Voltei
a saborear «As mãos murchas«, o texto com que Vítor Barros, na edição de
Setembro, quis homenagear a sua mãe.
Se
a sua rubrica se chama «Cem textos de solidão» e nela se têm integrado crónicas
de grande valor sentimental e literário, emprestando sólido colorido ao
quotidiano do nosso Barrocal, este – de maior solidão ainda, devido ao facto de
ser a despedida de sua mãe – reveste-se de bem inegável beleza, ao evocar, ali,
junto do caixão, toda uma vida, que será, naturalmente, a de muitas, senão
todas as mães nascidas na primeira metade do século XX:
«Vi
cântaros de barro cheios de água torturando os frágeis ombros, vi alguidares de
roupa branca perfumando o ar. Vi terras suadas, gretadas pelo calor do sol, embaladas
pelas cantigas da foice, vi o sol esconder-se no horizonte refrescando um peito
arfante e rouco de cansaço...
E
então nessas minhas mãos murchas, começaram a florescer flores. Flores vermelhas.
Milhares de flores vermelhas. As flores do teu quintal… as nossas flores
vermelhas».
Um
hino à Vida no momento em que ela já não existe. Ou melhor, no momento em que
subiu para outro patamar, o da eternidade, sabendo nós que o falecimento não é
mais é do que o momento da passagem, que importa envolver em ternura, em
gratidão, em vontade de continuar a plantar flores, vermelhas, brancas, azuis,
no sorriso de cada um, no sorriso em direcção àquele ou àquela com quem nos cruzamos
e que, porventura, é capaz de vir acabrunhado sob o peso não dum cântaro físico
mas dum cântaro sofredor. Olá! Sorria para mim, responda ao meu «bons dias!»,
deixe da mão a nuvem negra, sopre-a já para longe.
Murcharam
as mãos que tanto labutaram. Também as nossas, um dia, vão murchar. Até lá,
porém, temo-las, temo-las para um abraço, um caloroso aperto de mão, para a
suave carícia no rosto duma criança ou na face da pessoa com quem vivemos o
Amor. Mãos calejadas serão, decerto já não da enxada; os calos serão doutro
género, porque nossas mãos diariamente muito souberam e continuarão a saber escrever,
saudar, comunicar. Murcharão, sim; mas continuarão a falar!
Amigo
Vítor Barros, bem hajas!
José
d’Encarnação
Publicado em Notícias de S.
Braz [S. Brás de Alportel], nº 337, 20-12-2024, p. 17.