Devido a uma avaria técnica, a sirene dos Bombeiros de
Cascais deixou de tocar ao meio-dia. Há longos meses. Não houvera esta situação
de pandemia, não houvesse diminuído o pulsar cascalense e já teríamos protestos
na rua. Não temos. É pena.
Segundo pude apurar, a avaria é informática e só uma empresa
do Norte tem capacidade para a reparar. Até agora, tantos meses passados, os seus
técnicos não lograram arranjar tempo para dar uma salada até Cascais. Cascais
fica-lhes longe como o raio e pelas proximidades nortenhas há tarefas mais
fáceis e, quiçá, compensadoras. Que Cascais se dane! E, de resto, que mania
essa de tocarem ao meio-dia! Marroquinos! A quererem muezim do alto do minarete
a convidar para a oração! Finórios é o que é!...
Pois, cavalheiros, isso da sirene não é assunto de muezim
nem de gente fina, não, mas do Povo! Desenganem-se! Habituados estamos, há
muito, ao meio-dia da sirene, que nos pautava a jornada, na vila e nos
arredores.
Restam-nos, é claro, as sirenes de Alcabideche e do Estoril,
que ouvimos bem, quando o vento está de feição. Mas essas mais nos fazem ter
saudades da nossa!
Para quem está na vila, sempre se pode regular pelo toque
das ave-marias do sino da igreja matriz; quem vive nos arredores não tem esse
privilégio.
Contente deve estar aquele senhor que mora no Alto da
Pampilheira e que, por trabalhar de noite, sempre que a sirene tocava ele ligava
para o quartel a barafustar que o acordavam. Faz-me lembrar os estrangeiros que
vieram para a zona oeste de S. Brás de Alportel e que não queriam o avé de
Fátima da capela de S. Romão durante a noite; o prior fez-lhes a vontade e, aí,
houve informáticos que resolveram a situação; não foi preciso chamar esse
pessoal do Norte.
Em Cascais, Também já não nos deixam participar da angústia
de um incêndio ou de um naufrágio, porque o chamamento dos bombeiros é feito
por telemóvel. Modernices! Não há aquela sensação de pertença a uma comunidade,
no bem e no mal. Já não chora a sirene quando sai o funeral dum dos
bombeiros...
Temos saudades. A sirene é aquele ar de quem está alerta,
zela por nós....
Numa das vezes em que estive em Poitiers, na França, ao
meio-dia todas as sirenes da cidade deram em tocar. Perguntei porquê. Em dias
determinados, explicaram-me, faz-se essa experiência, que já vem do tempo da
guerra, para verificar se tudo funciona a preceito, não se dê o caso de ser
preciso dar o alerta e o sistema não funcionar.
Quando visito o Palácio Nacional da Pena, pergunto sempre se
não pensam pôr a funcionar o pequeno canhão da varanda, que, por engenhoso
processo físico, fazia com que, ao meio-dia solar, a pólvora puxasse fogo por
meio do calor da forte lente e o som ribombava pelas encostas. Paciência. O
canhão é lembrado mas está inoperacional. Assim a sirene de Cascais.
Custa-nos. E todos nós a desejarmos matar saudades! Apuramos
o ouvido e ouvimos as do Estoril e de Alcabideche. Mas não matamos a saudade.
José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 337, 2021-08-21, p. 6.
Saudades de ouvir a sirene.
ResponderEliminarTenho estranhado não ouvir a sirene anunciando o meio dia. Não sabia o motivo . Muito obrigada Prof Encarnação pela sua explicação. Vejo em Cascais alguns placard com indicação de procedimentos em caso de tsunami.Será que a sirene, com código próprio, não fará falta para avisar a população???
ResponderEliminarDe: José Fialho
ResponderEliminar27 de agosto de 2021 08:47
Já li a crónica no jornal Costa do Sol, e envio-lhe os meus parabéns pela maneira como descreve o problema de “difícil resolução”.
Escrevinhei e não toquei para publicar...Dizia eu que nunca ouvi a sirene do Alto Estoril ( dos Bombeiros) a tocar a não ser aquando dos incêndios. Quanto à de Alcabideche,quando o vento está de feição, ouço a com muito prazer na minha terra,no Monte Estoril.
ResponderEliminarQuanto à pressão para que a de Cascais retorne ..é só dizer...
Gostei muito de ler este texto embrulhado em ironia e muita oportunidade. Não sabia do silenciamento da sirene dos Bombeiros, nem da "extrema dificuldade" em arranjar-se ajuda técnica por aqui! Quem sabe se não foi protesto dos senhores que trabalham no turno da noite? Aos quartéis e autoridades locais, que podiam intervir, é bem cómoda a solução do telemóvel, que aliena toda a gente a partir dos primeiros anos de escolaridade. Espírito de comunidade? Desvalorizam, é coisa do passado. Ou talvez o interpretem como a integração no bando dos telemóvel-dependentes que não vêem o vizinho do lado. Podiam reunir com corporações de Bombeiros de outros países (França, representada por Poitiers, por exemplo) e partilhar experiências...Muito grata por mais esta partilha cheia de significado.
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