Molda-se
o Homem ao seu ambiente? Sim, adapta-se! Na montanha, é madeireiro ou pastor; junto aos rios, pesca e cultiva os campos. Carece de
alimento, carece de abrigo para se repousar da canseira dos dias. E faz choupana
de colmo ou de troncos, adoça grutas, usa o barro ou trabalha a pedra.
Assim em S. Brás, nos Funchais, onde o chão se prodigalizava em lajedo fácil de trabalhar. Os trabalhadores punham os bancos a descoberto; os cabouqueiros estudavam o melhor corte; os canteiros presenteavam os clientes com peitoris, ombreiras, lintéis para dar solidez às casas ou, mui simplesmente, lancis para delimitar passeios de ruas e de estradas.
Não lhes bastava, amiúde, aprimorarem-se no alindar a escopro de dentes as arestas ou a bujardar as superfícies; aqui e além, ia um adorno mais, uma folha, o baixo-relevo dum fruto ou a data da construção e as siglas do nome do proprietário. O canteiro a sonhar escultor!...
E com viagens sonhava, quando lhe pediam para esculpir um marco quilométrico com os quilómetros a que ficava o destino mais próximo. Letra bem feitinha, a ser pintada depois. E os números que bem se entendessem, mormente nos hectométricos, a que só alguns ligavam importância, mas onde o canteiro se esmerava também: 1, 2, 3… E quanto se orgulhou ao gravar na parte arredondada de cima E. N. 2! Está bem, havia a de Lisboa ao Porto, a Estrada Nacional nº 1, mas esta era muito maior, de Faro a Chaves!... O país de lés a lés! E o canteiro sonhava: como é que seria Chaves? Dizem que há lá uma ponte romana!...
Afamados, foram os canteiros de S. Brás para as pedreiras de Meknés, em Marrocos, no começo do século XX, com o apoio do vice-cônsul João Rosa Beatriz, e, a partir dos anos 40, para Cascais, onde introduziram novas formas de trabalhar a pedra.
Canteiros de S. Brás, uma tradição, uma honra!
José d’Encarnação
Texto que figura numa das paredes da Casa Memória EN 2, em S. Brás de Alportel, espaço museológico inaugurado a 22 de Agosto de 2020.
Que bonito texto, recheado de palavras saborosas e de belas imagens ligadas ao sonho do canteiro. Que os homens que trabalhavam a pedra, olhando para o chão tinham a alma no céu. Bela homenagem, também, aos canteiros de S. Brás, e que eu já tinha lido na altura da inauguração da Casa Memória EN 2, em S. Brás de Alportel. Parabéns.
ResponderEliminarMuito bem!
ResponderEliminarUm belo texto que merece fazer parte da memória
da nossa simpática vila serrenha de São Brás.
Bem hajas!
Victor Brito
Transcrevo, com todo o gosto, o comentário de Paulo Bernardo no FB:
ResponderEliminarPaulo Bernardo
Funchais terra mista entre Bordeira, Machados e São Brás, qual serra Pelada onde não se procurava ouro mas sim a pedra que alimentava, a construção à volta da capital Algarvia. Nessa foto vemos dois artistas de trabalhar a pedra, um dos quais ainda meu primo. Já homens saíram para Monchique, Cascais, Europa e Américas onde deixaram a sua arte, que muitos encanta e que por aqui se esqueceu, foram tempos duros que não são bons de recordar onde a fome se encontrava no fundo da “tarreta” que levava o almoço para quem duramente trabalhava. Este bater na pedra dura deu origem à fileira dos Ferreiros pois sem uma boa alfaia não se pode trabalhar bem a pedra. Dos Ferreiros tivemos também os foles que em grande serviam para avivar as brasas e em pequenos davam música (acordeão) a mesma técnica para dois fins. Esta mistura de esforço, música e riqueza ( pois essa indústria, criava também riqueza) atraiu poetas, pois os músicos Bordeira encarregava-se de os ter, muito perto dos Funchais na casa do Mecenas Zé Catrina, industrial da pedra, António Aleixo teve seu refugiu e muita da sua inspiração saiu do meio pedra. Recordações de uma criança atenta. Um abraço
Paulo Bernardo
ResponderEliminar15 de março às 13:08
Li com atenção o seu artigo e posso lhe dizer que me caíram algumas lágrimas pela referência à Barraca de Pau, local de muitas histórias que ouvi os meus tios contarem e ainda lá fui devia ter os meus 6 para 7 anos, sei que visitámos alguém que presumo que filho do proprietário do local que era camionista se a memória não me falha, pois queria mais ir ver a Boca do Inferno. Os meus tios foram para Cascais nos finais dos anos 40. Como refere, a diferença do trabalho entre Funchais e Cascais não era nenhuma, até a sua actividade de fazer brita com oito anos era igual, apenas o valor ganho era 4 vezes mais. Por isso a mudança; depois, mais tarde, um foi para o Canadá e outro para a França.