terça-feira, 6 de dezembro de 2016

«Faz força, que eu impo!»

             Uma das primeiras frases que recordo de meu pai, com aquele seu jeito quase brejeiro que tão bem caracteriza o algarvio e que António Aleixo tão bem soube retratar, é esta:
            - Vamos, filhote! Faz força, que eu impo!
            Todos sabemos quanto é fundamental o regular funcionamento do aparelho digestivo, nos primeiros dias e, até, nos primeiros meses de uma criança e, mais tarde, quando se atinge a senectude. E todos recordamos a emoção quando o menino deixa a fralda, ao invés do que acontece quando se recomeça a ter de a usar…
            Um sorriso malandro, o do meu pai: «Vamos, filhote! Faz força, que eu impo!». E punha-se a gemer, a gemer, como se fosse ele que estivesse no bacio ou a arrastar bajolo - como, aliás, também amiúde viria a acontecer mais tarde, na pedreira, quando se precisava de, com a alavanca, pôr uma pedra a jeito de ser trabalhada e se estava em maré de brincadeira: uns faziam força e o outro, de papo pró ar, gemia, gemia… e era uma gargalhada depois!
            Impar é, também ela, nesse sentido, uma palavra algarvia. Rezam os dicionários que vem do espanhol «hipar», com o significado de «soluçar»; e até se acrescenta que poderá derivar de um verbo do latim tardio, popular: *hippare, que não logrei encontrar, na pesquisa que efectuei nem nos dicionários nem nos autores antigos.
            Enfim, ficamo-nos com mais esta, a aplicar, por exemplo, aos eleitores de determinado país que não foram votar, porque pensavam que a vitória estava certa: «Faz força, que eu impo!» - e fico em casa, regalado. Aconteceu, porém, que o impante (agora já com outro sentido, claro)… ganhou!

                                                                                  José d’Encarnação

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 215, Dezembro de 2016, p. 10.

 

9 comentários:

  1. P. afonsocunha
    já li várias dezenas de livros “algarvios” e só encontrei quatro com referência a “impar”.
    Um belo texto cheio de “chiste” e… no fim até me ri!...
    Um grande abraço

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  2. Amei,e pensava que "impar" era um diminuítivo de limpar, sempre aprendendo, obrigada Zé, um abraço

    Vera

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  3. Manuel Fernando Marques Inácio
    6/12 às 18:20
    Os meus pais eram algarvios, da serra. Lembro-me bem de utilizarem o verbo "impar". Que saudades!

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  4. Joaquim Augusto
    6/12 às 19:10
    Nasci em Odemira, concelho fronteira com concelhos algarvios e era uma frase habitual que usávamos, para brincar com alguém que fazia força próximo de nós...

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  5. Mónica Rodrigues
    6/12 às 19:53
    Os meus avós são do Baixo Alentejo e lembro-me perfeitamente, ainda hoje os meus pais dizem impar!!!

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  6. Aurora Martins Madaleno
    7/12 às 1:00
    Teve muita graça, Professor. Li este artigo com satisfação. O bonequinho também está giro!

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  7. Aurora Martins Madaleno
    7/12 às 17:21
    "Puxa que eu impo" também ouvia dizer lá por casa.

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  8. Teresa Silva
    Pois, uns impam e outros arreiam! 😂

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  9. Eu sou da Estremadura e sempre ouvi o meu tio a dizer força qu'eu gemo.

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