Escolhido o local e aceite pelo
encomendante o tema decorativo proposto para o mosaico, havia que deitar mãos à
obra.
Deve-se a Carlos Beloto – além da
paciência, da técnica e do saber com que foi, sob sua orientação e de Adília
Alarcão, foi levantado e restaurado o mosaico do Oceano de Faro – o cuidado que
teve em preparar também uma síntese acerca do que eram, ao tempo dos Romanos,
as fases de construção de um mosaico. Com a devida vénia desses seus elementos
me vou servir.
O primeiro passo era cavar o chão, aproximadamente com 50 cm de
profundidade.
O fundo era, então, bem prensado e consolidado com placas de madeira e
coberto com uma camada de pedras (statumen), que tomava normalmente a
altura das pedras que o compunham. Seguia-se-lhe uma outra camada de argamassa
grossa (rudus) e, finalmente, uma camada de argamassa (nucleus),
na qual o tesselatum seria embutido.
Sobre esse nucleus viriam trabalhar o pictor imaginarius (o
pintor das imagens), que concebera a imagem e as cores, e o pictor parietarius,
que transferia e redimensionava o desenho para o pavimento.
Ao levantar-se o mosaico de Faro, teve-se a grata e mui rara surpresa de verificar que algumas das tesselas estavam ‘manchadas’ pela tinta com que, na argamassa, se elaborara o desenho dos motivos.
Além dos dois pictores atrás citados, a confecção do mosaico
exigia a presença do calcis coctor, que fazia o cimento; do pavimentarius,
que preparava a superfície na qual o mosaico iria ser construído; do tessellarius,
que se ocupava das partes mais simples do mosaico; e do musearius, a quem
eram confiadas as partes mais complexas e as figuras.
Os pavimentos eram construídos in situ. E podemos imaginar tanto
os pavimentarii como os tessellarii a trabalharem de joelhos ou
agachados no chão. Calcula-se que poderia demorar a construir muito perto de
três meses um suporte de mosaico desde o início (escavação do terreno) até à
construção do tesselatum. Uma tarefa ingente!
Mais não fosse por isso, a preservação e recuperação deste mosaico logrou
merecer todo o empenho da equipa do Museu de Conímbriga, especializada nesse
tipo de trabalho. Nas páginas 225-226 do nº X dos Anais do Município de Faro
(1980) minuciosamente descrevem Adília Alarcão e Carlos Beloto todas as fases
por que passou o processo de restauro e consolidação desse extraordinário
monumento histórico.
E cumpre, mais uma vez, lamentar que, logo no primeiro momento em que se
procedeu à abertura da vala para as infraestruturas urbanas, não tenha havido
quem, avisado e solícito, chamasse a atenção de quem de direito para as
estranhas pedrinhas de cor que estavam a ser encontradas. Esse troço
definitivamente se perdeu. Mais tarde, de boa parte se logrou salvaguardar.
E do que, resolvido todo esse moroso processo, hoje nos é dado observar
há, por conseguinte, obrigação de contar. E isso é, aliás, o mais significativo:
mostrar que interesse detém este mosaico para a história de Ossonoba.
Tema, pois, para a crónica do próximo mês
José d’Encarnação
Publicado em Sul Informação, 25 de Agosto de 2025
Mais uma vez , "obrigação de contar" cumprida. Abraço do Antão
ResponderEliminarVou estar atenta à próxima crónica!
ResponderEliminarTanto que aprendi hoje sobre como compor um mosaico romano e a devoção de todos os envolvidos nesta tarefa tão nobre.
Ia dizer que eram calceteiros eruditos (a profissão de calceteiro é rara, difícil e merece todo o respeito pela dificuldade de exeução da tarefa) mas erudição mais complexa deve ser restaurar o que estava feito, como este Mosaico.
Parabéns a toda a equipa e a Faro, que logra poder exibir uma antiguidade com nova roupagem.
Muito grata por esta publicação.
E recordas-te da 1ª e da 2ª?
Eliminarexecução, é claro - 7ª. linha .
ResponderEliminarJoão Coutinho, 27-08-2025:
ResponderEliminarFico grato por possuir como amigo um excelente historiador que com mérito, debruça, analisa e apresenta ao seu leitor, situações que geralmente passam ao lado de quem gosta saber o que de valor nos envolve enquanto cidadãos.
Obrigado e fico atento à próxima crónica que publicará se Deus quiser.
De: Rama Silva
ResponderEliminar27 de agosto de 2025 09:57
Bem interessante. Obrigado pela partilha