quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

De braços caídos

         
Narcissus poeticus - a ilustração escolhida por Jorge Paiva

   
            Basto significativos são sempre os gestos dos nossos braços. Há votações de braço no ar; há os braços cruzados numa atitude de expectativa ou de alguma serenidade; há o abraço ‘forte’ ou ‘terno’, como vamos dizendo nas nossas mensagens de email; e há os braços caídos, de desalento.
            Não gosto dos braços caídos, lânguidos, sem acção – qualquer que seja o motivo que assim determinou.
            O Professor Jorge Paiva, intrépido defensor, há décadas, da biodiversidade, acaba de comunicar que, ultrapassada a fasquia dos 90, deixou cair os braços. Já lhe ripostei, discordando: não pode fazer isso, senão nós próprios, um tudo-nada mais novos, vamos desanimar também!...
            A sua reacção é, porém, forte que nem muralha romana:

            «Após mais de meio século de atividade cívica pelo Ambiente e pela Natureza, tenho plena consciência de ter sido um luta improfícua. Proferi cerca de 2500 palestras de educação ambiental, na sua maioria em escolas. Os alunos ficavam sensibilizados e despertos para o desastre ambiental do Planeta Terra, a Gaiola que habitamos».

            Chegados a adultos, estimulados pelo consumismo, «esqueceram tudo o que ouviram. Reflexo disso são os actuais políticos e governantes (…) que nada fazem para travar ou minimizar o desastre ambiental corrente».
            «Também eu fui um ‘lírico’», comenta, ao referir-se a Camões. E não deixa de traçar de seguida o quadro assustador:
 
             «A Gaiola em que vivemos está imunda, plena de poluição gasosa, líquida e sólida, muito quente, com frequentes incêndios, o nível médio oceânico a subir, as calotes dos gelos polares e das altas montanhas a desaparecerem, tempestades com inundações devastadoras, grandes lagos a secarem e regiões do globo a desertificarem».

            E, por isso, conclui, no habitual postal de Boas Festas:

            «O meu desalento é enorme».

            E garante que, após este 35º postal, não vai escrever mais – não vale a pena!
            Apoio, porém, o seu voto esperançoso pelo ordenamento florestal e pela humanização das nossas montanhas. Amém!

                                                                       José d’Encarnação

Publicado no jornal Renascimento (Mangualde), nº 874, 20-01-2025, p. 10.

8 comentários:

  1. Compreendo tão bem o Professor Jorge Paiva que eu mesma já escrevi um texto com o titulo " Não Vale a Pena".
    Por outros detalhes, que no essencial vão dar ao mesmo.
    O mundo muda a cada instante e quando dizemos mundo, queremos dizer as circunstâncias e mais ainda as pessoas que as proporcionam.
    A ideia de finitude leva os indivíduos a convencerem-se que nenhum esforço surtirá efeito para melhorar, neste caso o resultado do apelo dos ambientalistas, como em outros casos a correcção com quem lidamos. Os agressivos são mais respeitados.
    Um tema que daria para ocupar uma equipa de investigação em vários domínios, ou ramais, que talvez chegassem, pelo menos, a uma conclusão inequívoca: queremos todos apoio, conforto, reconhecimento, mas o mundo completamente dividido, diz bem do individualismo que se instalou.
    Não há vontade de pugnar por causas comuns.
    Estamos todos (muitos) de braços caídos.
    Muito gata por este texto que traz à lembrança um assunto tão importante como tema de discussão

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  2. De: Paulo Morais Alexandre
    Às vezes, mesmo sem chegar aos 90, apetece baixar os braços, sobretudo num mundo cada vez com menos ética, estética e poética.

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  3. De: Pires Laranjeira
    22 de janeiro de 2025 14:18
    Que estejas bem!
    Custa muito ver que alguém baixa os braços, mas compreendo… É uma certa idade, o desalento de ver que palavras, tantas vezes, e tantas, leva-as o vento e a calmaria, e que, contra certos ares dos tempos, deveriam ser as novas gerações a lutarem impiedosamente. Nem sempre acontece. As irrelevâncias do quotidiano são mais que muitas e, cada vez mais, deixa-se andar, deixa-se a vida rolar. E entra-se por comodismos e caminhos de traição à humanidade humana.
    Se ele estiver lúcido, com bem-estar, sereno e aproveitando as belezas da vida, também tem o direito de se retirar, “baixar os braços” e que outros prossigam. Já fez muito!
    Abraço.
    ,,,
    Respondo (JdE): Bem hajas, meu caro Pires Laranjeira.
    É sempre bom ter eco do que se escreve.
    Jorge Paiva é dos que toma sempre banho com água fria!... Ultrapassou os 90 anos com uma saúde invejável e continua a ir regularmente ao Departamento de Ciências da Vida.
    Forte abraço

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  4. De: Aurora Martins Madaleno
    Enviada: 22 de janeiro de 2025 16:50
    Um texto que li com muita atenção. E com razão ou sem ela, temos de continuar a defender o Ambiente.

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  5. Quão consolador é receber, logo pela manhãzinha cedo, do Prof. Jorge Paiva esta mensagem:
    23 de janeiro de 2025 07:54
    Caro Professor,
    Muito obrigado. Estou lúcido e continuo a trabalhar. Neste momento estou num gabinete do Departamento de Ciências da Vida da Univ. Coimbra, desde as 7 da manhã. Ainda em 2024 publiquei uma espécie nova para a Ciência; uma árvore que encontrei no Poco Mesa da Ilha do Príncipe.
    Abraços,
    Jorge Paiva

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  6. De: Adília Alarcão
    22 de janeiro de 2025 22:49
    Caro José D'Encarnação, meu Amigo,
    antes de mais, que esteja(m) bem neste início de ano tão pouco dinamizador das nossas esperanças sobre um mundo melhor. Eu acredito
    que a Humanidade caminha por ciclos e que este é um dos maus.
    Escrevi um postal simpaticamente ecológico ao Jorge Paiva. Disse-lhe que quando se chega à nossa idade — exactamente a mesma
    para ambos — se tem o direito e a obrigação de verificar o Deve & Haver das nossas vidas, e decidir sobre o tempo que resta. Ele que tanto deu, não
    aceita, mesmo sabendo que não é culpa sua, o (relativo) insucesso da luta pela Natureza. Temos de ser mais modestos!
    Gostei muito do texto que lhe dirigiu.

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  7. Ana Teresa
    Triste, muito triste. Nós já não nos resta muito, pouco seremos prejudicados pelas alterações ambientais, mas os nossos filhos e netos, é neles que penso e sinto pavor pelo que há-de vir. Ainda por cima tomou posse um dos maiores (a par de, pelo menos, Bolsonaro) negacionistas das alterações climáticas. A primeira coisa que fez foi sair do Acordo de Paris. Os maiores poluidores são também os países com maior densidade demográfica, Índia e China. O que podem os (fracos) países europeus ante estes colossos ? Por muita escolha e separação do nosso lixo caseiro, uma gota de água num oceano, não se chegará ao evitar do desastre que acontecerá a este pobre, cansado e castigado planeta. Muitos animais e plantas á beira da extinção, pois os (des)humanos vão invadindo o seu espaço, o seu habitat.

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