sábado, 3 de agosto de 2019

Acabar, acabar, acabar!


            Em vésperas de terminar a legislatura, o normal será que os deputados diligenciem por levar a bom porto o que, algum dia, tiveram entre mãos e gostavam de ver concluído.
            Contava-me o Zé, há dias, das trocas de palavras que tinha, amiúde, com a patroa:
            – A senhora, estou eu com as mãos na massa, pede-me com urgência que meta mãos noutra!..
            Ocorrem-me, a este propósito, as passagens de dois livros. Uma é deveras conhecida, d’Os Lusíadas (canto I, estrofe 40):
            «E tu, Padre de grande fortaleza, / Da determinação, que tens tomada, / Não tornes por detrás, pois é fraqueza / Desistir-se da cousa começada».
            A outra vem num dos meus livros de cabeceira preferido desde a juventude, de folhas amarelecidas e amplamente sublinhado ele está, A Arte de Estudar, de Mário Gonçalves Viana (Editora Educação Nacional, 1943, p. 178):
            «Ao trabalhos começados e não acabados representam uma tortura, constituem uma espécie de repreensão constante, de sinal-de-alarme, de remorso vivo! Michelet confessava a Goncourt que estes trabalhos iniciados, e não concluídos, lhe produziam não só graves preocupações, mas terríveis dores de cabeça. A maneira como conseguiu dominar este mal foi bem simples: habituou-se a fazer incidir o seu pensamento e o seu esforço, de cada vez, sobre uma só coisa, sobre um único assunto».
            Essa frase põe o acento numa realidade a que, com enorme frequência, se não dá atenção: o tempo do pensamento.
            Pedem-te, por exemplo, que digas umas palavras no aniversário da colectividade. “Coisa pouca", dizem-te, “que tu já estás habituado!”. Certo: serão cinco minutos! Contudo, e os instantes que medeiam entre o momento em que te fazem o convite e o acto em si? Não te acontece que, de vez em quando, te lembras e pensas no que será importante dizer? Ou seja, o tempo do pensamento vai ser bem superior ao dos “escassos" cinco minutos da intervenção – aspecto que é muito raro ter-se na devida conta.
            Portanto, nunca será de mais batalhar para que, na nossa vida e na da comunidade, as obras de Santa Engrácia se concluam! Para serenidade de todos!

                                                        José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 759, 2019-08-01, p. 11-12.

1 comentário:

  1. Uma coisa de cada vez, não é? Até porque quem muitos burros toca, algum deixa para trás, e não convém...
    O tempo de quem apresenta um livro, ou o tempo gasto por um professor para apresentar a sua lição, não se limita ao tempo "visível", passível de ser medido. Eu sei bem disso, porque te devo muitos momentos traduzidos em palavras que acarinham o meu trabalho. Com eterna Amizade

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