quarta-feira, 11 de junho de 2014

O lagarto

            Vivíamos em comunhão com a bicharada. Lagartixas e osgas – pretexto para, com o subtil laço feito na ponta filiforme de uma erva assim como o trigo (mas cujo nome não sei), adestrarmos a nossa artimanha de peritos caçadores. Os lagartos e as cobras, esses, o destino era a morte à pedrada ou à vergastada com pau ou cana. E ainda me lembro daquela cobra de mais de um metro que meu pai levou morta para a pedreira – e foi petisco frito (tira-se um palmo da cabeça, um palmo do rabo…) para os trabalhadores, qual enguia, nesse final de jornada. Eu também comi!
            A vida urbana desgarrou-nos, durante quatro décadas, desses bichos quotidianos, que ora, afinal, reencontramos, quer porque começaram a ganhar, também eles, hábitos citadinos, quer porque nos reconvertemos nós ao campo.
            Assim, dei comigo, outro dia, a passar mui devagarinho junto da pedra sob a qual se refugiara lindo lagarto verde (agora, chamo-lhe «lindo» e até lhe aprecio a beleza do colorido!...); hesitei em voltar atrás, na estrada onde agonizava uma cobra que ousara atravessar e fora colhida; delicio-me a ver os melros roubarem-me os morangos silvestres do quintal e até guardamos as migalhas para espalhar por lá, para que rolas, felosas, fuinhos e melros as venham partilhar connosco…
            Compreendemos, alfim, que biodiversidade é conceito urgente a manter, num mundo que preconizamos mais habitável!

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 185, Junho de 2014, p. 10.

 

1 comentário:

  1. Lembrei-me agora mesmo de como se chama a erva que cresce nas searas e de que nós fazíamos os laços para apanhar osgas e lagartixas: é o balanco!

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