quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Quem o feio ama...

… bonito lhe parece, diz o prolóquio popular.
            Na verdade, ao sentimento do Amor está sempre ligada a ideia de Beleza, ainda que seja, como a frase deixa perceber, uma beleza com muito de subjectivo. Imaginamos Nossa Senhora sempre bela, ainda que, n’Ela, a ideia de Beleza mude consoante os tempos e os lugares: hoje, queremo-La aqui de cabelos loiros e olhos azuis, mas Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, é negra e tem cabelo preto…
            Por isso, para cativar, a beleza física não é tudo ou até pode afirmar-se que importa muito mais a beleza que se desprende do olhar, do falar, do sorrir. «Espelho da alma» se classifica o olhar. No plano do amor, a linguagem do olhar retrata-nos e – qual flecha de Cupido – pode atingir quem nos vê.
            No meio da desgraça que foi a sua inesperada erupção, o vulcão Vesúvio teve o condão de proporcionar aos arqueólogos a descoberta de uma cidade, Pompeia, praticamente intacta, parada no tempo, o tempo em que a lava determinou que nela a vida parasse. E, desta forma, podemos hoje admirar os frescos que ornavam as casas, onde amiúde se observam inúmeros «amores», lindos meninos seminus, alados, num imenso hino ao Amor, armados de flechas porém… Exacto, essas flechas que a mitologia atribuiu ao deus Cupido e que, nos nossos dias, vemos aqui e além, em grafitos nas árvores, nas paredes: um coração trespassado e, dentro dele, dois nomes próprios ou duas siglas, a documentarem que secreto par amoroso, um dia, por ali passou e quis deixar marca do seu amor.
            Um par. Sim. Amor só não naufraga se existir a dois. E a seta não é, apenas, o objecto a relembrar Cupido, armado de arco e flecha sempre pronto a deliciadamente disparar. Cupido, o filho da deusa do Amor, a linda Vénus… A seta também fere, magoa, faz sangrar…
            Ao Amor está ligada a Beleza, sim. E o sofrimento. A saudade – dor, ausência do ente querido, vontade de o termos aqui, a nosso lado, sempre! E sofremos com a separação!… Em romeno, a palavra equivalente a «saudade» é… ‘dor’! Uma coincidência feliz.
            Ai, as setas marotas do Cupido bem capazes de nos ferir!...

                                                             José d’Encarnação

Publicado em P&V [Ponto & Vírgula], boletim mensal da Escola Calasans Duarte, Marinha Grande, Fevereiro de 2019.

1 comentário:

  1. Adorei…
    E concordo… Só acrescentaria uma coisa.
    O sofrimento que o amor provoca, penso eu, não é só pela ausência, pela saudade, pela preocupação/ cuidado/ responsabilidade do bem estar do ente amado…
    Para mim é também uma espécie de “dor de crescimento”, sobretudo aquando do primeiro amor (que é aquele choque de bom e de mau, aquela explosão, seja lá de que tipo de amor se trate)… Perder o controlo de si mesmo, colocar outro acima de nós mesmos, andar tão feliz que parece que não é preciso, comer, ou dormir… (exactamente aquilo que Camões descreve no seu soneto).
    Andar tão perdido, que se tem noção disso. Sim, isto também provoca sofrimento, embora seja bom.
    Por isso o sentido ambíguo da palavra paixão que expressa isso mesmo. Esse estado de perturbação e exaltação interior, muito nosso, durante o qual nos estamos (mesmo sem sabermos) a descobrir a nós mesmos. Altura em que se dá uma revolução interior e tudo parece mudar e trazer grande felicidade mas no desconhecido, no arame de um trapézio sem rede. Parece que já não sabemos quem somos, que já nem podemos viver como vivíamos. E como em todas as revoluções, há exageros, positivos e negativos, há perturbações, há novidades, há experiências… Tudo é excitante, tudo é bom, mas tudo implica a mesma dose de dor e desconforto e portanto sofrimento. E é fantástico, porque tudo o tudo o que vale realmente a pena exige sofrimento. Só devemos sofrer pelo que vale a pena e o amor vale a pena.
    Beijinhos,
    Ana Caessa

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