terça-feira, 2 de agosto de 2016

Saber da missa a metade

             Nos tempos em que os rituais religiosos católicos constituíam parte integrante do quotidiano, fácil era compreender expressões como «Tu nem sabes da missa a metade» ou «ainda a procissão vai no adro»! Hoje, outras expressões se usarão, ainda que o sentimento seja o mesmo: muito se passa à nossa volta, e mesmo connosco, para que não temos uma explicação; ou melhor, só a reflexão nos permite, depois, tirar conclusões – se é que se não mantém tudo no domínio do inexplicável...
            Não me admira, porque também eu tive um baque e achei que era um sinal. De quê, não sei; mas decerto haverá quem já tenha explicado o que foi e porquê. Aquela borboleta a poisar de imediato no sobrolho do Ronaldo não foi obra do acaso – que não andam borboletas assim sem mais nem menos em movimentado campo de futebol!...
            O sinal é dessoutra dimensão que a nossa existência tem e da qual nem sempre, por distraídos, nos apercebemos.
            Lembro-me logo daquela amiga que perdera o filho muito jovem, e, dias depois, um passarinho lhe veio poisar no ombro, pipilou e sumiu. Ou do Faustino, cujo pai era pescador: «Um dia, hei-de ser gaivota», dizia-lhe ele. E, um dia, na auto-estrada do Sul, falecera-lhe o pai há pouco, ameaçadoras nuvens de tempestade, caía aguaceiro forte e Faustino com a natural ansiedade. De repente, vinda não se sabe donde, uma gaivota voou-lhe duas, três vezes à frente do carro e desapareceu no ápice. E uma serenidade imensa o inundou. Só mais tarde, bastante mais tarde., é que se lembrou da conversa do pai: «Eu hei-de ser gaivota!».
            Tem cada um de nós ligação especial a um outro mundo. Acreditavam os Romanos que havia para cada homem um Genius a protegê-lo e para cada mulher uma Juno. O Alberto fala-me amiúde de «os nossos anjinhos»: «Se não consegues fazer é porque não é para fazer, acredita! Vamos aguardar!». E ele tem sempre razão. «Os nossos anjinhos». Julgo que todas as religiões terão essa crença em alguém que está ao nosso lado e que importa ouvir, um «anjo da guarda».
            «Será que desliguei o gás?». Volta-se atrás, o gás estava desligado, mas… aquela chave, afinal, ficara ali mesmo esquecida, em cima da mesa da cozinha, e tanto que iríamos precisar dela!...

                                                   José d’Encarnação
 
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 690, 01-08-2016, p. 11.

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