terça-feira, 18 de setembro de 2018

O minúsculo grão de areia

             A água está morna, como deveria ser regra nestas plagas meridionais de tradicional sabor mediterrânico. Apetece.
            Não cessa a ondulação, a obrigar-nos ao exercício físico, num teste vivo aos nossos reflexos, a treinar.
            Ao entrar, aquela restinga áspera de pequenas pedras roladas. Séculos passaram por elas, sem dúvida, para terem hoje este ar bem roliço. De cor imaculada, umas; outras, negras, azuladas, cor de tijolo… E há mil pedaços de conchas. Imagino que abrigaram moluscos, até que o mar lhos arrancou e elas partiram por i…
            Há pouco, deitado na toalha, dei comigo a observar a areia fina à minha frente. Milhares, muitos milhares de pedacinhos ínfimos de rochas, de conchas… Ao ver, nesta serena manhã de começos de Setembro, a praia pejada de gente – velhos, pais, jovens enamorados ou solitários, crianças, muitas crianças, bebés… – eu pensara:
            ˗˗ Cada uma destas pessoas tem uma história, uma actividade (aqui e agora suspensa, para ganhar fôlego). Tem um anjo da guarda, ou dois, ou um guia (se se preferir) e, mui provavelmente, também acredita na existência de Deus. O Ser Supremo que comanda as marés e a ondulação, que acompanha durante milénios o evoluir daquele minúsculo grão de areia que ora me despertou a atenção (e Ele sabia que ma despertaria!).
            Impossível ficar indiferente nesta contemplação, grato por me haver sido concedida a possibilidade de a fazer.
            Duas formigas, completamente desnorteadas, tropeçam num e depois noutro e noutro dos grãozinhos de areia. Vieram, decerto, escondidas num saco de merenda e agora – também elas criaturas de Deus – vão penar o dia inteiro, até caírem exaustas. Não conseguirão sobreviver – e ninguém, mesmo as companheiras, dará pela sua falta.
            – O senhor sabe quem eu sou? – perguntava a actriz, à entrada do banco do hospital, na esperança de ser de imediato atendida. Não foi.
            Quem sou eu? Aquele vídeo, que parte de esbelta senhora em biquíni deitada na relva e, aos poucos, mas vertiginosamente, nos catapulta para o universo das galáxias, mostra-nos bem quem somos, afinal: menos do que o minúsculo grão de areia que eu, a custo, logrei isolar na ponta do meu indicador…

                                                           José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 738, 15-09-2018, p. 11.

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