quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Vamos adiar!

             Perdoar-me-á o leitor se partilho hoje sentimentos de septuagenário.
            É que estou numa fase em que, semana a semana, tenho felizmente conseguido, um após outro, dar caminho a assuntos que há anos estavam pendentes. E não imagina a consolação que é!... Como quem desfolha um calendário: “Este já passou, vamos a outro!”. Deve ser assim, porventura, na escusa cela duma cadeia, ou em tempo de guerra no campo de batalha, ou em atribulada viagem. Uma sensação de alívio!...
            Surgem-me, por isso, as frases de dois autores cujos livros estão (creio que já o disse) na minha mesinha de cabeceira.
            A primeira:

            «Pensas sempre que a vida é para amanhã:
            amanhã farei isto…
            amanhã terei aquilo…
            amanhã serei…
            Porque esperas por amanhã para viver? Um dia, para ti, não haverá mais amanhã e não terás vivido».
(Michel Quoist, Construir, Lisboa, 1965, p. 146).

            A segunda:

            «Tem-se o sentimento de que é preciso, por exemplo, escrever uma carta, e não se escreve essa carta. Os dias passam; conserva-se este pensamento como um remorso que se vai exasperando».
(Mário Gonçalves Viana, A Arte de Estudar, Porto, 1943, p. 255).

            Assim, passe a comparação, em clima eleitoral: o futuro, senhores, é que vai ser bom, porque nós vamos salvar o mundo! «Vamos»: o futuro. E… cadê o presente?
            Li numa tasca: «Tomorrow the beer is free!». Excelente ideia, pensei, amanhã, venho cá tomar um copo! E esquecia-me, naturalmente, da outra frase, mui sábia também: «Tomorrow never cames!»: o amanhã não existe, é sempre para o dia a seguir!...
            Nunca imaginei, confesso, que retirar, uma a uma, as folhas do calendário a marcar dias bem preenchidos pudesse trazer tamanha serenidade!

                                                                            José d’Encarnação

Publicado no quinzenário Renascimento (Mangualde), nº 671, 15-10-2015, p. 12.

4 comentários:

  1. De: António José Silva Pina
    Enviada em: sexta-feira, 16 de Outubro de 2015 16:51
    «Caro Amigo,
    Gostei imenso do seu comentário. Acho que a qualidade de sentimento que colocou no texto resulta de, "Nunca imaginei, confesso, que retirar, uma a uma, as folhas do calendário a marcar dias bem preenchidos pudesse trazer tamanha serenidade!"
    Bem haja
    Forte abraço».

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  2. Margarida Lino, 15-10-2015, 19:23
    Não posso adiar muito mais, o meu tempo começa a ficar curto, beijos!

    Alice Alves Oliveira, 15-10-2015, 19:25
    O meu também, mas sofro desse mal.

    Maria Conceição Neves 15-10-2015, 19:33
    Gostei e, realmente, o amanhã é uma incerteza! Beijos!

    Carriça Mendes de Almeida 15-10-2015, 23h
    Com 69 anos, o meu tempo já não dá para adiar. E que bom foi ler o seu artigo! Sempre a aprender consigo.

    Jota Be 15-10-2015, 21h
    Sempre atento, sempre fiel.

    Aurora Martins Madaleno 16-10-2015, 01:05
    Muito bom nestas Notas, Professor!

    José Morais Branquinho 16-10-2015, 09:18
    Magistral!

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  3. Maria do Céu Campos 16/10 às 19:55
    Como sempre, consegue verbalizar coisas que sentimos e nem sempre nos lembramos de expressar. Parabéns.

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  4. Norma Musco Mendes 17/10 às 2:24
    Gostei! Amigo, na nossa idade o amanhã já é tarde!!!!!

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