sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Às três pancadas

       ‒ Bolas, homem! Fazes tudo às três pancadas!
      Gosto da frase, que é como quem diz: pancada dum lado, toque do outro, ajuste num terceiro e… zás! Tá pronto!
      Meu pai usava boina basca, como era hábito nos anos 50; e mofava comigo sempre que eu punha a minha às três pancadas, sem jeito: «Põe-me a boina direita, môce!».
      Significava a frase ‘desmazelo’ e utilizava-se muito em relação à indumentária, quando a pessoa não revelava cuidado consigo. Hoje, parece que temos sempre os segundos todos contadinhos, numa correria. E há, por isso, o risco de fazermos muitas coisas às três pancadas.
      Pensava eu que a Internet, por exemplo, e, designadamente, essa maravilha que é o correio electrónico, pela sua eficácia e rapidez, acabaria por nos deixar mais tempo livre ou, pelo menos, nos ajudaria a fazer as coisas menos atabalhoadamente. Puro engano o meu! E o pior é que, nesse aspecto, o mau exemplo está a vir de cima, dando a ideia de que todos os senhores cultos andam que nem loucos e nem sequer vêem o que estão a fazer! Como aquele sábio grego que caminhava a olhar para o céu, a estudar os astros e – catrapuz! – espetou-se num buraco do chão!
      Ora vejam-se estes exemplos:
      – Recebo uma mensagem electrónica que tem como assunto «Eulalia» e traz o anexo «TARJETON PROGRAMA.qxp.MaquetacioÍn 1. pdf». Pdf sei o que é: a sigla de «Portable Document Format», «formato de documento portátil». E o resto, o que é?
      Um colega meu enviou-me um artigo intitulado ATT00599!...
      – Um outro dizia: AAAd 84 Cresci Marrone – Cresci
      – Outro ainda: 25_pdfsam_Turtas_interno – Mastino
      E textos que recebo sem indicação da revista onde foram publicados ou ainda com as linhas de corte nas páginas!?...
      Ou seja: aparentemente ou é ignorância e o pessoal não sabe como é que se muda o título de um anexo ou não está para se maçar e… faz tudo às três pancadas, meia bola e força!
      Um sintoma triste, sobretudo por partir de quem parte: de pessoas cultas e de instituições de prestígio! Para quê correr tanto e não se aprimorar?
      Lembro-me do anúncio daquele uísque:
      «Todos os dias, milhões de pessoas se levantam do lugar antes de o avião parar os motores! Para quê tanta pressa?!... Uísque Y – para saborear sem pressas!...».
      Pois.

José d’Encarnação

Publicado em Renascimento [Mangualde], nº 697, 01-12-2016, p. 10.

 

 

6 comentários:

  1. Joaquim Cardoso
    2/12 às 16:36
    Às 3 pancadas é como nós andamos todos...

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  2. Albino Ladino
    2/12 às 14:17
    Ótimo! às três pancadas sobre correio, Internet, correio eletrónico, etc.

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  3. Vítor Fialho
    2/12 às 17:09

    Caro Professor, acabo de ler a sua crónica. Bastante assertiva, sem sobra de dúvida! Pelo que nos deu a conhecer pela sua crónica (permita-me a intromissão, mas como lido diariamente com computadores, emails, etc... tenho algum conhecimento de causa), penso que reinam os dois estados simultaneamente: a ignorância e o desleixo. Posso-lhe garantir o seguinte: se eu recebesse um email desses na minha caixa do correio electrónico, pensava duas vezes antes de o abrir, pode ser vírus! Mesmo com a extensão pdf. Sabe, já vi muita coisa! De facto, como refere e bem, há quem queira correr sem qualquer tipo de primor, mas como diz o ditado :"Depressa e bem não há quem...". Ou então: "Apanha-se mais depressa um mentiroso do que um coxo!" Penso que este último se adequa mais à sua intervenção. Nos tempos que correm, quem não sabe enviar um email com um anexo bem explanado, mais valia ir plantar batatas.... Bolas, não é preciso ter curso superior para tal. Quem tenha nas suas fileiras tais funcionários não está de todo bem servido... isso garanto-lhe! Bem haja pelas suas palavras!

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    1. Bem haja, Vítor, pelo apoio! E aqueles que aproveitam o assunto de uma mensagem recebida e nos escrevem sobre um tema completamente diferente, sem se darem ao trabalho de mudar o «assunto«?

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  4. Vítor Fialho
    Caríssimo professor, só uma palavra: desleixo!

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  5. Josemari Vallejo
    4 de Dezembro de 2016 18:48
    Muy bueno el artículo!
    Un saludo

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