O senhor que procura o cão
Vejo,
habitualmente, o noticiário da RTP 1, à hora de almoço. E logo esse – tenho de
o confessar – é um privilégio. Significa que tenho electricidade em casa; que há
um televisor na salinha onde costumo almoçar; que ainda disponho de capaci dade para ouvir (lá está no cantinho direito, a
senhora a traduzir tudo em língua gestual portuguesa e eu não preciso de olhar
para ela); e que a visão ainda me permite ver as imagens.
Como
os publicitários consideram ser momento de muita audiência, há uma firma que,
ao intervalo, nos garante serem os seus produtos algo que vai resolver, por
tuta e meia, complexos problemas com que nos defrontamos; alguns deles jamais
nos haviam passado pela cabeça! E é preciso ligar logo, diz o senhor, para ter
brindes, pelo «incrível preço que aparece no ecrã»!...
E,
por contraste, eu vira de manhã o senhor de meia-idade, que aparentava ter
alguma dificuldade em falar e que me perguntou se eu vira por ali um cãozinho
branco com uma lista preta no rabo, pois lhe haviam dito que o teriam visto
nestas bandas da Pampilheira. Não consegui perceber que nome haviam dado ao
canito e o senhor, a custo, disse-me que morava na Torre. Sugeri-lhe que
pusesse anúncio no «Encontra-me», me indicasse o número dum telemóvel de
contacto… Enfim, me fornecesse alguns dados, até porque acrescentara estar a
sua mãe numa aflição , há três
semanas, por o animal ter desaparecido. Nada consegui e o senhor seguiu o seu
caminho, deixando-me especado. Ainda lhe sugeri que pedisse a algum vizinho que
tivesse computador para o ajudar a pôr no “Encontra-me” ou no facebook. Pareceu-me que, para ele, tudo
isso era «chinês», que eventualmente nem televisão teria nem telemóvel e, muito
menos, internet… O senhor viveria noutro mundo, bem diferente daquele a quem se
aponta o «incrível preço que aparece no ecrã»!...
O ser de aparência humana
Reside no Bairro Maravilha
um ser de aparência humana. Proprietário de dois cães, que defecam habitualmente
no tapete de relva que alinda a placa central da Praceta Rincão das Maravilhas.
O ser de aparência humana já foi multado (dizem) pelos competentes serviços
camarários, por se recusar a apanhar os caninos dejectos, ainda que haja um distribuidor
de saquinhos pretos mesmo ali à mão de semear.
Quando
lhe chamaram a atenção , não estava
sintonizado e saiu um pi; depois, lá se sintonizou e disse:
«Já
me viu, eu, a agachar-me para apanhar a m… pi! dos cães?».
Passou,
há dias, de novo, em frente da porta do Restaurante do Rincão, depois do
defecante passeio dos caninos sobre a viçosa relva, e uma das funcionárias interpelou-o:
‒
Olhe, parece-me que deixou cair uma coisa!
O
andróide de aparência humana não estava sintonizado e saiu um pi como resposta;
mas, à insistência da senhora, lá girou o botãozinho, sintonizou a onda e
conseguiu articular palavra:
‒
Não deixei cair nada, não! Fui eu mesmo que deitei o papel para o chão!
‒
E isso é assim? – retorquiu a senhora, ainda mal refeita da expressão do extraterrestre.
– E onde é que está a civilidade?
E
o ser de aparência humana rodou de novo o botãozinho, sintonizou a frequência e
grunhiu:
–
Civilidade? Que é isso de civilidade? Piiii!...
E
lá partiu para a sua nave espaci al,
levando os canitos pela trela.
Não
sabemos que combustível usa a nave. Ali poisou, nunca mais levantou voo para o
asteróide, donde, um dia, terá saído. Também é mistério o facto de o andróide
habitualmente soltar um pi e só de vez em quando ficar sintonizado com os que o
rodeiam e falam, de facto, uma língua que não é a sua!...
José d’Encarnação
Tenho cá em casa um rádio que só funciona quando lhe dou um bom safanão na parte de trás. É novo mas não sei porquê veio de fábrica com esta mania de só cantar depois de um aconchego. Pelos sintomas que descreve, o andróide que vagueia pelo bairro maravilha padece do mesmo problema do meu rádio. Não é de estranhar, em tempo de mao de obra barata saiem familias inteiras com esta patologia. Como terapia, sugiro que chamem o andróide á parte (alguns modelos mais sofisticados acatam bem o chamamento) e tentem alinhar-lhe os circuitos com uma boa paulada nas costas. Neste caso para o calar.
ResponderEliminarNeyde Theml, 9/9 às 1:26
ResponderEliminarTem gente, meu amigo, que tem cara para responder qualquer coisa a seu próprio interesse. (A redundância é para grifar esse pessoal tão cara de pau que quando faz a barba sai serragem kkkk!!!).
A Câmara Municipal de Albufeira optou por uma solução oportuna: na via principal de Olhos d'Água, que tem passeio com pasto, bem propício para canídeo usar, mandou colocar o sinal que também vou incluir como ilustração na nota. Abençoada!
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