sexta-feira, 4 de abril de 2014

A vida no campo – ter relógio ou… ter tempo!

           Tive ensejo de visitar a exposição temporária que, no Museu Nacional de Arte Antiga, nos veio mostrar, de 3 de Dezembro até daqui a dias, a paisagem nórdica através do olhar dos pintores Rubens, Brueghel e Lorrain, quadros que fazem parte do espólio do Museu do Prado, de Madrid.
            Congratulo-me, obviamente, com a iniciativa, na medida em que constituiu mais uma forma de chamar a atenção do Povo para a importância que a Arte acaba por desempenhar na vida, mau grado as tropelias dos ‘governantes’.
            Chamou-me, de modo especial, a atenção a apresentação da sala 2, «A vida no campo», onde se explica que, após a assinatura, a 9 de Abril de 1609, da trégua de 12 anos, os arquiduques Alberto e Isabel Clara Eugénia, com vista a consolidarem a reunificação, deliberaram utilizar «a pintura como instrumento de propaganda»: «Sendo fundamental para a reconstrução dos Países Baixos a colaboração do campesinato, os arquiduques consideraram que a representação da vida nos campos, no seu ambiente natural, era a temática mais apropriada à pintura».
            Estava-se nos primórdios do século XVII, ou seja, há 400 anos. E pensei com os meus botões: será que os actuais «governantes» leram? Será que se aperceberam da importância real que tem, na vida do Povo, a existência de um campesinato forte, bem apoiado, feliz, dotado por perto das infra-estruturas necessárias a esse bem-estar?
            Não, em Portugal não leram; em Portugal, se o sabem, não o conseguem facultar nem – ao que parece – se preocupam muito com isso! As reclamações diárias contra o encerramento de serviços públicos, na perspectiva imediata de que não são rendíveis, antojam-se como evidente prova em contrário. Desertifica-se o interior; enxameiam-se as cidades de gente por completo desenraizada; olha-se para o estrangeiro na mira de se alcançar lá o que por estas bandas se recusa, em nome do feroz código do deve e do haver.
            E os quadros fizeram-me lembrar o Powerpoint que circula pela Internet, a que se deu o nome de «Tuaregue traduzido». Diz-se que se trata da entrevista feita por Victor-M. Amela a Moussa Ag Assarid, tuaregue saariano. Palavra puxa palavra, o jornalista catalão a deixar-se enlevar, admirado, pela sabedoria de quem passa os dias no silêncio avassalador de uma Natureza original: «Quando se está sozinho naquele silêncio, até se consegue ouvir o bater do coração», garante o tuaregue. E acrescenta, para realçar as diferenças: «Vocês têm relógio; nós temos tempo!».

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 636, 01-04-2014, p. 11.

 

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