sábado, 22 de novembro de 2025

Ironia do Destino!

             
               Quando algum acontecimento inopinadamente sobrevém e acarreta com ele consequências, à primeira vista, inesperadas, mas que confirmam uma secreta suspeição – a exclamação surge, espontânea: «Ironia do Destino, amiga, ironia do destino!»..
            Demonstra, primeiro, a crença de que, querendo ou não, sempre houve uma qualquer Entidade superior a nós que outras malhas teceu; depois, que, mais tarde ou mais cedo, o carro da vida acaba por voltar ao carril certo, desde há muito traçado.
Ironia assume, desse Destino, o lado mais jocoso, sublinhado com um sorriso malandro do jeito «Eu não te disse? Tinha que ser!». Fado, ao invés, prefere vestir-se de negro: a má sorte. Nas tragédias gregas, o coro acentuava esse lado lúgubre, acabrunhado; daí que, amiúde, se atribua ao nosso fado esse ar de tragédia sem mezinha.
Lembrei-me de me embrenhar no significado da palavra. Vim a saber, em primeiro lugar que, em peças teatrais gregas, houvera o personagem «eiron, que dissimula e aparenta menos inteligência que possui — triunfando, assim, sobre seu oposto, o alazon, fanfarrão, vanglorioso». Sim, nós temos o alazão, que os dicionários dizem ser derivado o árabe «alhisan», aplicado sobretudo ao cavalo, com o significado «de cor de canela». E não poderia, ao invés, ter vindo do grego? Quando exclamamos «eu não te dizia?» perante a tal ocorrência inesperada, «por ironia do Destino», não assumimos esse ar de vitória? Assumimos.
Seja como for (e, amigo, não vale a pena embrenhar-se em elucubrações: ironia dramática, ironia cósmica, ironia verbal, ironia romântica…), a ironia é, acima de tudo, uma arma, a espada de gume afiado que os parlamentares argutamente manejam a seu bel-prazer e que surte, habitualmente, o efeito de mui salutar e demolidora gargalhada.
Casos há, porém, em que não dá vontade nenhuma rir, mesmo que a frase o possa dar a entender:
– Estás a brincar comigo, é?
Se dita pela mulher ao marido, a martelar as palavras, olhos bem abertos, tom ameaçador… mais vale o visado pôr o rabinho entre as pernas (como o gato) e… mudemos de assunto! Ela não está a brincar!

                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 348, 20-11-2025, p. 13.

 

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