terça-feira, 6 de setembro de 2016

Assoa-te, môce!

            Ums das aprendizagens mais difíceis para a criança de mui tenra idade é assoar-se! Precisa de fazer força, os adultos bem exemplificam, mas… não há meio! E a pior vergonha é o bebé de nariz sujo, aquela mucosa gelatinosa a querer escorrer… Os pais bem se esforçam:
            ‒ Assoa-te, môce! Não tens um lenço?
            Dizem-me que a palavra «assoar» virá do Latim: ‘ad + sonare’; ou seja, a preposição ‘a’ com o verbo ‘soar’. Tem lógica, se pensarmos que é acto habitualmente ruidoso, e bem ruidoso por vezes. Contudo, o que se limpa é o ranho, vocábulo exclusivamente galaico-português que os dicionários apontam como plebeísmo e eu gostava de saber se só os plebeus a usam e como é que os ‘outros’ lhe chamam: mucosidade nasal?
            Agora pergunto eu: donde é que a palavra virá? Não encontro explicação e quer-me parecer que será mais uma daquelas, com significação concreta, que nós herdámos do árabe. Os arabistas que o deslindem!
            Para já, esclareça-se que não há ovelha ‘ranhosa’, mas sim ‘ronhosa’, de ronha, matreirice… Esse adjectivo tem, porém, aplicações no dia-a-dia:
            ‒ Eles são todos uns ranhosos!
            Para significar reles, maltrapilhos, a juntar a aparência física (do ranho) a uma realidade psicológica de baixo jaez que obrigatoriamente lhe estará subjacente.
            ‒ Olha lá, que não quero uma coisa ranhosa!
            Aqui: de aspecto desagradável, sem jeito, de má qualidade.
            Fruto de montagem ou real, a imagem do menino sírio Omran – além do que se quis simbolizar como vítima de guerra fratricida – ocorreu-me naturalmente, ao ousar discretear aqui (que me perdoem!) sobre o ranho e os ranhosos. Queiramos ou não, ambos existem – e ambos precisam de um lenço. Branco, de preferência!
 
                                                           José d’Encarnação

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 212, Setembro de 2016, p. 10.

 

5 comentários:

  1. Devemos habituar as crianças e terem um lenço sempre à mão. Quando eu era menina, faziam sempre um bolso no bibe e no vestidinho, para eu ter o lenço de assoar. Ainda hoje vou habituando os meus sobrinhitos a levarem o saquinho dos lenços na mochila para a escola.

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  2. Ainda em redor da criança síria e de todas as demais - aqui com óbvia expressão de duplo sentido, pois a sua quantidade confrange-nos -, não menos complexa será, aparentemente, a incapacidade de alguns crescidos lidarem capazmente com os pequenos ranhosos à força de serem tão ronhosos... Grande abraço, caro Professor. Sempre a ilustrar-nos a vida!

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  3. Ana Castro Salgado
    13/9 às 1:52

    Se não fosse o Professor, eu ainda estava na ignorância. Não sabia que havia dicionários que consideravam ranho como plebeísmo. Fui investigar. Pois a obra em que encontrei essa informação, também diz que o sinónimo é mouco! Minha nossa, o programa ainda não fala, mas sejamos mesmo surdos! É 'monco', não 'mouco'! Eu sou uma plebeia e digo ranho. Gente fina é outra coisa. Eu devia ter vergonha! Ranho surge por derivação regressiva de ranhoso que, por sua vez, é uma alteração de ronhoso. Também há uma outra definição que me faz chorar baba e ranho: "substância mais ou menos viscosa...". De gritos! Valham-me os seus textos e a boa disposição que geram em mim. Um lenço branco, por favor. É assim, mais ou menos, o que eu preciso.

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  4. Nelson Belt

    Caro Professor e Amigo,
    Chamar ranhoso era do mais depreciativo que podia ser. Aqui em Coimbra a rapaziada do Terreiro do Marmeleiro e da Rua Direita era conhecida pelo nome de "Ranho ao Nariz", epíteto que hoje curiosamente ostenta com orgulho. Recolhi esta quadra por aqui: «Ó meninas da Figueira / Arredai-vos para o lado / Que lá vêm as de Buarcos / Co' ranho dependurado». Rivalidade entre Buarcos e a Figueira que ainda hoje se mantém...

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  5. Aurora Martins Madaleno
    15/9 às 20:27

    Gostei da quadra que mostra a rivalidade entre as moças de Buarcos e as da Figueira!

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