota, que fazia o relato das sessões da Assembleia Nacional, amiúde censurado, como o seriam também os textos, também sobre a Assembleia, saídos da pena de Viriato Dias em 1972. Aliás, por ser feito na mesma tipografia – a Mirandela – em que se começou a fazer o Expresso, houve sempre uma grande ligação entre as equipas e Francisco Pinto Balsemão chegou a assumir a direcção do jornal, de Março a Julho de 1976, uma experiência ‘profissionalizante’ que acabaria por não dar resultado e os membros da equipa anterior houveram por bem regressar e recomeçar a publicação a 10 de Dezembro desse ano.

Um observador atento da actividade autárquica
            Foi habitualmente «semanário dos concelhos de Cascais e de Oeiras», à excepção de 1981, em que, por dificuldades financeiras, se publicou quinzenalmente.
            Exerceram os seus redactores, sem peias, uma função de cidadania, o que nem sempre quadrava bem ao poder autárquico instituído, com o qual o relacionamento – como frequentemente acontece, por esse Portugal além, entre as autarquias e a Comunicação Social local – se procurou manter isento de partidarismos, mas difícil. Por exemplo, com Georges Dargent e, nomeadamente, com António Capucho, a tensão foi constante, indo ao ponto de haver ordem expressa para ao jornal não ser proporcionada publicidade, mesmo a institucional.
            Asfixiado, encerrou portas, como se disse, sem mais nem menos, no princípio de 2010. Os accionistas de Publigráfica, SARL, a empresa proprietária, não tiveram possibilidade de agir, dados os fortes condicionalismos económicos a que se chegara e, desde então, o nosso receio era de que, de um momento para o outro, entrassem por ali adentro os agentes judiciais e despejassem, sem tir-te nem guar-te, um espólio histórico-documental ímpar.
            Moveram-se influências e, felizmente, podemos agora informar que, mercê delas, a documentação ainda disponível acaba de dar entrada no Arquivo Municipal, onde será devidamente tratada, a fim de vir a ser colocada ao alcance dos investigadores, porque – sem receio de errar o afirmo – não pode fazer-se a história de Cascais (e de Oeiras) nas últimas cinco décadas, sem uma leitura atenta das páginas do Jornal da Costa do Sol, do que nelas se escreve e do que nelas não se pôde escrever e se subentende.
            E eu (perdoe-se-me a primeira pessoa), que (quase ininterruptamente) fiz parte do ‘projecto’ (como hoje se diz), desde Outubro de 1967 até final (mais de quarenta anos!...), particularmente me congratulo, como jornalista e como historiador, por as negociações terem obtido o resultado que ora – pela pronta informação que me foi disponibilizada pelo Dr. António Carvalho, irmanado comigo nestas preocupações histórico-patrimoniais – tenho o gosto de anunciar.

Publicado em Cyberjornal, 2013-03-29:

quinta-feira, 28 de março de 2013

Andarilhanças 67

Dar de comer aos bichos
            «Ainda que não haja por ali nenhum aviso nem tenha sido distribuído qualquer comunicado, a esse respeito, à população, é agora proibido dar comida às aves do Parque Marechal Carmona, em Cascais» – assim começava um texto que publiquei a 9 de Julho de 2012. Dele dei conhecimento a quem de direito, que fez o favor de me responder, informando que a norma fazia parte dos regulamentos gerais camarários. Perguntei se não seria interessante colocarem-se avisos com indicação dessa legislação, ainda que fosse em letra miudinha. Ninguém me respondeu. Também nunca mais entrei com o meu neto pela zona do lago, para o poupar ao espectáculo de as gaivotas a atacarem as crias e a roubarem os ovos. Sobre isto, aliás, disseram-me que… era a lei da Natureza: uns bichos comem os outros!
            Consequentemente, deixei de me preocupar com os bichos do parque. A vida é deles, amanhem-se! Contento-me com deixar migalhas no meu jardim e consolo-me ao ver a passarada vir cá comê-las!

Viveiros de peixe
            SIC, jornal da noite, 12-03-2013. O tema: aquacultura. Somos o 3º maior consumidor de peixe do mundo! Mas…
            Processos a demorarem anos, vidas a consumirem-se, investimentos à espera de pareceres e pareceres que se eternizam, consultores e mais consultores, licenças disto e daquilo… Dinheiro a esvair-se sem préstimo por entre os dedos, riqueza esperdiçada… Resmas e resmas de papel gastas para uma licença dada por dez anos apenas: ainda agora começámos e a década está a findar!...
            Condições excepcionais das nossas águas. Ostras a fazerem a delícia de franceses, em França…
            E não há quem ponha mão nisto, senhores? Ninguém vê?
 
O Dubai
            Apresenta-se o Dubai como o eldorado, pois riqueza por lá não falta e todos os técnicos são bem-vindos. Fiquei, pois, altamente surpreendido quando recebi uma mensagem a informar-me que o «Dubai não tem sistema de esgotos para os seus arranha-céus», dependendo, por isso, de camiões-cisternas, que – tal como se mostra no vídeo http://forums.themavesite.com/index.php?topic=14510.0 – formam filas de quilómetros e quilómetros.
            E perguntamo-nos como é possível.

O inefável pendão para o chiste
            Continuamos, felizmente, a conseguir rirmo-nos de todos os nossos males, na sequência daquele célebre dito da II Grande Guerra: «Queres boas anedotas de guerra? Vai a Portugal!».
            E o puto é renitente a comer a sopa. E a mãe insiste. E o puto começa em surdina: «Grândola, vila morena!...».
            E a personagem do filme de 007:
            – My name is Ervas. Bem, não era bem assim, mas… deram-me a equivalência!

Outras… dificuldades!
          Recebi a série de imagens que mostram jovens: a tomar um café; a conviver num restaurante; a desfrutar das belezas de um museu; em agradável encontro no café; a gozar um dia de praia; a apoiar no estádio a sua equipa; a usufruir da companhia da noiva; a passear na cidade num descapotável… Traço de união entre todas as imagens: os polegares não cessam de teclar no telemóvel e ninguém liga a quem lhe está ao lado!...
            Termina a série com uma frase de Einstein:
            «Temo o dia em que a tecnologia se sobreponha à humanidade. Então o mundo terá uma geração de idiotas».

A faceta negra dos funcionários
            No editorial da passada edição (13-03-2013), o nosso director verberou o péssimo funcionamento dos serviços encarregados de fazer a avaliação dos imóveis. Interroga-se mesmo se isso não fará parte de uma campanha para denegrir a imagem dos funcionários públicos ou se é mesmo verdade que, neste caso, quem está a fazer este serviço denota, de facto, uma total incompetência e devia ser de imediato suspenso de funções: «Classificar imóveis de apenas um piso com vários, idades de mais de 60 anos passadas para metade, números de assoalhadas definidos por estimativa dão uma imagem pouco digna de quem exerce a profissão de servidor público».
            Claro que, ainda por cima, temos de pagar para que seja feita a correcção de um erro que não nos pode ser imputado!...
            É esse, na realidade, o meu medo, como já aqui por diversas vezes assinalei: que o funcionário, tratado como é pelo omnipotente e déspota Estado, se esteja nas tintas para fazer bem o seu trabalho. Pode ter razão; mas precisa de ver que os prejudicados são os seus vizinhos – ou talvez também ele próprio – e não esse Estado cujo bafo a gente nunca vê mas sente, oh se sente!...

Publicado em Jornal de Cascais, nº 334, 27.03.2013, p. 6.

 

terça-feira, 26 de março de 2013

Casa das Histórias Paula Rego sem directora

       Na sequência das alterações anunciadas na passada segunda-feira por Carlos Carreiras em relação ao futuro da Casa das Histórias Paula Rego, uma vez que o Governo central considerara que a Fundação «não era viável do ponto de vista financeiro» e, por conseguinte, esta deveria ser extinta, Helena de Freitas, que assumia a direcção da Casa, acaba de demitir-se, regressando à Fundação Calouste Gulbenkian, a cujos quadros pertence.
      Em declarações à Lusa, deu conta de que já não havia condições para prosseguir o projecto inicialmente apresentado, acentuando, inclusive, que parte das obras da pintora vão voltar à procedência e, por isso, o projecto vai ser diferente.
      A Casa das Histórias, extinta a fundação, vai ser agora gerida pela Câmara e passará a chamar-se museu.
      Convirá recordar que, em Agosto do ano passado, quando a Comunicação Social noticiou que a Fundação da Casa das Histórias iria ser extinta, a presidência da Câmara explicou, em comunicado datado do dia 9, que havia, decerto, engano, pois tanto esta Fundação como a Fundação D. Luís I eram apoiadas não por verbas do Orçamento Geral do Estado mas sim por verbas das contrapartidas do Jogo. E acrescentava-se explicitamente:
      «Uma eventual extinção das duas fundações não representaria nenhuma diminuição de investimentos públicos municipais. Antes pelo contrário, seria necessário mais dinheiro e mais investimento para, potencialmente, fazer menos e fazer pior do que aquilo que é assegurado pela excelência das duas Fundações – promover a cultura e a identidade de Cascais e, por essa via, gerar cadeias de valor e de riqueza que contribuam para a criação do mais escasso bem das sociedades contemporâneas: postos de trabalho».
      Em comunicado difundido no passado dia 22, a CMC louva e agradece a actividade desenvolvida por Helena de Freitas e reconhece que «o projecto do Museu Casa das Histórias Paula Rego inicia agora uma nova fase», devido, «fundamentalmente, ao acordo recentemente assinado entre o Presidente da Câmara Municipal, Carlos Carreiras, e o representante de Paula Rego, o seu filho Nick Willing, onde se assume a extinção da Fundação Paula Rego». Garante, por outro lado, que «a emergência desta nova fase da Casa das Histórias» «é marcada por uma relação de profundo entendimento e proximidade entre a Câmara Municipal de Cascais, a artista Paula Rego e a sua família, constituindo uma garantia de que o Museu Casa das Histórias continuará a ser uma referência no panorama nacional e internacional».
      Veremos, pois, o que irá acontecer.

Publicado em Cyberjonal, 2013-03-26:

quinta-feira, 21 de março de 2013

Abertura de vala põe a nu graves deficiências em caso de catástrofe

           Um abatimento na subida da 3ª circular na tarde do dia 20 levou a PSP a cortar o trânsito no sentido do Cobre desde os semáforos sobre a Ribeira das Vinhas. Medida desastrosa, que não obedeceu a qualquer discernimento e que provocou um dos maiores engarrafamentos de que há memória desde aí até ao centro da vila, porque… não foram dadas alternativas a não ser a passagem pelo Carrascal de Alvide ou pelo Bairro S. José, o que congestionou tudo desde Alvide ao mercado de Cascais!
            Felizmente que – mais de três horas depois da ocorrência! – houve o bom senso de abrir ao trânsito ascendente uma das faixas sul, aliviando a pressão, como pode ver-se pelas fotos tiradas na manhã seguinte.
            Que o incidente leve os responsáveis pela Protecção Civil a ministrarem aos agentes de autoridade que andam no terreno lições práticas de acção imediata; e a aperceberem-se de como, em caso de catástrofe, a 3ª circular constituiu a única via de ligação para Cascais Oeste e há que preservá-la!
            Há, é certo, a auto-estrada, mas, enquanto não se decidirem a dar dois sentidos à rua que, no final da auto-estrada, permitiria a saída para a zona de Birre, o engarrafamento na rotunda de Birre continuará a ocorrer – e não é solução numa ocorrência destas. E, neste caso, também uma ida pela Amoreira não seria viável, porque as obras em curso cortaram pura e simplesmente o acesso norte à localidade.
            Mais uma vez ficou demonstrada também a necessidade urgente de se retomarem os estudos de viabilização do traçado da 2ª circular, dado que o desenho do tráfego, à entrada leste da vila de Cascais, obriga toda a gente a ir à rotunda de confluência com a Avenida de Sintra.
            Aqui fica, pois, o apelo às autoridades competentes: que este incidente sirva de lição e que rapidamente a Protecção Civil vá para o terreno e veja, por exemplo – é outro caso que está a pôr a cabeça em água dos automobilistas! – como estão a ser marcados, com grande prejuízo para a população, os desvios provocados por obras. Não se admite, por exemplo, que, para se abrir uma vala no troço da rua principal de Alcabideche entre a rua dos bombeiros e a rotunda do moinho, aí se corte o trânsito por completo e durante vários dias, o que obriga a desvios incríveis pelo emaranhado de ruas da povoação, cujos sentidos únicos originais se mantiveram, quando, nesta emergência, deveriam ser provisoriamente anulados.
            Reina o maior caos e os empreiteiros parecem gozar de total imunidade para pôr e dispor das vidas e dos bolsos dos seus concidadãos, sem que haja quem ponha cobro nisto!

Publicado em Cyberjornal, 2013-03-21:
 

Post-scriptum: Dei a conhecer este texto a Pedro Mendonça, vereador da Câmara Municipal de Cascais, responsável pelo pelouro da Protecção Civil, que me respondeu o seguinte (e-mail de 21-03-2013, 13:21 h), que agradeço:
Desta vez não tens razão pois foi um abatimento de estrada devido á rede de pluviais.
O abatimento foi notório, daí termos optado rapidamente pelo corte da estrada antes que houvesse acidentes graves o que provoca, como deves calcular, transtornos a quem utiliza a via, por não ter ficado assinalado em tempo, circuitos alternativos.
A intervenção prolongou-se pela noite fora, para ficar o mínimo de tempo encerrada ao trânsito. Neste momento já se circula na via regularmente.
São sempre situações que têm consequências nefastas para os utilizadores… principalmente num local com poucas alternativas ao trânsito.
Com toda a consideração, recebe um abraço
Pedro

Academia Sénior da Cruz Vermelha ganha espaço no Parque do Rio dos Mochos

             Dificilmente se lograria melhor localização para receber o pré-fabricado em que doravante passará a funcionar o pólo de Cascais da Academia Sénior do Núcleo do Estoril da Cruz Vermelha Portuguesa: um dos preciosos recantos do Parque Urbano do Rio dos Mochos, onde primeiramente esteve instalada uma das estufas dos viveiros camarários. Para ali se mudaram, pois, as actividades que, por empréstimo de duas salas, estavam a funcionar provisoriamente na marina.
            Rodeado de vegetação, o pavilhão dispõe, naturalmente, de salas de aula (desenho, computadores…), de sala de convívio, cafetaria, recepção… enfim, de todos os cómodos necessários para o efeito, servidos por uma decoração sóbria mas muito agradável de ver-se.
            Não foram facultados aos jornalistas dados técnicos do empreendimento nem se especificou nos discursos que tipo de actividades ali se iriam desenvolver e em que condições, o que certamente se logrará saber mais tarde junto do Núcleo, que tem sede na Parede. Podemos, desde já, adiantar, porém, que a Academia Sénior conta com 96 docentes (todos em regime de voluntariado) e cerca de mil alunos.
            A inauguração decorreu no dia 20, Dia da Felicidade, às 11 horas.
            Abriu a série de discursos o presidente do Município, que se referiu aos idosos como «os jovens há mais tempo» e frisou que, para ele, Cruz Vermelha é sempre sinónimo de «esperança» e de «amanhã». Manuela Filipe, presidente do Núcleo, aludiu ao 10º aniversário da Academia que nessa data se comemorava e saudou o simbolismo de a cerimónia se ter iniciado com o gesto simbólico de plantação de uma árvore; o combate ao isolamento e à exclusão social, disse, são duas das metas que a Academia tem logrado atingir, adestrando, por exemplo, os idosos a melhor se integrarem e desenvolverem as suas capacidades através do mundo virtual. Luís Barbosa, presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, acentuaria que a Cruz Vermelha, por mais de uma vez galardoada com o Prémio Nobel da Paz, nasceu em época de graves crises e, por isso, não foge das crises, antes está aí para ajudar a superá-las.

FIB versus PIB
            Pedro Mota Soares, ministro da Solidariedade Social, começou por saudar a Dra. Maria Barroso, para quem teve palavras de muito apreço, e também a dinamizadora deste projecto, a Dra. Manuela Filipe, que classificou de «mulher das Arábias», pois «até é capaz de mandar parar a chuva» para que estivesse um dia lindo nesta inauguração. Elogiou as boas práticas de envelhecimento activo que pioneiramente se têm desenvolvido em Cascais, graças, de modo especial, ao papel aglutinador que a Câmara tem sabido desempenhar no estrito relacionamento com todas as instituições. «Não grandes obras de fachada, mas acções de proximidade», acentuou, acrescentando serem os mais idosos um «pilar fundamental da sociedade», pelo que esta importância dos mais velhos deve ser valorizada, encontrando-se respostas quer para sinalizar o isolamento do idoso quer para que – a fim de lhes ser facultado maior acompanhamento – se logre obter, cada vez mais, adequada resposta de conciliação entre a vida familiar e profissional.
            E anunciou Pedro Mota Soares a reconversão, que se prevê para breve, de lares e centros de dia no que virá a chamar-se «espaço sénior», a exemplo do que se está a procurar fazer em Cascais, num maior diálogo intergeracional, na partilha de experiências, de maior solidariedade, onde o voluntariado também ocupará papel fundamental. «Hoje, Dia da Felicidade», concluiu, «cremos que é desta sorte que vai aumentar não o PIB mas a FIB, a Felicidade Interna Bruta».

Publicado em Cyberjornal, 2013-03-21:

terça-feira, 19 de março de 2013

Os nossos poetas…

            Acabo de ler No Orvalho das Horas, um livro de poemas de Julieta Lima, uma olhanense nascida em 1949, que vive em Almancil. São pinceladas aparentemente simples, breves, sem rima nem ritmo de embalar, mas que encerram nessa singeleza uma funda reflexão. Não é apenas a beleza da frase e o seu encadeamento fora do comum que nos seduzem: o explícito pode parecer estranho ou, até, banal; o implícito, porém, determina uma pausa antes de se passar à página seguinte.
            Aliás, não estarei certamente longe da verdade se afirmar que a primeira pessoa tocada pela densidade forte dessas palavras poucas foi a ilustradora do livro, Beatriz Sousa, que, também ela em pinceladas aparentemente simples e breves, realça e retrata a preto e branco, magnificamente, a mensagem recebida.
            Sugere-nos No Orvalho das Horas um apelo: escoa-se-nos o tempo por entre os dedos, tem duração efémera qual gota de orvalho a perlar pétalas de rosa… Há que deliciadamente aproveitá-lo!...
            E chegou-me, entretanto, o número de Fevereiro do nosso Notícias de S. Braz. Vem, como sempre, recheado de poemas. Há a habitual página cheia, a 18: Manuel J. Dias Ramos, Isidoro Cavaco, Manuel de Sousa Neves, Josélia Viegas, João Timóteo, Margarida Lourenço, Diamantino Brito. Mas há versos espalhados pelo jornal todo: na p. 9, a homenagem da Carola da Mesquita ao seu fundador; na 14, Maria Helena Ramos, Maria de Lurdes Cipriano e a evocação (anónima) de António Rodrigues Rosa; na 17, Maria José Fraqueza; na 19, Catarina Guerreiro; na 21, Fernando Henrique de Passos; na última página, a 24, a «poesia do mês», de Luciano Martins Lourenço; e até na página da necrologia Josélia Viegas dedica uma sextilha a Manuel de Sousa Martins (1923-2013), um canteiro do Corotelo, que também fazia versos: «Meio poeta e canteiro / Trabalhou no concelho inteiro / Com orgulho e perfeição. / O seu nome está gravado / No trabalho realizado / Fica a recordação».
            Uma característica comum abraça todas estas composições, que, em boa hora, Notícias de S. Braz não hesita em publicar: elas constituem o reflexo do nosso património imaterial. Trata-se de uma forma de expressar sentimentos face ao quotidiano vivido, uma forma agradável de os perpetuar – quais jograis da Idade Média!

[Publicado em Notícias de S. Braz, nº 196, 20-03-2013, p. 15].

 

domingo, 17 de março de 2013

XIII Oficina de História debateu o Património Cultural Imaterial

      Numa iniciativa do Departamento de História da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, decorreu ontem, 14, das 18 às 22 horas, em Lisboa, a 13ª edição da Oficina de História, dinamizada pelo seu director, o Doutor Teotónio R. de Souza, e dedicada, desta vez, ao tema do Património Cultural Imaterial.
      A anteceder os trabalhos propriamente ditos, celebrou-se um protocolo entre a COFAC, entidade proprietária da Universidade, e a Câmara Municipal de Torres Vedras visando o estabelecimento de uma plataforma conjunta de estudo e valorização das chamadas «Linhas de Torres». Na circunstância, o Doutor Manuel Damásio, presidente do Conselho de Administração da COFAC, teceu amplas considerações acerca do papel da Universidade na conjuntura actual, como promotora de conhecimento e formadora de técnicos. Por seu turno, a Dra. Ana Umbelino, vereadora da Cultura do referido Município, deu conta não apenas da importância patrimonial e significado histórico-cultural das fortalezas e do seu espaço envolvente mas também do rol de iniciativas a que a sua Câmara lançou mãos para as reabilitar e tornar também pólos de atracção turística e cultural.
      Registaram-se, depois, as seguintes intervenções:
      – José d’Encarnação referiu-se ao papel dos documentos epigráficos como manifestações do Património Cultural Imaterial (a escrita, a língua, as crenças, os costumes, os repentes do quotidiano…);
      – Luís Marques abordou as iniciativas que têm sido levadas a cabo (e as que não têm sido..) para a valorização, entre nós, do património cultural imaterial;
      Vítor Manuel Veríssimo Serrão, com sugestivos exemplos, mostrou como na História da Arte o Património Imaterial se encontra bem patente;
      – Alexandre Weffort falou de «Memórias no Cante vestígios do passado na cultura imaterial», sobre as características singulares do cante alentejano, levando-nos, por exemplo, a partilhar bons momentos do trabalho de pesquisa efectuado por Michel Giacometti;
      Ana Cristina Martins mostrou «As intangibilidades no conhecimento do passado», centrando-se, de modo especial, no estudo do mundo da Arqueologia.
      finalmente, Maria Adelina Baptista Amorim levou-nos, por seu turno, a apreciar a grande vitalidade d’«O culto antoniano no espaço lusófono».

Publicado em Cyberjornal, 16-03-2013:

sábado, 16 de março de 2013

A catástrofe, o gerador e o transístor

            Está disponível em http://www.youtube.com/watch?v=QBN5eHAFDtg a reprodução do anúncio mais sensacional que houve ao telemóvel. Da Telecel, em 1995: o pastor, em pleno campo, a responder «Tou chim!» e, voltando-se para as ovelhas estupefactas, «É pra mim!».
            Foi o telemóvel, sem dúvida, uma invenção extraordinária, de tal modo que hoje podemos ir para todo o sítio sem isto ou sem aquilo, mas sem telemóvel é muito difícil que vamos.
            No dia 22 de Fevereiro, a notícia em discussão foi o colapso do SIRESP (Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal) aquando da tempestade que, semanas antes, fustigara o País de Norte a Sul. Estive atento à discussão e nunca ouvi ninguém falar em transístor nem em rádios locais.
            É que, se outra revolução houve do maior interesse foi a do transístor na década de 60. Podia o pastor ouvir rádio o dia inteiro, enquanto pastoreava o rebanho e assim matava a solidão. Em caso, pois, de cataclismo, o transístor pode ser um excelente meio de ligação entre as pessoas, porque, faltando a electricidade, as pessoas ficam desgarradas do mundo. Disso se queixaram no vale do Mondego e na região de Leiria: «Não temos telefone nem televisão, nada, não sabemos se há indicações para fazer isto ou aquilo». Na verdade, também as redes de telemóveis entraram em colapso: o telemóvel é excelente, mas precisa que o retransmissor funcione e que haja rede.
            E isso faz-me recordar a reunião que a Protecção Civil de um concelho teve, aqui há largos anos, com as entidades passíveis de entrar em rede, em caso de catástrofe. O representante da rádio local explicou que era urgente dispor de um gerador, justamente para poder transmitir as informações necessárias. Foi alvo até de alguma chacota: «Se quer gerador, compre-o!». Não perceberam o alcance da medida, que interessava mais à Protecção Civil que à estação de rádio em si. E o director da estação meteu a viola no saco.
            Pergunto: já se lembraram de lembrar que, além da pilha, da vela e dos fósforos ou isqueiro, há que ter sempre à mão um transístor sintonizado na rádio local? Já se lembraram que a rádio local precisa de ter um gerador próprio, para garantir as comunicações quando o SIRESP voltar a falhar?

Publicado no quinzenário Renascimento (Mangualde), nº 612, 15-03-2013, p. 10.

 

«Abábuas»!

            Abábuas! O menino tem a pernita cheia de abábuas! Foi um bicho que lhe passou por cima, com certeza, e lhe provocou essa inflamação! Está cheio de borbulhagem! Foi isso: centopeia, melga, mosquito dos grandes ou até, se calhar, uma osga, sabe-se lá!... Vamos desinfectar com álcool! Vai arder um bocadinho, mas é pra te curar e tirar a comichão, pra não te coçares, tá bem?...
            «Abábuas»: foi essa a palavra da minha meninice que, tantos anos passados, ora me ocorreu, quando a pernita de um dos meus netos apresentou esses sintomas. E dei comigo a pensar: «Abábuas? Que estranha palavra essa: donde virá?».
            Claro que a pesquisa no dicionário e na Internet não resultou, porque, a existir, o vocábulo é apenas a corruptela de uma ou de duas palavras que têm precisamente esse significado de erupção cutânea, prurido, provocado, por exemplo, pela passagem ou picadela de insecto:
– de baba, com a junção, mui frequente na fala, do a em prótese (como em amandar);
– ou de pápula, sem dúvida mais difícil de pronunciar para ouvidos pouco atreitos a palavras eruditas.
Essa ideia de os ‘bichos’ (mesmo as úteis e inofensivas osgas…) provocarem doenças constitui, aliás, uma crença popular, hoje não despicienda, quando, por tudo ou por nada, se diagnostica: «É uma virose!». E está bem patente naqueloutra palavra de que já tratámos aqui (Ago/Set 2010): o bichoco, espécie de furúnculo, difícil de sarar. Bichoco está por… bicharoco!

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 170 (Março 2013) p. 10.

 

quinta-feira, 14 de março de 2013

Concerto intimista na igreja da Boa Nova

           A igreja da Senhora da Boa Nova, na Galiza (Estoril), registou boa afluência de público para escutar Missa Brevis, de João Gil, interpretada pelo conjunto Cantate formado expressamente para esse efeito, um disco lançado em finais de Outubro passado. Luís Represas e Manuel Botelho foram as vozes; João Gil esteve à guitarra, Diana Vinagre no violoncelo e Manuel Paulo ao piano. Foi no sábado, 9, a partir das 21.45 h.
            Cerca de 45 minutos em que nos foram proporcionadas, em latim, as partes mais salientes da missa católica. Entra-se com o salmo 103, «Bendiz, ó minha alma, o Senhor!». Invoca-se o perdão divino, numa litania que desde sempre manteve o grego como forma e força de expressão: Kyrie, eleison! Proclamam-se os louvores de Deus no Gloria in excelsis Deo! Há depois o Aleluia e o Credo. O ofertório foi momento de instrumental, a cargo da guitarra e apetecia-nos também ter por aí harpejos antigos de uma harpa bíblica… Veio, antes, decerto por lapso, o louvor do Sanctus. E, antes do Pai-nosso, a fórmula final da consagração. Depois, o Agnus Dei, a comunhão, a sonoridade quente do violoncelo em acção de graças e, por fim, em apoteose, o salmo 105: «Cantai-Lhe hinos e salmos, proclamai as Suas maravilhas».

Uma razão
            É provável que a maior parte dos trechos deste disco não venham a ficar no ouvido e não sejam trauteadas, até porque o Latim constituirá, decerto, um obstáculo. Contudo, a exaltação final do Credo soou-nos portentosa e vibrante; o pedido «dá-nos a paz!», pela sua doçura e sincopada força, faz estremecer; o convite à proclamação das maravilhas, esse, sim, entusiasma e sente-se.
            Explica João Gil, nas «notas prévias» do programa, que Missa Brevis constituiu retorno à sua infância na Covilhã: «Lembro-me de minha mãe, pessoa de enorme sensibilidade que nos soube transmitir o bom senso e a compreensão do mundo espiritual». E admite, a terminar, que «a austeridade dos tempo difíceis foi decisiva» para criar esta «intensidade dramática», esta «heroicidade».
            Creio não andar longe da verdade se disser que foram bem sentidos os prolongados aplausos finais, porque os 45 minutos ali vividos souberam a libertação, a retorno, também nosso, a um outro tempo. A escolha do Latim espiritual da nossa infância lembrou o contraste com o domínio frio e material do inglês da actualidade… E o inesperado de vermos músicos consagrados voltarem-se para um tema de eternidade é sintoma da necessidade hoje sentida de um outro olhar para a realidade envolvente.

As falhas da organização
            O público começou a chegar logo pelas 21 horas. Podia levantar-se o programinha, dava-se um óbolo, se assim se entendesse (era para o Centro Paroquial do Estoril). E o que é se pensou para entreter? Um vídeo de publicidade ao Centro, incitando a que, no preenchimento do impresso para o IRS, se destinasse para ele aquela verba, lá no quadradinho onde se põe a cruzinha a indicar a entidade beneficiária de uma percentagem do imposto. Um vídeo de uns dois minutos, quando muito, em que havia pessoas a falar mas não se ouviam; via-se o gesto dos dois dedos em cruz; via-se, via-se, via-se… porque o vídeo passou dezenas de vezes, acompanhado, de quando em vez, por um som semelhante ao de uma varredora mecânica. E admiramo-nos: como é que não houve alguém que tivesse pensado em pôr fundo musical adequado, música sacra, música clássica?...
            Veio um senhor fazer a apresentação. Não se apresentou ele próprio (seria o senhor prior?); não se ouviu bem o que ele disse (o microfone era direccional…).
            Preferiam os entendidos que as vozes de Luís Represas e Manuel Botelho, pelo seu timbre, não se tivessem servido de microfones. Teria sido, quiaçá, uma sessão mais íntima, até porque a acústica do templo iria ajudar.
            Houve, no final, a habitual sessão de autógrafos. Mas demoraram muito os dois protagonistas a aparecer lá dos fundos e o público já se impacientava.

Publicado em Cyberjornal, 14-03-2013: http://www.cyberjornal.net/index.php?option=com_content&task=view&id=17984&Itemid=67


Andarilhanças 66

As palmadinhas nas costas
            Tomo conhecimento cada vez mais de exemplos flagrantes desse tipo de comportamento. A todos os níveis. Desde as mais altas estruturas do Estado ao funcionário mais humilde.
            «Olhe, a senhora deixa de ser secretária de Estado a partir de amanhã» – mensagem de telemóvel.
             Tenha paciência, amanhã já não entra no seu gabinete do museu!» – e ainda na manhã desse dia, em reunião, se haviam perspectivado iniciativas e se louvara todo o trabalho desenvolvido.
            Teceu em público o senhor director os mais rasgados elogios à enorme dedicação daquele docente; mas, nesse mesmo dia, sem nada lhe dizer, assinara a sua destituição de encarregado da biblioteca da Escola…
            Mundo, este, onde não apetece viver!
 
«Não estamos na Moody’s»
            A importância incrível que têm as agências internacionais que apreciam se o País tem, ou não, condições para pagar e se, por conseguinte, vale a pena investir nos títulos de dívida pública que ele vai emitindo.
            Um mundo subterrâneo que ora de supetão veio ao de cima, para nos explicar que, afinal, os dinheiros que tínhamos não eram nossos, que a soberania nacional foi chão que deu uvas e que os mandantes, no fim de contas, não são aqueles que nós lá pusemos por força do voto. Títeres são e bem no sabem. Por isso, títere por títere, houve o candidato Tiririca no Brasil e ganhou; houve, recentemente, o Beppe Grillo, em Itália, outro comediante, e ganhou. Assumiram-se.
            Circula por aí um vídeo intitulado «We are not in the Moody's – a resposta de Portugal». Explica tintim por tintim quem somos e o que fizemos desde 1143, quando a maior parte dos países da Europa ainda nem tinham definido fronteiras nem falavam língua própria…

Há dificuldades na comunicação
            Quantas pessoas leva o Terreiro do Paço? Para a missa em que esteve o Papa, em 2010, uma praça onde não cabia mais ninguém, apontou-se para 80 a 100 mil pessoas; em 2013, na manifestação de 2 de Março, à hora em que se cantou o Grândola, havia algumas clareiras e… calculou-se que estariam 500 mil manifestantes!
            Faz lembrar aquela corrida em que houve apenas dois participantes: o vencedor ganhou para o País a que pertencia e ficou em penúltimo nos noticiários do País adversário!...

Inversões
            Assim, no passado dia 3, Sara Moreira consagrou-se campeã europeia dos 3000 metros, nos campeonatos de atletismo em pista coberta, realizados em Gotemburgo, na Suécia. Medalha de ouro, a primeira que um atleta português consegue na modalidade.
            Foi o assunto tema de abertura nos noticiários?
            Não.
            Houve outros assuntos mais importantes, como as declarações de um qualquer visionário que decidiu botar faladura; como a do possível novo corte nas pensões; como os resultados da sondagem feita a um escasso milhar de pessoas e que, por isso mesmo, autorizou a explicar o que ‘os Portugueses’ pensam do Presidente da República, das manifestações, do ordenado mínimo…
            Um escasso milhar embandeirado em arco, de opiniões incontroversas – de acordo com as regras por que se fazem sondagens e se montam estatísticas… E assim «os Portugueses acham…», «40% dos Portugueses discordam…», «20% dos Portugueses acreditam…»…
            E de Sara Moreira falou-se lá para o meio, quase como quem não quer a coisa!...

Publicado em Jornal de Cascais, nº 333, 13.03.2013, p. 6.