quarta-feira, 5 de abril de 2017

Atamancar

             Deu-me para tentar descobrir a etimologia da palavra «atamancar». Não encontrei. Porventura virá de tamanco, aquele calçado mal enjorcado a que se lança mão, digo, o pé, para andar por casa, sem cerimónias, se não se estiver a falar dos tamancos das varinas com sola de pau, hoje visíveis apenas nos trajos dos ranchos folclóricos.
            Soava-me a palavra colhida nalgum daqueles dialectos orientais, com que os Portugueses entraram em contacto aquando dos Descobrimentos, embora (confesso a maldade!) me apetecesse contar uma anedota:
            - Olha, mãe, o pai tá manco!
            Coxeava o senhor, de tamancos calçados, e o pegulho não esteve com meias medidas e saiu-lhe o chiste de pronto: «Tá manco!».
            Pois, afinal, não é chiste, acabei por descobrir: existe em castelhano «tamango» (em Trás-os-Montes, é chamanco) e designa calçado próprio dos gaúchos, feito sobretudo com peles de animais, usado para mais comodamente andar pelas montanhas e pelos campos. Nós preferimo-los em casa, claro, sem requintes… Suspeita-se, porém, que foram os Portugueses quem assim os baptizou. Aliás, na 1ª edição (1954) do seu Diccionario Crítico Etimológico de la Lengua Castellana (na 3ª, de 1982, já não inclui a palavra), Joan Corominas aponta-lhe origem argentina e chilena, mas acrescenta que foi tomado do português ou do leonês, «tamanco», acrescentando tratar-se de vocábulo «de origen incierto, probablemente emparentado con el mozárabe «amínq», ‘especie de zapato’, y quizá con el mozárabe «amánka», […] que pueden ser de origen prerromano». Ora toma!
            E porque me deu agora para atamancar? Já o meu amigo o suspeitou: porque, hoje, atamancam-se as leis, atamancam-se as obras, atamancam-se as mensagens no correio electrónico sobre um assunto atamancado… E quem vier atrás que… descalce o tamanco, pois então!... Vivemos num país atamancado!
                                                                       José d’Encarnação
 
 Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 219, Abril de 2017, p. 10.

Elementos do Rancho Coral e Coreográfico da Sociedade Musical
de Cascais, em desfile na Feira do Artesanato. Não podiam faltar,
claro, os tamancos típicos das nossas varinas!
 

 

5 comentários:

  1. Edgar Valdez, 5/4 às 22:01
    E as opiniões, caro Zé Manel, começam a atamancar-se quando menos se espera. Este palavrão dá para muita confusão atamancada+++ Um abraço, Edgar Valdez

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  2. Joaquim Cardoso 6/4 às 9:28
    É isso mesmo. Só espero é que, com tanto "atamancar", não passemos todos a andar de tamancos...

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  3. Sonia Carmona Antunes 6/4 às 10:35
    Gostei imenso de ler esta sua crónica,Caro Professor e Amigo.

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  4. Maria Conceicao Neves
    Se a moda pega, decerto que vão ser muito procurados.

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  5. Norma Musco Mendes
    O Brasil está igual!!!!! Haja tamancos!!!

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