sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Gostávamos de saber…

                Ele ali está, quando menos se espera, até ao domingo. Sabe que, sendo parque diante dum hospital, os utentes, apressados ou distraídos ou pensando que, ao fim-de-semana, o fiscal não está para vir bem lá da baixa até ali, zás! Ele aí está. E multa, multa – que, de facto, os seis escassos lugares ali disponíveis são bem preciosa árvore das patacas para os cofres da empresa camarária que gere os parquímetros e que tudo vem fazendo para alargar o seu campo de acção. E, se calhar, o próprio fiscal, por serem horas extraordinárias acaba por arrecadar mais algum!
            Uma mina, essa, para a tal entidade pública omnipresente, sob as mais diversas fardas, nas autarquias de todo o País. Que o automóvel, senhores, embora há muito tenha deixado de ser objecto de luxo, como tal ainda se continua a considerar. Interessa. Paga IUC, paga portagens, paga estacionamento!...
                Muito eu gostava de saber duas coisas de cada uma das autarquias:
                – Primeira: de quanto é o rendimento anual dos parquímetros?
               – Segunda: quanto é que desse rendimento se aplica no arranjo e manutenção dos arruamentos. Ou será que o grosso da despesa é constituído pelo vencimento dos administradores?
            No fundo, agora que se começa a pensar também em campanhas autárquicas, muito eu gostaria de ver os candidatos comprometerem-se a prestar periodicamente contas aos munícipes. A convocarem bimensal, trimestralmente ou mesmo semestralmente só que fosse, a comunicação social local e nacional para uma conversa, com os dados na mesa: senhores, o que estamos a fazer é isto; temos dinheiro para a iniciativa X; ainda não temos para a Y; com os parquímetros arrecadámos tantos milhares e, desses, um terço foi para ordenados do pessoal, outro terço para obras nas rodovias, o 3º terço para assistência social. É uma hipótese. claro. E o IUC foi para onde?
            Reclama-se transparência;  mas, na verdade, nestes governos locais que até mais nos tocam do que o central, lá de Lisboa, de gente que frequentemente do país real até pouco conhece, destes governos locais é que nós bem gostaríamos de saber por que águas é que os seus euros navegam. Oh! se gostaríamos!...

                                               José d’Encarnação

Publicado no jornal Renascimento (Mangualde), nº 875, 20-02-2025, p. 10.

Reconhecimento

           – Olá, boa noite!
            – Boa noite. Estou aqui à espera dum amigo. Tinha ideia de que pusera o número do telemóvel dele no meu e agora não o consigo encontrar e gostava de lhe dizer que já cheguei.
            – Já viu no whatsapp?
            – Sim, no whatsapp, no Messenger, nas sms, no email, nos contactos. Depois. não tenho regras para pôr os nomes na lista, umas vezes pelo nome como conheço a pessoa, outras pelo apelido, outras pelo 1º nome… Uma desgraça!
            – Mas esse seu amigo não é o meu marido, o Manel Henrique?
            – É, claro!
            – Deve estar a chegar, foi estacionar ali.
            Nesse momento, se buraco ali houvera, o Toino meter-se-ia por ele abaixo, de vergonha: não reconhecera a esposa do amigo! Beijara-a quando ela chegou, esteve todo o tempo na conversa, tomara-a por uma das suas conhecidas ligadas à organização que promovera o espectáculo para o qual guardara os dois bilhetes que tinha para dar ao amigo.
            O amigo enfim chegou, deu-lhe os bilhetes e omitiu a vergonha de não lhe ter reconhecido a mulher.
            De volta a casa, meditou, meditou, arrependeu-se de não ter tido logo coragem de perguntar o nome, jurou que tal não voltaria a acontecer. Sabia que era assim: agora, octogenário, haveria de lhe acontecer muitas vezes não se lembrar do nome das pessoas suas bem conhecidas.
            Conhecimento é uma coisa, reconhecimento outra. Reconhecimento da voz, reconhecimento de cadáveres, reconhecimento igual a gratidão, «foste ver a Maria, ela reconheceu-te?»…
            Tomou consciência do verdadeiro significado da palavra. Importante era o doente reconhecer o filho que o vinha visitar…Importante era, enfim, reconhecer as suas limitações e agir em conformidade. Sem vergonha de ser como é. De se lembrar do passado e de não se lembrar do que ia buscar ao frigorífico mesmo depois de lhe ter aberto a porta…

                                                                                   José d’Encarnação

Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 339, 20-02-2025, p. 13.