quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Fonte portalegrense em Cascais

            Como vem sendo habitual, a Sociedade Propaganda de Cascais dedicou a sua mensagem de Natal a um monumento de Cascais: a fonte instalada no Jardim Visconde da Luz, em pleno coração da vila.
            Foi um dos membros da Sociedade Propaganda de Cascais que a encontrou, desmontada, num estaleiro, à venda pela importância de 500 escudos. Achou curioso e pensou na possibilidade de essa fonte vir a ser incorporada numa das praças de Cascais. Fizeram-se as diligências necessárias que viriam a culminar, em Novembro de 1984, na integração da fonte onde hoje se encontra.
            Tem a fonte uma legenda em latim: foi erigida em 1623, quando reinava em Portugal Filipe III de Espanha, II de Portugal.
            Pensava-se em Portugal, nessa década de 20 do século XVII, que as promessas feitas por Filipe II nas Cortes de Tomar de 1580 ainda poderiam vir a ser cumpridas. Concretamente: que as duas coroas não estariam nunca unidas; que a língua oficial da zona portuguesa continuaria a ser o português; que os cargos mais importantes da nação seriam exercidos por fidalgos da nobreza de Portugal. Por isso também, como me escreveu Aurélio Bentes Bravo, erudito portalegrense a quem tive a honra de consultar, «a construção da fonte em honra de Filipe III, naquela época teria sido muito provavelmente pacífica e mesmo aclamada, como o foi aliás e muito, a anterior visita de Filipe II a Portalegre, em 1581».
            Será só tempos mais tarde que essa esperança se desvanecerá por completo.
            Pensara eu que, imediatamente após a restauração da independência, se teria querido destruir a fonte. Pode isso ter acontecido, porque toda a documentação relacionada com a dominação filipina foi naturalmente destruída, como gentilmente me confirmou o Doutor António Ventura, ele que é um portalegrense de alma e coração. O certo é que, como me relatou Aurélio Bravo, um documento espanhol de 1801 ainda referia que, entre as fontes de Portalegre, a melhor é «la de la Plaza de la Magdalena de figura piramidal, con acoplamento en la mitad del que se distribuyen ocho caños». E virá a ler-se, numa acta camarária de 1886, que a fonte «estava em deterioração quase completa, necessitando ser substituída», adiantando-se uma proposta de venda ao principal industrial da cidade, o inglês George Robinson, pela quantia de 80$000 réis. O industrial comprou-a e guardou-a desmontada no quintal do seu solar. «Em 1979, os herdeiros de George Robinson decidem propor à Câmara de Portalegre a sua compra, que não se realizou por ter considerado o preço excessivo. Acabaria por ser comprada por um particular (que parece que se dispunha a levá-la para fora do país) que depois a vendeu, como se sabe, à Câmara de Cascais, que felizmente obstou a que tal acontecesse», salientou Aurélio Bravo (informação que muito agradeço).
            Uma fonte portalegrense em Cascais! O cantar das suas bicas (nem todas em funcionamento) encantará quem porventura se disponha a estar uns momentos junto dela, em pausa de um apressado caminhar. Surpreendê-lo-á, porventura, o enigmático letreiro e o desenho de um castelo. Acontece, porém, que esse cantar e esse letreiro escondem, como se viu, uma história milenar!

                                                                                  José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 265, 2019-01-23, p. 6.

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