sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Reconhecimento

           – Olá, boa noite!
            – Boa noite. Estou aqui à espera dum amigo. Tinha ideia de que pusera o número do telemóvel dele no meu e agora não o consigo encontrar e gostava de lhe dizer que já cheguei.
            – Já viu no whatsapp?
            – Sim, no whatsapp, no Messenger, nas sms, no email, nos contactos. Depois. não tenho regras para pôr os nomes na lista, umas vezes pelo nome como conheço a pessoa, outras pelo apelido, outras pelo 1º nome… Uma desgraça!
            – Mas esse seu amigo não é o meu marido, o Manel Henrique?
            – É, claro!
            – Deve estar a chegar, foi estacionar ali.
            Nesse momento, se buraco ali houvera, o Toino meter-se-ia por ele abaixo, de vergonha: não reconhecera a esposa do amigo! Beijara-a quando ela chegou, esteve todo o tempo na conversa, tomara-a por uma das suas conhecidas ligadas à organização que promovera o espectáculo para o qual guardara os dois bilhetes que tinha para dar ao amigo.
            O amigo enfim chegou, deu-lhe os bilhetes e omitiu a vergonha de não lhe ter reconhecido a mulher.
            De volta a casa, meditou, meditou, arrependeu-se de não ter tido logo coragem de perguntar o nome, jurou que tal não voltaria a acontecer. Sabia que era assim: agora, octogenário, haveria de lhe acontecer muitas vezes não se lembrar do nome das pessoas suas bem conhecidas.
            Conhecimento é uma coisa, reconhecimento outra. Reconhecimento da voz, reconhecimento de cadáveres, reconhecimento igual a gratidão, «foste ver a Maria, ela reconheceu-te?»…
            Tomou consciência do verdadeiro significado da palavra. Importante era o doente reconhecer o filho que o vinha visitar…Importante era, enfim, reconhecer as suas limitações e agir em conformidade. Sem vergonha de ser como é. De se lembrar do passado e de não se lembrar do que ia buscar ao frigorífico mesmo depois de lhe ter aberto a porta…

                                                                                   José d’Encarnação

Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 339, 20-02-2025, p. 13.

2 comentários:

  1. Acontece aos melhores, isto é, já nos acontece...

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  2. Eugenia Serafini
    Molto toccante questa riflessione profondamente umana e necessaria alla nostra società spesso distratta e incurante.
    Grazie José!

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