terça-feira, 17 de dezembro de 2013

A cadeira

      Uma cadeira de plástico, branca, perdida no meio do campo por cultivar, moita aqui moita acolá, como que receosa da energia latente nos grossos e barrigudos fios de alta tensão que, do alto, a parecem vigiar.
      Será que espera alguém: pastor, poeta, monge?...
      Estou a chegar a Pinhal Novo. Arenoso é o solo, pelo que consigo ver da janela do comboio; a vegetação, rasteira: carrascos, troviscos, zimbros sonham – ou temem? – azinheiras, sobros ou mesmo singelo pinhal?… Que, se essas árvores vierem – ou, ainda pior, os eucaliptos! –, deixarão de ser acarinhadas por felosas, piscos, fuinhos, toutinegras, melros…
Será difícil voltarem a ver ninhos, no chilrear nervoso das crias sempre à espera do cibato guloso. Fugirão dali as lagartixas, as cobras e os lagartos…
Uma ameaça a cadeira? Sim, claro, se for antecipação doutros entulhos. Mas se, ao invés, ali deixada em final de tarde sereno, for convite à meditação fecunda, à comunhão fraterna em franciscano jeito… abençoada será, mesmo sendo de plástico, mesmo estando solitária naquela matizada vastidão de verdes!... Acolherá pensador, poeta, um eremita quiçá, com sede de reflexão!...
Não se poderá, todavia, ficar indiferente à imagem de uma cadeira assim, pespegada em solidão. Ali, pese embora o que atrás se imaginou, o que resulta evidente é o desaforo do abandono, quando os municípios se esforçaram por criar competente e eficaz serviço de recolha de «monstros». Atirar uma cadeira para o meio do mato!... Depressa outros «monstros» lhe virão, decerto, fazer companhia  E mais outros. E o mato, sufocado, não tardará a morrer; os verdes lagartos fugirão de vez e os pássaros terão de procurar novo abrigo para nidificar em segurança.
Fez-me pena.
Como, de resto, me cortou a alma ver pela linha adiante os edifícios de estações e apeadeiros votados ao mais completo abandono. E o comboio que é – continua a ser! – meio de transporte rápido, eficaz, seguro e… barato!
Duas faces de uma mesma e errada estratégia económica: a cadeira e as estações perdidas!...

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 628, 15-12-2013, p. 19.

5 comentários:

  1. É mesmo assim, Amigo ! Temos um Portugal cheio de discrepâncias ! A natureza há-de um dia pedir contas aos homens,por tanta burrice !...Um Portugal que governado por gente inteligente,sensível e previdente,poderia ser um oásis - paisagem gentes,história..enfim ! um beijo clara p.

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  2. Joaquim Isqueiro escreveu: "Belo texto, amigo, isso é que é escrever. Lê-se como se, em viagem, olhássemos pela janela do comboio. Podia ser alegre, divertido, prazenteiro; mas é triste. No entanto, tem o romantismo duma tranquila viagem de comboio e encontrei nele algo de premonitório. Não será aquela a "Cadeira do Poder", que foi arrojada por força da natureza ofendida, para o campo que o dito desprezou??? É que a imagem da "cadeira" que se solta e foge ao "Poder", faz lembrar uma outra, de onde o "Poder" caiu...Um grande abraço e obrigado por tão belo texto, ilustre amigo J. d'E...!"

    Eu é que devo agradecer o teu comentário, meu caro Joaquim! E fico lisonjeado com a apreciação!


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  3. Leonor Casaleiro:
    Belíssimo texto que, com palavras tão simples, revela a solidão de tanta gente, sem esperança de uma Esperança.

    - Bem haja, Leonor!

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  4. Joaquim Isqueiro:
    Grande e bela produção de palavras com sentido, amigo José d' Encarnação...! Que nunca te doa a caneta... ou teclado...! Grande abraço e BOAS FESTAS...!!!

    Bem hajas, amigo Isqueiro! Votos retribuídos, com Amizade!

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  5. Aurora Martins Madaleno escreveu: "Obrigada, Senhor Professor. Nunca é demais falar daquilo que seria melhor para o interior do País. A linha da Beira Baixa também deve ser melhorada e ir até à Guarda, como era antigamente. O Sabugal merece mais atenção, pois vemos a estação do Barracão com saudade."

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