quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Um mosaico romano com história para contar (III)

           
             
Escolhido o local e aceite pelo encomendante o tema decorativo proposto para o mosaico, havia que deitar mãos à obra.
Deve-se a Carlos Beloto –  além da paciência, da técnica e do saber com que foi, sob sua orientação e de Adília Alarcão, foi levantado e restaurado o mosaico do Oceano de Faro – o cuidado que teve em preparar também uma síntese acerca do que eram, ao tempo dos Romanos, as fases de construção de um mosaico. Com a devida vénia desses seus elementos me vou servir.
O primeiro passo era cavar o chão, aproximadamente com 50 cm de profundidade.
O fundo era, então, bem prensado e consolidado com placas de madeira e coberto com uma camada de pedras (statumen), que tomava normalmente a altura das pedras que o compunham. Seguia-se-lhe uma outra camada de argamassa grossa (rudus) e, finalmente, uma camada de argamassa (nucleus), na qual o tesselatum seria embutido.

Sobre esse nucleus viriam trabalhar o pictor imaginarius (o pintor das imagens), que concebera a imagem e as cores, e o pictor parietarius, que transferia e redimensionava o desenho para o pavimento.

            Ao levantar-se o mosaico de Faro, teve-se a grata e mui rara surpresa de verificar que algumas das tesselas estavam ‘manchadas’ pela tinta com que, na argamassa, se elaborara o desenho dos motivos.
Além dos dois pictores atrás citados, a confecção do mosaico exigia a presença do calcis coctor, que fazia o cimento; do pavimentarius, que preparava a superfície na qual o mosaico iria ser construído; do tessellarius, que se ocupava das partes mais simples do mosaico; e do musearius, a quem eram confiadas as partes mais complexas e as figuras.
Os pavimentos eram construídos in situ. E podemos imaginar tanto os pavimentarii como os tessellarii a trabalharem de joelhos ou agachados no chão. Calcula-se que poderia demorar a construir muito perto de três meses um suporte de mosaico desde o início (escavação do terreno) até à construção do tesselatum. Uma tarefa ingente!
Mais não fosse por isso, a preservação e recuperação deste mosaico logrou merecer todo o empenho da equipa do Museu de Conímbriga, especializada nesse tipo de trabalho. Nas páginas 225-226 do nº X dos Anais do Município de Faro (1980) minuciosamente descrevem Adília Alarcão e Carlos Beloto todas as fases por que passou o processo de restauro e consolidação desse extraordinário monumento histórico.
E cumpre, mais uma vez, lamentar que, logo no primeiro momento em que se procedeu à abertura da vala para as infraestruturas urbanas, não tenha havido quem, avisado e solícito, chamasse a atenção de quem de direito para as estranhas pedrinhas de cor que estavam a ser encontradas. Esse troço definitivamente se perdeu. Mais tarde, de boa parte se logrou salvaguardar.
E do que, resolvido todo esse moroso processo, hoje nos é dado observar há, por conseguinte, obrigação de contar. E isso é, aliás, o mais significativo: mostrar que interesse detém este mosaico para a história de Ossonoba.
Tema, pois, para a crónica do próximo mês

                                                           José d’Encarnação 

Publicado em Sul Informação, 25 de Agosto de 2025 

 

 

6 comentários:

  1. Mais uma vez , "obrigação de contar" cumprida. Abraço do Antão

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  2. Vou estar atenta à próxima crónica!
    Tanto que aprendi hoje sobre como compor um mosaico romano e a devoção de todos os envolvidos nesta tarefa tão nobre.
    Ia dizer que eram calceteiros eruditos (a profissão de calceteiro é rara, difícil e merece todo o respeito pela dificuldade de exeução da tarefa) mas erudição mais complexa deve ser restaurar o que estava feito, como este Mosaico.
    Parabéns a toda a equipa e a Faro, que logra poder exibir uma antiguidade com nova roupagem.
    Muito grata por esta publicação.

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  3. execução, é claro - 7ª. linha .

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  4. João Coutinho, 27-08-2025:
    Fico grato por possuir como amigo um excelente historiador que com mérito, debruça, analisa e apresenta ao seu leitor, situações que geralmente passam ao lado de quem gosta saber o que de valor nos envolve enquanto cidadãos.
    Obrigado e fico atento à próxima crónica que publicará se Deus quiser.

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  5. De: Rama Silva
    27 de agosto de 2025 09:57
    Bem interessante. Obrigado pela partilha

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