quarta-feira, 20 de março de 2024

Ruralidades

            Aceitou a Freguesia de Viseu o desafio de publicar em livro de prestígio, excelente apresentação gráfica, capa cartonada, o álbum intitulado Ruralidades, da autoria do Dr. Alberto Correia. Fotografias do Arquivo Foto Germano, de Viseu; design de Sónia Ferreira. 2023, 500 exemplares, 64 páginas.
            Louve-se a sensibilidade do seu presidente, Diamantino Amaral dos Santos, que salienta, na Nota Introdutória, este «discurso simples e delicioso, que matiza e faz persistir as memórias de gentes pitorescas»; louve-se a disponibilização de  verba para a edição; louve-se a forma original como o Autor legendou, na página da direita, a foto inserida na da esquerda, fazendo-a falar, levando-nos, em clave poética, a melhor a contemplar e a entrar, de mansinho, na existência antiga do que ali se apresenta como que apanhado em fragrante…
            Optou-se – e bem! – por magníficas fotos a preto e branco, que mui adequadamente realçam o instantâneo captado. Nada de poses, de artifícios! É mesmo o instantâneo natural, susceptível de transmitir o viver quotidiano. Acontece, porém, que o Dr. Alberto Correia não se limita à mera evocação dos seus tempos de menino, mas evoca sobretudo – e isso é que importa realçar – o halo poético que deles inevitavelmente dimana, com o objectivo de preservar a memória, fautor de manutenção de identidade!
 

            Não resisto a exemplificar usando a imagem (mui difícil, muito difícil mesmo a minha opção, confesso!) escolhida para a capa: a das lavadeiras na Ponte da Azenha, no rio Pavia. Aí cumpriam elas «a arregimentada tarefa do lavar da roupa de uma abonada burguesia (…)» e «de uma residual e caprichosa fidalguia». A burguesia a viver em «solenes mansões»; os fidalgos, nos «últimos solares que resistiam à ruína».
            Tarefa acabada, roupa corada, enxaguada e seca «na suspensão festiva do cordame», dobrados «os lençóis de linho, as roupas de uma não desvelada intimidade, toalhas de mesa e  peças de enxoval», o poeta anota:
            «Um filho ao colo, um filho pela mão, os passos marcados no subir da calçada e o cheiro a sol que as lavadeiras deixavam à porta de um lar. E a roupa delas que ficar por lavar!...».
             Ouvimos-lhes os passos, sentimos-lhes o cansaço, deixamo-nos ficar. Maravilha!

                                                                José d’Encarnação

Publicado em Renascimento [Mangualde], nº 861, 15/03/2024, p. 10.

 

3 comentários:

  1. Muito grata pela revelação deste novo livro dado à estampo, José d' Encarnação, um documento para memória futura.
    Adoro fotografia a preto e branco. Para revelar um tempo passado, não haverá melhor opção.
    Sozinha esta imagem fala de usos e costumes pretéritos, gestos que marcaram gerações e que tão belos se tornavam, na tremenda injustiça das desigualdades sociais.
    Um grande abraço. Parabéns e êxitos para para o autor.

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  2. "dado à estampa", mas que coisa restes enganos repentinos!

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