quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Um retrato do viver d’outrora

 

Não muito longe de Santa Clara-a-Nova (Almodôvar), há o sítio arqueológico Mesas do Castelinho, uma surpresa descoberta há uns anos; mas, em Santa Clara-a-Nova, guarda-se e mostra-se com orgulho o retrato do que aí foi, nas últimas décadas, a vida quotidiana do seu Povo.

 

            Sobre o sítio arqueológico, que, nos Verões mais recentes, desde 1989, mui pacientemente tem sido escavado, sob a direcção dos dois arqueólogos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, os doutores Amílcar Guerra e Carlos Fabião, muito se tem escrito e explicado.

O arranjo museológico de que recentemente foi alvo e que houve oportunidade de dar a conhecer com pompa e circunstância, no dia 5 do passado mês de Novembro de 2022, veio dar maior lustre a um notável vestígio dos finais da Idade do Ferro e primórdios da época romana, que os automobilistas, na sua pressa de irem para o Algarve, vêem anunciado na A2, mas é desvio que vão adiando, adiando...

 

Teve o sítio «ocupação ininterrupta entre os finais do século V a.C. e os inícios do século II d. C. e, novamente e depois de um longo hiato, entre os séculos IX-XI d.C.», ou seja, já na época de fortificações árabes.


Informação sobre Mesas do Castelinho e alguns dos objectos aí exumados podem ser vistos no Museu Arqueológico e Etnográfico Manuel Vicente Guerreiro, inaugurado a 8 de Agosto de 2025, no coração de Santa Clara-a-Nova, povoação do concelho de Almodôvar.

                                 

Não é esta a única instituição museológica do concelho. Porventura, uma das mais faladas (agora em fase de remodelação) será o Museu da Escrita do Sudoeste, onde se mostram as mais significativas e enigmáticas (porque ainda não decifradas) inscrições datadas da Idade do Ferro! E há ainda o Museu Severo Portela (inaugurado em 2012) e o do Medronho (2015). Este, no entanto, o de Santa Clara-a-Nova, «transporta-nos», como se diz na publicidade, «para vivências e descobertas, envolvendo emoções e é uma agradável surpresa para quem o visita».

Resulta do empenho que Manuel Vicente Guerreiro (1929-2014) teve, como particular e como autarca, em recolher, ao longo de três décadas, tudo o que se lhe afigurava de interesse para lembrar o que fora – e ainda era – a vida das gentes da sua terra. E que ora mostra através das mais de 300 peças expostas em cerca de mil metros quadrados da casa que foi a sua. O espaço, já disponibilizado para o efeito desde a década de 80 foi alvo de mui cuidada recuperação, num investimento aproximado de 375 mil euros, financiado ao abrigo do Plano de Desenvolvimento Rural (PRODER), sendo «a maior fatia suportada pela autarquia de Almodôvar». O objectivo: «preservar a história local, num misto de contemporaneidade, design e tecnologia».
Deve-se à empresa Glorybox, de Viseu, o excelente projecto museológico, que teve, aqui, a eficiente colaboração da M&A Digital no âmbito da aplicação interativa sobre algumas das principais atrações do Museu: o alambique, os moinhos de ventos e de água, a nora, o palheiro e o vinho de talha. Ainda que Almodôvar tenha o Museu do Medronho (merece ele igualmente uma visita – lá iremos!) a importância do aproveitamento deste fruto salienta-se também aqui, no museu de Santa Clara-a-Nova.
Um museu vive dos objectos que integram o seu acervo, bem no sabemos; contudo, não é menos importante – eu ia a dizer ‘fundamental’! – o pessoal que o serve. Nesta caso, do Museu Manuel Vicente Guerreiro, poder-se-á dizer que a alma-mater é quem aí nos recebe com admirável boa disposição e deixando transparecer por completo todo o encantamento que tem em mostrar essas antigualhas que tanto lhe dizem acerca da vida dos seus avós. Dina Silva, a funcionária do Museu: técnica dos Serviços de Museologia da CMA), bem merece o nosso maior aplauso – no voto de que jamais deixe esmorecer o seu cativante entusiasmo.
E percorremos, de admiração em admiração, as várias salas que reconstituem vivências do Povo pelos meados do século passado.
Em cada uma se sente a voz d’antanho, porque temos a sensação clara que todos esses objectos, um dia, muitos dias, tiveram vida e até compartilharam alegrias, mágoas, tristezas, festas de aniversário e convívio: a barbearia, a mercearia, a taberna, a casa do povo… Enfim, «as formas de viver na planície e na serra alentejana, as tradições, profissões e atividades rurais»…

Calhaus servem de pesos para a balança decimal
O alambique para o medronho
O quarto de dormir, com o bacamarte e o crucifixo   
A mesa de tábuas

A chaminé com os enchidos pendurados

O forno de cozer pão 
 
Veja-se o recanto onde se mostra como simples calhaus rolados podiam servir de pesos a usar na balança decimal; admire-se a bem sugestiva reconstituição do alambique para o medronho; atente-se no quarto com a cama de ferro, a lanterna na mesinha de cabeceira, o crucifixo e o bacamarte na parede à mão de semear! Quarto que era também o lugar das abluções matinais e onde parcamente se comia na mesa de tábuas. Ao lado, a chaminé, de grande chupão, onde, penduradas, coravam linguiças, chouriças e paios. Depois, o forno de cozer pão, com as alfaias correspondentes…
Apetece ficar por aqui – perpassa-nos o aconchego, pobre sem dúvida, mas autêntico, de vidas vividas, de pão amiúde amassado com lágrimas e suor!

Lições!

                                               José d’Encarnação

Publicado em Duas Linhas, 28-08-2023: https://duaslinhas.pt/2023/08/retratos-da-vida-de-antigamente/

1 comentário:

  1. É sempre de enaltecer o desenvolvimento cultural das pequenas vilas de Portugal e ainda mais quando é para dar voz a uma vida campesina de muita luta e trabalho.

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