sexta-feira, 2 de outubro de 2015

As tascas e o guilho

            Levou-me o então presidente da Câmara Municipal de Évora, Abílio Fernandes, a 16 de Novembro de 1996, a almoçar com ele numa das tascas da cidade. Bancos e mesas de pau; à entrada, pendurada, uma toalha de papel com a ementa escrita a marcador azul. Claro, aqueles pratos típicos: pezinhos de coentrada, sopa de cação, carne do alguidar…
            E comentou comigo a sua vontade de reabilitar as tabernas como locais de convívio, a lembrar os finais de tarde em que, após o calor da jornada, os trabalhadores nelas se ajuntavam para um copo, um naco de pão com queijo, quando não uma tira de toicinho. E, até, de quando em vez, lá saía, natural, uma modinha para alegrar o coração...
            Outros municípios tiveram a mesma ideia. Há em Coimbra uma rota das tabernas e conceituada marca de vinhos acaba de lançar, no passado mês de Junho, o livro Tascas, em edição bilingue (português – inglês), para dar a conhecer «as melhores tascas de Lisboa». Da autoria de Tiago Cruz e Marco Dias, assinala, de cada tasca, a sua história e características, tudo acompanhado de bem saborosas ilustrações. De abrir o apetite, pois então! E lá se esclarece (pasme-se!): «Locais de comer e beber, na sua grande maioria, as tascas lisboetas surgiram de carvoarias fundadas por galegos no início do século XX. Era habitual terem uma sala contígua em que se serviam vinhos e petiscos. Com o uso da electricidade e do gás, o negócio do carvão morreu»… e ficaram os comes!
            Comes que nós muito gostaríamos que continuassem a ser os nossos, com nomes à nossa maneira. Rio-me sempre, por exemplo, com a ementa que traz «gambas à la guilho». Guilho é a cunha de aço para rachar cantarias, um dos objectos mais usados por meu pai, que era cabouqueiro. Constitui, pois, pura anedota essa ‘tradução’ do castelhano «al ajillo», «ao alhinho»… mas que se lhes há-de fazer? E agora essa do «gourmet» por tudo e por nada!? Para dar um ar modernaço, e a gente anda à procura da truta em prato «gourmet» e… tem de fazer uma escavação arqueológica! Para além de que, para ser «gourmet», tem de vir empratado a preceito, que os olhos também comem e… o pessoal que espere!
            Em vez dessas modernices, preferi, pois, a tasca de Mérida, onde almocei no dia 18. Logo a ementa, um espectáculo! Só transcrevo dois dos («primeros») pratos e recuso-me a traduzir, que perderia a graça: «Fresco y apetecible gazpachito extremeño, con guarnición de la huerta de Doña Sole»; «Cremoso y original salmorejo cordobés con jamón ibérico y huevo de gallina de campo de los de Otilia, la mujer que vive en frente de la puerta falsa de mi madre».  Não é um mimo? E bem à espanhola se comeu, pois então!

                                                                       José d’Encarnação

Publicado no quinzenário Renascimento (Mangualde), nº 670, 01-10-2015, p. 12.

2 comentários:

  1. Zelia Marques Rodrigues 2/10 às 22:31:
    Deliciei-me com a escavação arqueológica para encontrar a truta gourmet ...

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  2. Ana Teresa 2/10 às 22:43:
    Os espanhóis são sempre muito pão, pão, queijo, queijo, não se metem cá com modernices de gourmets. Tasca é tasca, que eles chamam taberna.

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