Existe
no lugar da Alagoa (Moimenta da Beira), a pouco mais de 200 metros a
nor-noroeste da igreja paroquial de São João Baptista, a capela de Nossa
Senhora das Mercês, de estilo pombalino.
Esta
capela é a primeira das sete que vêm mencionadas na Memória Paroquial de
Moimenta da Beira, que é a resposta do pároco da vila de Moimenta da Beira,
Francisco Gonçalves, datada de Maio de 1758, ao questionário enviado pela Coroa.
Aliás, Bento da Guia – que a considera edificada sobre as ruínas de uma anterior
— relaciona-a, de uma forma assaz curiosa, com duas delas, a de S. Sebastião e
a da Senhora do Amparo. Segundo ele, tudo estaria ligado: S. Sebastião
equivalia ao «acabar de todas as guerras»; a Senhora das Mercês, «a libertação
de todos os cativeiros»; e a da Senhora do Amparo, «a misericórdia vigilante para
todas as carências» (As vinte freguesias de Moimenta da Beira, 3.ª ed.
Viseu, 2001, p. 278). Aí também se informa (p. 328) que, na sequência de
promessa feita a 20 de Abril de 1649, por ocasião da praga de lagartas que
destruía os soitos, a essa capela, entre outras, se cumpria romagem anual.
Encastrada
na fachada posterior da capela, ao centro, em plano superior, voltada a noroeste,
mostra-se uma edícula, de granito de grão médio, com 57 cm de altura por 38 de
largura. Tem a encimá-la frontão triangular flanqueado por pináculos encimados
por esferas. A superfície central, lisa, sem vestígio de ter sido pintada ou de
haver levada algum escrito, é ocupada por uma tarja pentagonal, rebaixada,
limitada por moldura em filete, que termina em volutas, uma de cada lado, a
envolverem, de certo modo, a inscrição em duas linhas na base.
O P inicial desse
letreiro lê-se bem e está seguido de um ponto. Vem depois o que parece ser D
(há uma racha na pedra nesse local) com um S deitado; no final, M com ponto a
indicar que deve entender-se como sigla. A linha seguinte, entre as volutas em
relevo, mostra a data que interpretamos como 1756: o 7 com breve barra horizontal
superior; o 5 gravado quase como S, como era hábito no século XVIII, embora não
esteja inteiramente perceptível; o 6 é claro. Uma data que se aceita bem,
porque pode resultar de reedificação ou restauro levado a efeito logo após o
terramoto de 1755.
E para que
imploramos o auxílio da Senhora?
Primeiro, porque –
se DAS M(ercês) até se nos afigurava normal estar escrito na placa, como que
para identificar o edifício (ainda que seja estranho estar na sua parede
posterior) – para o P inicial não encontramos, de momento, solução de
desdobramento.
Depois, porque o
Padre António Francisco d'Andrade, ao referir-se a esta capela no seu livro Descripção
e Historia do Concelho de Moimenta da Beira (Viseu, 1926, p. 31), diz que
há, na sua «parede da retaguarda, numa lápide parietal, a data de 1164».
É, pois,
verosímil, que a lápide actual tenha substituído a anterior, ainda que nos
cause confusão como é que, escrevendo em 1926, o Padre Andrade se haja referido
à inscrição do século XII e não a esta, do século XVIII, na medida em que essa
substituição poderá ser explicada, como atrás se disse, pelo facto de ter
havido destruição aquando do terramoto. Contudo, destruição não houve, porque teria
sido notícia que o prior Francisco Gonçalves não teria deixado de relatar, no
quesito expressamente a isso dedicado, o nº 26: «Se padeceu alguma ruína no
terramoto de 1755 e em quê e se está já reparada»; e, nesse aspecto, ele é
peremptório: «não padeceu ruína alguma» (Memorias Paroquiais – Arquivo
Nacional da Torre do Tombo - vol. 25, nº 259, p. 1923).
Portanto, à
Senhora das Mercês uma mercê ora se roga: se houve essa placa de 1164, a
denunciar que aí existiu ermida dos primeiros tempos de Portugal, onde se
poderá saber mais acerca dela? Que, Senhora, a Vossa ermida, assim, bem envolta
anda em mistério!...
José
Carlos Santos
José d'Encarnação
Publicado em Terras do Demo [Moimenta da Beira], 19 de Agosto de 2021, p. 6.
Um texto fabuloso que me deu muito gosto ler.
ResponderEliminarÉ comovente perceber a devoção dos povos, desde tempos imemoriais, aos seus padroeiros, ou santos de confiança, aqui um trio com funções várias e complementares. E a construção das capelas...e a romagem a respeitar a tradição. E depois os termos magníficos usados em arquitectura e epigrafia : edícula, frontão, pináculo, tarja pentagonal, moldura em filete, ou as volutas que abraçam a inscrição. É ela, na acapela da Nossa Senhora das Mercês, o destaque. E não deixa de ser aliciante esse trabalho reflexivo para descobrir o passado, como se estivéssemos num policial, embora aqui, brandamente, se peça um milagre para que apareça a placa do século XII. Não será difícil, se as preces até acabam com pragas de lagartas...