segunda-feira, 12 de maio de 2014

Um livro de cabeceira

            Naqueles derradeiros minutos de vigília quotidiana, apetece ainda – para além da breve oração e do proveitoso exame de consciência – passar os olhos, mais uma vez, por aquele livro há muito a ocupar esse lugar privilegiado. Uma companhia, um deleite, um sereno lavar d’alma depois de fadigosa jornada. O livro de cabeceira. Escolhido dentre aqueles com que, um dia, adregámos tropeçar e nos enleou para sempre; ou mesmo feito por nós, qual apreciada e confortante manta de retalhos ou bússola norteadora de pensamento e de acção.
            O livro que Celestino Costa nos apresenta pertence a este último grupo e resulta, é bem de ver, de leituras pensadas, ditames transformados em singelas normas de vida.
            Monótono e compassado era o bater seco da maceta no escopro ou no badame; doutro mundo era o seu, passeando-se por entre mármores e cruzes, rasgando epitáfio agora, arquitectando jazigo depois. Existência de palavras poucas e reflexões sobejas. Impregnada, portanto, de uma filosofa própria, a relativizar o presente e a dar vida – nos versos e no sentir – a um passado sabiamente recuperado em partilha. Para que não se olvide. Para que o Homem seja mais humano: homens, mulheres, cônjuges, sábios, artífices, camponeses… Todos!
            Na placa que para mim esculpiu, Celestino Costa gravou: «Senão vindo de fora e arrombando a porta». Não foi preciso perguntar-lhe porquê. É frase do novelista francês Jean-Baptiste Alphonse Karr (1808-1890) e vem completa nesta recolha: «A reputação de um homem de talento não penetra no seio da sua família se não vindo de fora e arrombando a porta». Tem razão: vamos arrombar a porta!

Prefácio ao livro Dos Outros para Mim, de Celestino Costa, edição de autor e de Apenas Livros (Lisboa), 2014- Apresentado, a 10-05-2014, na sede da Junta de Freguesia de S. Domingos de Rana.

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