–
Olá, boa noite!
–
Boa noite. Estou aqui à espera dum amigo. Tinha ideia de que pusera o número do
telemóvel dele no meu e agora não o consigo encontrar e gostava de lhe dizer
que já cheguei.
–
Já viu no whatsapp?
– Sim, no whatsapp, no Messenger, nas
sms, no email, nos contactos. Depois. não tenho regras para pôr os nomes na
lista, umas vezes pelo nome como conheço a pessoa, outras pelo apelido, outras
pelo 1º nome… Uma desgraça!
–
Mas esse seu amigo não é o meu marido, o Manel Henrique?
–
É, claro!
–
Deve estar a chegar, foi estacionar ali.
Nesse
momento, se buraco ali houvera, o Toino meter-se-ia por ele abaixo, de
vergonha: não reconhecera a esposa do amigo! Beijara-a quando ela chegou,
esteve todo o tempo na conversa, tomara-a por uma das suas conhecidas ligadas à
organização que promovera o espectáculo para o qual guardara os dois bilhetes
que tinha para dar ao amigo.
O
amigo enfim chegou, deu-lhe os bilhetes e omitiu a vergonha de não lhe ter
reconhecido a mulher.
De
volta a casa, meditou, meditou, arrependeu-se de não ter tido logo coragem de
perguntar o nome, jurou que tal não voltaria a acontecer. Sabia que era assim:
agora, octogenário, haveria de lhe acontecer muitas vezes não se lembrar do
nome das pessoas suas bem conhecidas.
Conhecimento
é uma coisa, reconhecimento outra. Reconhecimento da voz, reconhecimento de
cadáveres, reconhecimento igual a gratidão, «foste ver a Maria, ela
reconheceu-te?»…
Tomou
consciência do verdadeiro significado da palavra. Importante era o doente
reconhecer o filho que o vinha visitar…Importante era, enfim, reconhecer as
suas limitações e agir em conformidade. Sem vergonha de ser como é. De se
lembrar do passado e de não se lembrar do que ia buscar ao frigorífico mesmo depois
de lhe ter aberto a porta…
José d’Encarnação
Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 339, 20-02-2025, p. 13.
Acontece aos melhores, isto é, já nos acontece...
ResponderEliminarEugenia Serafini
ResponderEliminarMolto toccante questa riflessione profondamente umana e necessaria alla nostra società spesso distratta e incurante.
Grazie José!