terça-feira, 15 de março de 2011
Carlos Avilez
O facto de acompanhar o Teatro Experimental de Cascais desde o primeiro ano da sua existência, em Cascais, no ano de 1965, levou-me inúmeras vezes a falar de Carlos Avilez e a entrevistá-lo. Senti, porém, nestes dias, a necessidade de voltar a falar dele, porque me impressionou o conteúdo do programa da peça ora em cena no Mirita Casimiro, O Comboio da Madrugada, a que me referi na passada edição.
É que, sob o título «Eunice», Carlos Avilez começa por dizer que «trabalhar com esta grande Senhora do teatro é uma experiência inesquecível e maravilhosa» e agradece-lhe, agradecimento que torna extensivo a todos e a cada um dos que mais directamente intervêm no espectáculo.
Até aqui, nada de especial. Carlos Avilez é um Senhor e, como tal, sabe quanto o trabalho em equipa é cada vez mais importante e exemplar nos tempos de egoísmo em que vivemos. Acontece, todavia, que, na conversa entre ele, Eunice Muñoz, Pedro Caeiro e Miguel Graça, Carlos Avilez termina assim:
«A mim dá-me vontade de perguntar: o que é que se faz depois disto? Não me importava de não fazer mais teatro e ficar como a senhora Goforth, fechado numa montanha a viver momentos como os que passámos nestes ensaios, e a recordá-los».
Que é lá isso?... E nós? E os alunos da Escola Profissional de Teatro de Cascais, que ainda tanto esperam de si? Lembra-se d’«As Criadas»? De «Fuenteovejuna», de «Ivone, Princesa da Borgonha», do «Balcão»… e tantas outras maravilhas? Também não lhe apeteceu, nessas alturas, ficar a reviver, mormente antes do 25 de Abril, com a adrenalina toda que era tentar enganar os esbirros da Censura?...
Permita-me que lhe recorde que, na edição de 9 de Novembro de 1965 (eu sei, já lá vão quase 46 anos, já vivemos muito, Carlos!...), o jornal A Nossa Terra enviou à estreia – foi a Esopaida, de António José da Silva, o Judeu, lembra-se? – dois repórteres: um do contra; outro, não.
O do contra escreveu: «(…) Não é o teatro do TEC que nos interessa. (…) Queremos (…) um grupo que nos proporcione momentos de distracção, que nos estimule o gosto pela arte, (…) em suma, que eleve o nosso nível cultural. Não é isso o que o TEC nos proporciona, infelizmente».
E o outro:
«E, ao abrir do pano, cada espectador era um derrotista e um pequeno crítico em potencial. Sentia-se nos camarins a sensação de pânico; havia no público um ambiente de descrença, gelo e apatia como preâmbulo dum espectáculo!
O final da 1ª cena foi sublinhado com prolongada salva de palmas. O público estava surpreendido, confuso, no constrangimento dum espectáculo que se lhe impunha; no inesperado duma arte de que se ia apercebendo.
E quando Esopaida chegou a seu termo, esse mesmo público não regateou aplausos calorosos e enternecidos, aplausos amigos e sinceros, tardia penitência da descrença e cepticismo».
E concluía: «O Teatro Experimental de Cascais é uma incontestável realidade e uma página escrita na história do teatro nacional».
Meu caro Carlos, acredite: vale a pena! E os ensaios do porvir trarão maior consolo ainda! Que os píncaros de Capri são frios, há uma neblina cortante e, lá em baixo, o mar morde, implacável, os rochedos, não sossega!...
Publicado no Jornal de Cascais, nº 257, 09-03-2011, p. 6.
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