terça-feira, 5 de março de 2024

Miosótis

             Uma luz diferente quis envolver o raminho. Chamou por mim. Cativou-me – a recordar a frase d’O Principezinho:

«Quando se ama uma flor plantada numa estrela, é um encanto, à noite, olhar para o céu: todas as estrelas estão floridas».

Assim o miosótis.

Florinhas de corolas hexapétalas de um azul cerúleo, estames amarelos ao centro envolvidos de branco; folhas lanceoladas, só de nervura central de um verde mais carregado. Beleza! Vistas assim, de parede cinza ao fundo: maravilha!
            Dir-se-ia artificial arranjo de ikebana, mas não é: rendo-me ao Criador!
            Não resisti. Fotografei a serenidade bela do meu miosótis. E mais pasmado fiquei quando vim a saber do seu nome popular: não-me-esqueças!
            Irresistível a vontade de o começar a partilhar. De Portugal voou, por exemplo, para Roma. Recebeu-o Eugenia Serafini com particular carinho e, num repente, quis dedicar este haiga:

                        Piccoli fiori

  Sorridono alle

                S t e l l e

    Volo di Colibrì

As flores bem pequeninas
Sorriem para as estrelas
Qual voo de colibri

Ikebana, arranjo floral japonês; haiga, desenho simples, com traços singelos, a complementar o haikai, poema conciso. A delicada simplicidade japonesa, imagem e poesia, a sublimar a admiração, a concretizar a comunhão entre a Arte divina captada por uma objectiva e catapultada – pela Poesia – para um horizonte superior.

Imaginamos o sereno esvoaçar do colibri a tentar sugar mui saboroso néctar – e quedamo-nos, alfim, em mui contemplativo silêncio, alheados, completamente alheados do vertiginoso corrupio em que se nos escoam os dias…

José d’Encarnação

Publicado em Renascimento [Mangualde], nº 860, 01/03/2024, p. 10.

3 comentários:

  1. Realmente são lindas!!!

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  2. Che bella introduzione ai delicatissimi myosotis, hai un animo gentile caro amico José, e grazie per avere citato il mio haiku. Eugenia

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  3. Agora compreendo muita coisa...
    Uma tia minha tinha um quintal que parecia um jardim.
    Atravessava-se uma ponte de cimento sobre o rio, protegida por altas paredes brancas, entrava-se (e fechava-se logo) uma porta estreita e vermelha e ordenado-desordenado à volta de um tanque redondo com repuxo, o quintal ajardinado ia-se afeiçoando ao terreno.
    Do lado direito duas cameleiras emaranhadas uma na outra. Bastava tocar-lhes e as pétalas derramavam-se pelo chão. Trazia algumas para os meus herbários até reparar que, quando secas, não tinham graça nenhuma.
    Havia canteiros com flores por aqui , por ali, à volta das cenouras e cebolas. E do lado esquerdo um caramanchão metálico, com um banco de madeira sob a ramagem das minhas rosas preferidas: rosas de Santa Teresinha.
    O quintal tinha limite: ao fundo uma parede alta de pedra que suportava terrenos sobranceiros. E era quase no limite que havia um canteirinho de miosótis que eu achava lindos, de uma pureza invulgar como o azul do céu de Verão.
    Não sabia que lhes chamavam "não-me-esqueças", mas compreendo agora porque tanto esse espaço povoa as minhas memórias passada uma eternidade.
    Muito belos o haiku de Eugenia Serafini e o texto.
    Não conhecia

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