sexta-feira, 23 de junho de 2017

A ciência da espera

            A aeronave saiu da zona de embarque passavam já minutos após a hora anunciada para o início do voo. Entrou na fila de espera. Descia um avião ou dois e outro se fazia à pista. Os motores começaram a acelerar forte para a descolagem 27 minutos após a partida programada. Certamente recuperará no ar do atraso sofrido, pensei eu; mas decerto também no aeroporto de chegada haverá fila (estão estipulados horários precisos para o movimento de chegadas e partidas) e poderemos chegar pontualmente ou não. Também isso pouco interessa e não serei eu que vou ter com o comandante a dizer-lhe que vá mais depressa ou mais devagar. Para já, abaixo de nós um manto compacto de nuvens brancas, que não nos deixam ver o chão, por cima, é o azul do céu límpido. Ficou para trás a foz do Tejo, cheia de línguas de terra, alagadas umas, cultivadas (ao que parece) outras e até numa há o que eu chamaria de monte, se não estivesse em pleno por cima do Ribatejo e não no Alentejo.
            E dei comigo a meditar: são imprescindíveis, por intrínsecas razões de segurança, estas esperas na pista do aeroporto. Ai de nós se as não houvera! Mas, no dia-a-dia, não tem a espera uma conotação sempre negativa, prenhe amiúde de mui escusada ansiedade? Espera-se pelo autocarro, que vem atrasado; espera-se pela consulta médica, que raramente é a horas e que, aliás, já foi marcada há muito. Espera a mãe pelo nascimento do filho: após os sete meses, se não antes, outro não é o pensamento habitual: se virá bem, se será prematuro, se dá pontapés simpáticos…
            Pronto. Afinal, precisei de chegar aos 72, para me consciencializar que a espera é uma ciência; desesperar não adianta e, também aqui, a serenidade deve imperar.
Neves... eternas? Ou também elas,
tranquilamente, à espera de um sol
mais quente, que, um dia, virá?...
            A 20 de Julho de 1969, Neil Armstrong baptizou a região da Lua onde pousou com o nome de Mar da Tranquilidade. Acho que fez muito bem e, se não foi sua intenção ensinar-nos que lá, a quase 400 000 quilómetros da Terra, é a Tranquilidade que impera, bem poderia tê-lo dito e, sobretudo, para nos ajudar a ter por lema a vontade de bem saborear o presente, o único que nos é proporcionado para viver.
Assim, eu, agora, com duas horas e meia pela frente. Sim, uma já passou e nem dei por isso! Envolto no mecânico e ‒ felizmente! ‒ monótono trabalhar dos reactores, vejo a neve a rendilhar de brancura as agrestes e inacessíveis reentrâncias dos Pirinéus. Também ela espera, paciente, que o Sol caloroso a venha afagar. Será um beijo mortal; mas é boa a imagem da vida! Que a espera, afinal, acaba por ser vivificante!

                                                           José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 710, 15 de Junho de 2017, p. 11.

 

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