E
importa explicar, desde já, a razão de ser do adjectivo «teimosa»: é que
Marionela Gusmão tem levado por diante este projecto (hoje tem de falar-se de
«projecto»!…), graças a uma insuperável tenacidade, contra ventos tempestuosos
e bem adversas marés.
Sempre
a revista deu conta do que de mais relevante havia a referir no mundo da
criação estilística; aliás, Marionela Gusmão tem tido ensejo de privar com os
mais conceituados estilistas e de sentir, por isso, quanto a moda não é apenas
uma profissão mais ou menos rendível, mas um mundo em que outros valores – como
a Beleza, o Bem-Estar, a Cultura… – ocupam também lugar proeminente.
Não
é, pois, casual o facto de, a par com a apresentação de esbeltos modelos –
esbeltos no vestir, esbeltos na… moldura! –, Moda & Moda venha, em cada número, prenhe de noticiário acerca
de exposições, recheada de temas históricos e de reportagens sobre como é que
determinado adereço se usou ao longo dos séculos. E, aqui, realce é de dar à
sagacidade da investigação e à oportunidade ímpar das mais insuspeitadas ilustrações.
Na
capa do número ora em apreço sugerem-se os mais relevantes temas tratados:
–
a arte bizantina;
–
o Renascimento e o sonho: uma espreitadela a Jerónimo Bosch (Fig. 1), Veronese, El Greco e tantos
outros, na mostra que ainda pode ver-se, até dia 26, no Museu do Luxemburgo, em
Paris);
–
os têxteis em grande plano, a propósito da «fabulosa exposição Folie Textile – Mode et décoration sous le Seconde Empire, organizada no Palácio
nacional de Compiègne (França);
–
a pormenorizada e bem elucidativa entrevista a Isabel Silveira Godinho, eloquente
balanço do que foi, a partir de 1983,
a incessante actividade da «grande Dama do Palácio da
Ajuda», balanço que termina com o apelo a que se pense em trasladar para Portugal
os restos mortais de D. Maria Pia, «a única rainha que continua com o lugar
vago no Panteão de S. Vicente de Fora»...;
–
os instantâneos sublimes captados pelo fotografo Raymond Depardon, expostos,
até 10 de Fevereiro, no Grand Palais, em Paris;
–
uma nota breve, mas do maior interesse, sobre a Biblioteca de Estudos Humanísticos,
mais de 7000 volumes (entre eles uma «preciosa colecção de cerca de 30
manuscritos dos séculos XVI a XVIII – Fig.
2), um «património bibliográfico e cultural» que o Banco Espírito Santo adquiriu,
em 2008, à família do professor Pina Martins;
–
a trilogia «Arte, História e Moda», na sugestão de virem a ser, como tem de
ser, «pináculos de um tempo novo»…
Mas
fala-se também de pérolas, de perfumes e… de Natal!
Notável,
como sempre, o editorial, em que Marionela Gusmão dá asas à sua enorme
capacidade de comunicação e aponta, em espírito crítico, com um saber de experiências
feito (passe o aparente lugar-comum), os rumos que importa seguir, esperança e
fé:
«Os
sinais de esperança têm que andar por aí, qual ave por céus inacabados, à espera
que o vento retorne à calmaria e o Sol o enxugue. Acredito que nas searas cada espiga
de trigo vai ter mais de 20 sementes e haverá mais abundância. Já plantei as
“searinhas” com que enfeitarei a cómoda onde vai ficar, até 6 de Janeiro, a
imagem do Menino Jesus. […] Vou com fé, a correr até à encruzilhada da esperança.
Vou mesmo!».
Essa é a frase final; contudo, pelo meio, há
todo o natural verberar contra a situação «de instabilidade vergonhosa» em que
se vive. Em que um empresário não pode «fazer previsões», porque «um dia conta
com um imposto e, além de ter uma rubrica para os hipotéticos incobráveis,
ainda tem que acrescentar as dúvidas com que o Ministro das Finanças nos
assusta»…
Vale,
por conseguinte, a pena saborear essas 162 páginas, de muito bom papel couché, profusamente
ilustradas a cores, um regalo para a vista, como, por exemplo, na moda bizantina,
qual forma de «bordar a História», vestidos de encantar (Fig. 3)! E a anunciada viagem pelo mundo da pérolas? Só visto!
Legendas das ilustrações
Fig. 1 – Escola de Jerónimo Bosch. A visão de Tondal. 1520-1530.
Óleo sobre madeira: 54 x 72 cm .
Madrid, Fundação Lázaro Galdiano. © Museo Lázaro Galdiano, Madrid.
Fig. 2 – Manuscrito encadernado com fólio de pergaminho de um antifonário,
1555. Exemplo do recurso aos manuscritos dos mosteiros para encadernar outros
manuscritos e livros.
Fig. 3 – Que mais admirar? A beleza dos adereços ou a magnífica
imitação de mosaicos, no mais perfeito estilo bizantino? Uma criação de Dolce
& Gabanna.
Publicado em Cyberjornal, 05-01-2014:
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