quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Nam botes qu’eu nam bebo!

             

             A frase goza de um sentido claro: a pessoa não tem o hábito de beber (e, geralmente, o referente é o vinho) ou achou, naquele momento, que já bebera o bastante.
 Claro, claro não é, porém, tal sentido em contexto barrocalense, onde, em tertúlia de amigos, o dito significa exatamente o contrário, naquela entoação irónica que é timbre nosso.
 Surgiu-me, de repente, o idiotismo e decidi ir ver mais acerca do verbo “botar”, pois se usa também, por exemplo, assim:
– Vê lá, não botes má figura que me deixas ficar mal!
Por conseguinte, dois significados:
– um, físico; o deitar;
– outro, figurado, o de ‘aparentar’, ‘fazer com algum aparato’.
O verbo ‘botar’ tem, afinal, bem ancestrais raízes. Dizem os entendidos que pode assinalar-se como seu antepassado *bōtan, vocábulo do germânico antigo (uma das variantes do vetusto indo-europeu que está na base de todas as línguas europeias), que primitivamente significaria ‘golpear’. Daí terá vindo ‘botare’ no chamado «baixo latim», ou seja, no latim aculturado já com os linguajares locais, e também o provençal ‘bouter’, empurrar.
Na tertúlia de amigos, porém, o ‘nam botes’ nada tem de empurrar ou golpear – é, simplesmente, tomar cuidado, não vale derramar, que todas as gotas se hão de querer aproveitar em álacre companhia!

                                                           José d’Encarnação

 Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 347, 20-10-2025, p. 13.

2 comentários:

  1. Ora por esta é que eu não esperava! De imediato, após a leitura, a Maria Delfina ripostou «Já foi!» e a Maria Helena foi ainda mais longe: «Ia... se eu conseguisse bebia um copo cheio.
    Mas não, sou quase abstémia». Vamos, então, continuar a botar, porque, Helena, não é obrigatório que seja de aguardente de medronho ou de figo, pode ser - porque não? - umas ginjinha!

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    1. Por seu turno, a Maria José Matos enviou boneco, com ar todo regalado, de língua de fora a lamber-se! À nossa saúde, querida Mizé!

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