terça-feira, 6 de maio de 2014

Olhar nos olhos

             Tu já reparaste? Ele, quando fala contigo, alguma vez te olha de frente? Parece que está sempre com medo que lhe descubras alguma coisa que te quer esconder! Creio que te não vê como pessoa igual a ele e, se calhar, também ele se não sente tratado como tal. E olha para aquele senhor que está ali na caixa do supermercado: parece um autómato, nem se apercebe de como é o cliente, nem sequer lhe disse “boa tarde!”… Está de mal com ele e com o mundo!... Tudo isso, amigo Leonel, pode ter começado na escola. Eu tive a sorte de me calhar uma professora que, apesar das palmatoadas que me deu quando eu não fui boa rês, me tratou sempre como um indivíduo, me observou atentamente e, quando eu acabei a quarta classe, apesar de meus pais serem pobres, insistiu com eles para que eu continuasse a estudar e diligenciou, inclusive, no sentido de eu ter quem me pagasse os estudos. Devo-lhe o que sou!... Precisamos de reencontrar esses gestos, esses olhares, essa atenção! E lê a mensagem que o meu colega António, docente universitário, há dias recebeu:
            «Venho por este meio responder que foi um prazer ter esta disciplina com o professor, gostei muito dos seus métodos de ensino e queria realçar que foi muito importante para mim o professor ter lido a minha resposta do último teste em voz alta para a turma. Deu-me motivação para estudar mais e ver que tenho capacidades para mais. É bom ver que ainda há professores que se preocupam com os alunos e a sua aprendizagem. Obrigado por este semestre, foi um prazer!».
            Mensagens destas consolam, amigo! E dão ânimo para se continuar nessa senda. Afinal, um gesto bem simples: perguntar quem tivera boa pontuação naquela resposta e optar por ler, comentar e louvar a de um dos estudantes (por vezes, irrequieto e desatento). Chama-se a isso… «motivação»!
            Aquele empregado do supermercado, autómato, não está motivado e chega ao fim do dia morto de cansaço; aquele teu amigo que nunca te olha de frente carrega sobre os ombros um suplício como o de Sísifo: empurra a pedra até ao cimo do monte e, quando está quase a chegar, a pedra resvala e rebola de novo encosta abaixo. E ele desce, cansado; e, trôpego, volta a empurrá-la para cima…
         
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 638, 01-05-2014, p. 12.

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