quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Ó avô, para que é a polícia?…

            Terça-feira, 26 de Agosto do ano da graça de 2014. Pouco depois do meio-dia, à saída do Parque Marechal Carmona, em Cascais. A pergunta saiu inesperada do meu neto de cinco anos:
            ‒ … Não é para ajudar as pessoas?
            ‒ É, sim, Rogério. Às vezes, têm dificuldade em acertar na ajuda, mas a ideia é essa!
            Claro que eu não podia explicar-lhe que, no caso vertente, o objectivo da ‘caça à multa’, certamente em obediência a ordens superiores, ‘falara’ mais alto do que um aviso ou o simples papel de multa pespegado no pára-brisas – pois continuo a acreditar que o agente policial também é uma pessoa, tem família, tem contas para pagar e também ele se queixa do escasso vencimento que recebe…
            Ora, obedecendo a ordens ou por sua iniciativa, o agente, aí uma hora e meia antes, bloqueara duas viaturas e eu vi-o a esperar que chegasse o reboque para levar o outro carro parado ‘fora dos trilhos’. Se calhar, já pusera nesse dia em acção todos os bloqueadores disponíveis. Boa safra!... Por sinal, olhando bem, o carrito até nem incomodava ninguém; mas… estava ‘fora dos trilhos’! Em transgressão! E foi mesmo esse carrinho que, de mãos na cabeça, com o ar mais espantado do mundo, a proprietária se apercebeu que… desaparecera!
            Saía do parque, com uma filhota duns quatro aninhos, ao mesmo tempo que eu; era estrangeira residente em Cascais, pelo que percebi. Entrou em pânico, não tinha a menor ideia do que lhe poderia ter acontecido. Nada havia ali que lhe dissesse como é que o carro sumira!... Expliquei-lhe:
            ‒ Seu carro, minha senhora, não foi roubado, não, esteja descansada: foi levado pela Polícia Municipal.
            ‒ Mas como? Não impedia nada! Há quatro anos que venho aqui e nunca tal me aconteceu!... E como faço agora?... Estão no carro todos os documentos, o telemóvel… Não tenho como contactar ninguém!...
            Foi essa aflição e choro que assustaram o meu neto e o levaram a fazer-me a pergunta acerca da verdadeira missão da polícia.
            Ia disponibilizar-lhe o meu telemóvel, quando nos apercebemos de dois jovens voluntários ao serviço da autarquia. A senhora francesa explicou-lhes a situação. Eles pegaram no telemóvel (creio que de serviço) e terão ajudado a resolver a questão. Vou supor que sim, que resolveram, pois me apressei a retirar-me, a fim de poupar meus netos a mais cenas que pudessem contribuir para dar da polícia uma ideia ainda menos… aliciante. Tal não impediu, porém, o suspiro do Rogério, quando chegámos junto do nosso carro:
            ‒ Que bom, avô! O nosso eles não bloquearam!
            É que o reboque, nessa manhã, circulava lentamente em torno da Parada, qual ave de rapina a pairar nos céus à espera de incauta presa. O dia estava nublado, o Parque Marechal Carmona apresentava-se como excelente alternativa para uma horinha de lazer com as crianças e – a vida vai difícil para todos, inclusive para os polícias (dizem!)… – bom seria se se pudessem poupar uns cêntimos e não os gastar no parque explorado pela Cascais Próxima (sim, bem próxima anda ela, é preciso cuidado!). Claro, neste episódio e noutros, os parcos euros do parque acabaram por ser bué multiplicados pela pesada multa aplicada e, sobretudo, pelo enorme transtorno causado. Terá sido preciso, por exemplo, chamar alguém ou ir a pé até ao parque do Bairro do Rosário, para onde o carro fora rebocado.
            Confesso que tive muita pena da senhora, para mais acompanhada, como estava, de uma criancinha, que não compreendeu porque é que o carro onde tinha deixado a boneca levara descaminho num ápice. Felizmente que eu estava ali naquele momento para lhe dizer que não fora roubo, não, senhora, fora reboque, que é uma outra espécie.
            Assim como tive pena dos donos dos carros de matrícula estrangeira. Não apenas destes mas também dos donos dos que puseram os veículos no sítio certo e que, se o bloqueio se mantivesse muito tempo, eles próprios seriam injustamente prejudicados.
            Em casa, expliquei ao Rogério que havia um parque de estacionamento explorado pelo patrão daqueles senhores, que precisava de dinheiro para pagar ordenados e que tinha o parque precisamente para ganhar esse dinheiro. Lembras-te? Quando eras mais pequeno, eu punha sempre o carro lá!...
            Nós, como cidadãos, continuei, poderemos sempre reclamar por o preço ser muito alto, embora nada adiante. O avô, por exemplo, falou no assunto logo no início, propondo a primeira hora gratuita. Ninguém lhe deu ouvidos. Eles é que mandam, Rogério! Eles é que fazem as contas ‒ como nós fazemos as nossas e, por isso, agora que se contam os cêntimos, só se não houver alternativa, é que pomos lá o carro!

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 59, 03-09-2014, p. 6.

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