Sempre
assim foi; contudo, há agora, cada vez mais, ao ouvirmos determinadas afirmações,
ao termos conhecimento de determinadas atitudes, ao sentirmos na pele as picadelas
da má governação ou da má vizinhança, que nos sai, forte, da boca:
–
A minha vontade era estrafegá-los a todos, que só nos sabem é charingar!
E,
em relação a alguém que especialmente nos fez mal e perdemos de todo a
capacidade de dar cabal cumprimento às obras de misericórdia, gritamos:
–
Se eu o apanhasse, malvado, até os ossos eu lhe tarrincava!
Assim,
duma assentada se soltaram, raivosos, três verbos viperinos.
Charingar
vem no «Dicionário do Falar Algarvio«, de Brazão Gonçalves, e, além de aí
se apresentar como um dos sinónimos de «importunar», explicita-se que a palavra
originária era ‘seringar’, porventura do tempo em que a seringa dos senhores doutores
ou das meninas enfermeiras era objecto de que, qual criancinha, se procurava
fugir a sete pés. Hoje, picadela de seringa nem se sente e aquela pancadinha
que a menina não deixa de nos dar até sabe a doce carícia. Charingar é, pois,
muito mais do isso: é chatear mesmo, ser maçador até mais não.
Note-se,
porém, que, nem sempre essa tónica amaldiçoada está presente. Ora veja-se:
– «Estou
charingado contigo. levas tudo prá brincadeira». «Se o avião não chega a horas,
estamos charingados!». «Isto está uma fila que eu sei lá! Estamos charingados!».
Estrafegar
também pode ser de maldade: «Se o apanho a jeito, estrafego-o todo», que é como
quem diz «dou cabo dele!». Dizem que se relaciona com trasfega, que é o acto de
passar uma coisa, designadamente um liquido, dum lado para o outro, palavra que
ouvimos quando a carga de um barco carece de ser passada para outro; eu acho
que estrafegar não se prende com isso, mas sim com sacudidela, amarfanhamento,
estragar com todas as forças!
Já
tarrincar, forma popular de ‘trincar’, é capaz de se usar mais, cá na maroteira
barrocalense com um segundo sentido, de olhinhos gulosos: «Eu até os ossos lhe
tarrincava, môce! Oh se tarrincava!». Percebe-se bem que se não está a falar de
criação de capoeira, pois não!...
José d’Encarnação
Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 34, 20-06-2025, p. 13.
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