quinta-feira, 2 de junho de 2016

A serra, o nosso tesouro!

            Desde pequenino que vivo com a Serra de Sintra, como acontece com todos os cascalenses. Saudamo-la pela manhã e ficamos logo a saber que tempo vamos ter, independentemente do que apregoarem científicos boletins meteorológicos. A serra não se engana nem engana.
            Por outro lado, não é uma serra ímpar, a desdobrar-se, sedutora, em colinas e requebros, desde o píncaro da Cruz Alta, a nascente, até esmorecer no mar? É que a gente acaba por a conseguir abarcar toda com o olhar! E assim até parece que fica mais nossa!
            Por sinal, eu até apreciaria que à Cruz Alta se desse maior relevo. Sei lá: uma iluminação; o desbaste da vegetação que a encobre… Claro, podia zangar-se o palácio da Pena, dominador, ele, dia e noite, a ver-se também de todo o sítio. Mas, com uma conversinha, resolviam-se eventuais ciúmes e creio que conviveriam bem a cruz e o palácio. Quiçá, bom exemplo seria de convivência sã entre religião e poder, num ambiente deveras paradisíaco.

Uma inesperada perspectiva
            Fui internado no 6º piso do Hospital de Cascais, com mui preciosa vista para a serra. E foi uma sensação! Porque tu vês habitualmente a serra cá de baixo ou, então, entras por ela adentro, saboreias uns medronhos, inebrias-te de frescura e de ar puro, mas… estás dentro dela! Daqui a sensação é outra, porque o teu plano de visão coincide com o meio da montanha e ficas mesmo com a impressão de que estás irmanado com ela.
A serra, neste momento (raro!), desembrulhada de neblinas, assume daqui um aspecto quase irreal. Também eu nunca me demorara assim tanto a observá-la, na infinita variedade dos seus verdes e nesse ondulado das colinas, magas a quererem esconder-nos o que está do outro lado!... Ah! E o tom amarelo-alaranjado do Palácio da Pena? Não há alternativa: tem mesmo de dizer-se que é… altaneiro! Como el-rei o mandou plantar, num píncaro que de todos os lados se alcança – como ele os quereria certamente abarcar a todos. Aquele palácio assim… tem que ser: presta-se a tudo o que é história de amantes, de visionários, de paixões, de silenciosos retiros…
Nunca me apercebera também daquela larga mancha que eu desejaria de seara, com sua casinha de apoio, a espreitar, caiada, sob uma árvore…

O final do dia
             Se todos os momentos do dia são únicos na serra, há um que reúne em si tudo o que de mais sublime Sintra nos pode oferecer.
            Com Febo (o deus sol dos gregos) a mergulhar nos braços do Oceano, como escreve Camões n’Os Lusíadas, o poente visto daqui assume colorações únicas, porque a luz do dia ali vai lentamente esmorecendo, vestindo-se de azul e laranja. E já, aqui e além, na Biscaia, na Figueira do Guincho, nas Almoinhas Velhas, as luzes vão surgindo, quais estrelas num firmamento que parece resistir a adormecer. Só depois, paulatinamente, Malveira, Janes, Zambujeiro darão acordo de si…
E se olhas para cima? Meu Deus, isto é fumarada de vulcão? Gordos flocos de algodão, nuvens bem cinzentas e carregadas numa correria para sul!... E tudo ali, quase à mão de semear, tão perto está. Um misto de brincalhona correria de crianças e da façanhuda ameaça de um deus vingador. Que maravilha!
            Em baixo, hierático, imponente, saudoso de vida, o canhão salvaguardado na rotunda parece estar a dizer-me:
‒ Descansa! Amanhã será outro dia e eu vou vigiar a tua noite!
 
                                            José d’Encarnação

                     Publicado em Costa do Sol Jornal, nº 141, 25-05-2016, p. 6.

Serra de Sintra - panorama nascente

Serra de Sintra - panorama poente

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