A
investigação científica, nomeadamente a ligada às universidades, faz-se em
centros financeiramente dependentes da Fundação para a Ciência e a Tecnologia
(FCT).
São
esses centros avaliados por comissões de peritos – nacionais e estrangeiros – e
é essa avaliação que determina o montante do financiamento a atribuir.
Na
avaliação entram em linha de conta os projectos em curso e os propostos,
ajuizando-se do seu interesse para o progresso da Ciência. A craveira dos
investigadores é avaliada, de modo especial, pela repercussão que os seus
escritos detêm a nível nacional e internacional. Para isso, criaram-se modelos
importados do estrangeiro, que, por exemplo, só determinam validade aos
escritos em língua inglesa e em publicações que tenham avaliadores a quem são
previamente submetidos os trabalhos candidatos à publicação.
A minha opinião
Adianto
a minha opinião, antes de me fazer eco da polémica em curso.
1º)
Existe a língua portuguesa há 800 anos e é – dizem – uma das cinco mais faladas
no mundo. Para a FCT isso não interessa nada e, em vez de privilegiar a nossa
língua (que, diga-se, no menu do computador, só tem duas variantes, enquanto o
Inglês tem… 18!...), dá-se absoluta prioridade ao inglês! Não se me afigura
politica correcta. Estou contra.
2º)
Apressaram-se as revistas a criar um corpo credenciado de avaliadores, porque é
essa uma condição sine qua non para
serem tidas em consideração. Acho bem. Contudo, direi que até nem me estou a
sentir mal como responsável de uma revista da minha especialidade, na área das
Ciências Humanas, onde publico os textos que previamente analiso (e, se tenho dúvidas,
consulto os meus colegas) e que se me afiguram de interesse, ainda que não
esgotem o assunto, mas lançam pistas para serem discutidas – porque, reitero amiúde,
o mais importante não é resolver os problemas, mas saber colocá-los. Só depois
de um longo processo de creditação, uma revista consegue entrar no rol das
revistas dignas de universal aceitação. A ‘minha’, digo-o desde já, foi
considerada lixo, ainda que os artigos nela publicados sejam citados centenas de
vezes, em Portugal e no estrangeiro! No quadro de avaliação da FCT… não existe!
A polémica
Conhecidos
os resultados da avaliação dos centros, rebentou a polémica um pouco por toda a
parte, atendendo ao descontentamento generalizado, a que a direcção da FCT
reagiu.
Escreveu
o Sindicato Nacional do Ensino Superior, em comunicado do passado dia 29:
«Tal como anunciámos, foi hoje entregue no MEC o pedido de
suspensão do processo de avaliação das Unidades de I&D, de forma a que
possa ser desenvolvida uma reavaliação das Unidades. Este pedido foi entregue
por uma delegação composta por diretores de unidades de investigação, docentes
e investigadores.
O pedido de suspensão foi também
solicitado e entregue pelo SNESup, SPGL-FENPROF, SPN-FENPROF, SPRA-FENPROF,
ABIC e Plataforma pela Ciência.
A forma como todo este processo foi
desenvolvido obriga a uma tomada de posição em defesa da ciência. […]
A indignação da comunidade académica
e científica, bem como da sociedade em geral, demonstra que este é um processo
extremamente grave. É necessário que seja completamente reapreciado, de forma a
garantir o cumprimento dos princípios elementares, sob pena de denegrir o
próprio conceito de avaliação.»
Respondeu
a direcção da FCT, refutando as acusações feitas, nomeadamente as que se
prendiam com a inexistência de avaliadores directamente ligados às áreas de investigação
dos centros; e com a suspeita de que a baixa avaliação constituía forma de
eveotar financiamentos. Recorto alguns desses pontos do «Esclarecimento da
direção da fct sobre o exercício de avaliação das unidades de investigação»
enviado, por correio electrónico, a 30 de Julho, a todos os investigadores inscritos.
Depois de sublinhar que «os
resultados de qualquer avaliação científica produzem desapontamento junto
daqueles cuja classificação ficou aquém das suas expectativas», afirma a
direcção:
«Não podemos aceitar que subsistam dúvidas
ou equívocos relativamente à robustez, rigor e isenção do processo de
avaliação, que foi cuidadosamente desenhado e implementado, de forma profissional
e no cumprimento das melhores práticas internacionais.» [o
itálico é original].
E mais adiante:
«Não é verdade que as
unidades não tenham sido avaliadas por especialistas na sua área científica.
Cada unidade foi avaliada inicialmente por três avaliadores independentes, dos
quais no mínimo dois são especialistas na área de investigação da unidade. Numa
fase seguinte, e depois de ouvidas as unidades, cada candidatura foi avaliada
por um painel coletivo no domínio científico da unidade composto por cientistas
com experiência de gestão e de avaliação de Unidades. O resultado final da
avaliação corresponde a uma decisão colegial e tomada por consenso.» [o realce
a negro é do original]
Logo no dia seguinte, no seu boletim
informativo, o SNESup prometia responder ao comunicado da FCT, ironizando,
desde logo, pelo facto de «um ministério da educação
e ciência liderado por um matemático (eleito com um discurso sobre o rigor)» escrever
que «66% corresponde a 7 em cada dez investigadores»: «Obviamente que os 4 investigadores em cada 100 que saem
deste arredondamento (70-66) importam, até porque na realidade ela não se situa
na ordem das centenas, mas sim na dos milhares».
A polémica
está, pois, para durar.
Voltando à ‘vaca
fria’
Um
dos centros passou de ‘excelente’ para ‘suficiente’. E quando se viu em que
documentos a comissão de avaliadores se baseara, verificou-se, por exemplo, que
um dos catedráticos com maior renome na sua área em Portugal, altamente
considerado no estrangeiro entre os seus pares, que publicara – em português! –
uma série de livros e de artigos nos últimos anos, constava na lista com apenas
uma publicação! E até publicara em revistas com os chamados avaliadores (referees, para se usar o estrangeirismo
corrente!). Assim, pudera! Tinha que ir para ‘suficiente’ a sua unidade de
investigação. Ora, entre os membros da comissão de avaliação estavam pessoas
que conheciam muito bem o trabalho desse e doutros investigadores; mas certamente
nada puderam fazer porque… regras são regras e esses livros e esses artigos só
poderiam ser considerados se devidamente inscritos numa qualquer plataforma científica
recentemente inventada por um grupo de luminares. Tens o teu trabalho lá
inscrito? Serve! Não tens? – Azar o teu!
Sucede,
porém, que esse investigador, tal como eu, é da área das Ciências Humanas, também
já está jubilado, mas ainda se sente com vontade de dar a conhecer o que investigou
ao longo de décadas e nada se preocupa com currículo, porque já dele não carece
(continuarão a cortar-lhe na mesma a pensão!...). E escreve em português!
Não entro
num outro campo deveras resvaladiço que é o dos avaliadores. Há-os deveras
conscientes, mas – ainda que mal pergunte!... – não se está a correr o risco de
criar conluios? É que já tenho exemplos de investigadores que não conseguem
publicar em determinadas revistas, por terem opiniões não inteiramente
coincidentes com as das respectivas direcções e, também, porque (sabes…) não interessa
que fulano publique, porque, no concurso X, ele pode vir a fazer-me sombra!...
Protestar?
Para quê? Quando há antolhos que determinam que só numa direcção se enxergue,
não há protesto que valha!
O
importante é que se lhes tirem os antolhos!
José
d’Encarnação
Publicado em Cyberjornal, edição de 03-08-2014:
Eurico de Sepúlveda comentou, na segunda-feira, 4 de Agosto de 2014, às 10:32 h.
ResponderEliminar1- Embora saibas que a minha dificuldade em escrever em inglês não é grande, acho que TENS IMENSA RAZÃO NESSA "NOVA COLONIZAÇÃO" que pertendem impor aos vários trabalhos que só terão valor se forem escritos em língua inglesa.
2- Bem claro é o facto da existência, apenas, de duas versões de português enquanto que a "outra" apresenta toda uma panóplia que continua ligada ao velho império britânico.
3- Por fim congratular-me por indicares uma das razões fundamentais de tal procedimento - OS ANTOLHOS
Vítor Neto apoiou, na segunda-feira, 4 de Agosto de 2014, às 11:00 h.:
ResponderEliminar«Caro Professor,
Estou globalmente de acordo com o teor do seu texto».
M Conceição Lopes escreveu:
ResponderEliminar«Partilhei no Facebook CEAUCP. Vale a pena ler».
Saul Gomes, na segunda-feira, 4 de Agosto de 2014, às 10:05 h.:
ResponderEliminarJá li e estou de acordo, muito em especial na questão da língua portuguesa e no que refere sobre as "arbitragens" de revistas e livros que nalguns casos são meras farsas. Já vi "pareceres" de pretensos especialistas em determinadas matérias - geralmente negativos, claro... - e que de saber pouco têm. E por aí vai...
Manuel de Castro Nunes, na segunda-feira, 4 de Agosto de 2014, às 10:54 h.:
ResponderEliminarCaros.
No actual contexto de produção industrial da investigação, seja no âmbito da ''acção social'' do estado, seja no âmbito do mercado, todos os dispositivos de avaliação da investigação são dispositivos de controle do mercado ou dispositivos de repressão ou inibição ideológica.
A avaliação da investigação neste contexto equivale à actividade das ditas ‘’agências de notação’’, que determinam no mercado os produtos financeiros ou de equivalência financeira em que é rentável investir. Está mais do que comprovado que, nos próximos cinquenta anos, é mais rentável investir em dívida pública do que em investigação.
Do meu ponto de vista, a avaliação da investigação devia ser área de intervenção exclusiva do ‘’Ministério Público’’.
João Paulo Pereira, na segunda-feira, 4 de Agosto de 2014 às 09:07:
ResponderEliminarCaro Encarnação,
Parece que desta vez sou capaz de concordar consigo (julgo que o texto seja seu).
No entanto, a crise de mentalidades e de valores que grassa na arqueologia parece que abrange também o resto da investigação científica portuguesa.
Ora bem, os desaforos de quem avalia, a ideia que a ciência só é válida se for escrita em inglês e mais umas quantas palermices ditas modernas, dignas do desenvolvimento do cérebro humana, alastra-se pela imbecilidade global de que somente nós conseguimos atingir.
Era o que faltava: era que o valor científico dos trabalhos de cada um somente importasse se prescrevesse aquelas condições.
Quase se torna uma religião abjecta como os usos que alguns, muitos, fazem das religiões, o facto de o inglês ser a grande língua da grande comunidade dos doutos.
Até agora foi muito giro as universidades, e quejandos, escreverem em inglês, qual língua global que toda a gente entende.
Agora, com o tiro nos pés, está visto que a cura vai ser desgastante, afastando os verdadeiros valores para discussões alienígenas, dando mais espaço aos que, por sorte do destino, do fado, nasceram num país de língua oficial inglesa.
Nem sei se hei-de rir se chorar.
Maria Antónia Lopes, na segunda-feira, 4 de Agosto de 2014, às 11:54 h.:
ResponderEliminarTem todo o meu apoio e aplauso!
Embora de nada valha o que eu penso perante as luminárias que nos traçam os destinos e isso tenha repercussões na avaliação que me fazem, nunca aceitarei também que se desvalorize desta forma indigna a Língua Portuguesa. E isto pelos próprios portugueses que tanto proclamam o valor da língua!
Como já declarei um dia perante um painel de avaliação da FCT que se deslocou ao meu Centro, no meu país falo e publico em Português. No estrangeiro, sempre que posso. E sempre me interroguei que internacionalização é essa se se é incapaz de ler outra língua que não o Inglês. Qualquer falante, medianamente culto, de uma língua neolatina deve ser capaz de ler com fluência todas as outras línguas provenientes do Latim. Qualquer universitário da área das Ciências Sociais de língua inglesa ou alemã deveria também fazê-lo. Se os nossos trabalhos não são devidamente valorizados pelo facto de serem escritos em português, só revela pobreza intelectual por parte de uma comunidade científica que, contraditoriamente, se considera internacionalizada.
Obrigada, meu Caro Colega de Universidade, por me ter proporcionado a sua reflexão e a oportunidade de dizer neste fórum o que sempre disse na minha Faculdade.
Com um abraço amigo,
Maria Antónia
Ana Maria Homem Leal de Faria, na segunda-feira, 4 de Agosto de 2014 16:02:
ResponderEliminarCaríssimo José d'Encarnação e Caríssima Maria Antónia Lopes
Agradeço-vos imenso o enorme prazer que me deram com as vossas palavras, de tão grande inteligência e lucidez. Pelo menos, faz-me bem sentir que ainda há quem pense como eu. Os meus parabéns pela coragem em dizer (na minha opinião) o óbvio!
Ana Leal de Faria
Professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Comentário de Pedro Manuel Cardoso, na segunda-feira, 4-08-2014, às 19.30 horas (que agradeço, como os demais, de resto):
ResponderEliminarOuso dizer que o texto corajoso do Professor José d’Encarnação, intitulado “A Avaliação da Investigação” (mensagem n.º 12086 de 3ago2014 Lista Museum), merece outro desenlace. Um desenlace que toque em quem tem, ou venha a ter, o poder de «Mudar e Reformar a Política Pública de Investigação e Ciência em Portugal». Porque, o texto não é uma lamúria. Nem é um ajuste de contas. É muito mais do que isso. Nem sequer me refiro ao tom de imputação (no sentido ricoueriano) de que se re-veste. A importância está para além disso.
Um dia, aqui, nesta Lista Museum, há muitos meses atrás, escrevi que uma renovação da política pública de investigação e ciência passaria inevitavelmente por substituir a atual FCT por outra instituição, necessariamente organizada noutros moldes. Na altura, muitos riram-se. Ou por estarem sentados no conforto do status quo; ou por estarem convictos da bondade dessa Fundação. Era um riso ingénuo e bem-intencionado. Resultante da crença de que, a cuja, estava a contribuir para a melhoria da Educação, da Investigação, e da Ciência.
É sabido que, dentro de uma convi(c)ção, todos, sem exce(p)ção, somos prisioneiros da mesma cegueira. Portanto, numas alturas são uns, noutras, somos nós. Não há modo de fugir a essa inexorabilidade. Talvez por isso devamos ser condescendentes uns para os outros, desde que essa cedência não impeça a crítica mútua.
Se lhe interessar, pode ler, p. f., a continuação do comentário em: http://ml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/msg12091.html
Elvira Bugalho, na terça-feira, 5 de Agosto de 2014 12:58:
ResponderEliminarTenho pena que este assunto que tenho seguido (e do qual sou evidentemente alheia) não seja mais publicitado a nível jornalístico pois penso (como tu evidencias) que é mesmo grave para muitos investigadores.
José Azevedo Silva, na terça-feira, 5 de Agosto de 2014 15:12:
ResponderEliminarCompletamente de acordo com o teu texto e com o comunicado do SNESup, que também li na íntegra.
Assino por baixo.
João Pereira, na quinta-feira, 7 de Agosto de 2014 17:14:
ResponderEliminarCom a tecnologia de tradução existente nos dias de hoje, não me parece uma boa desculpa os textos serem todos gregos, quando não escritos em português ou em inglês.
Diariamente faço traduções, as possíveis, de pequenos textos japoneses, língua que me deixa "grego" completamente.
Portanto, essa coisa de "ter de ser em inglês" para que o púbico possa ser maior...
Por outro lado, acredito piamente que, mesmo escrevendo em inglês, não estejamos a pregar aos peixes, ou pior, às pedras.
Também acredito piamente que, numa época em que o ter se sobreleva ao ser, quando alguém, mesmo que possa ser um imbecil, escreve em inglês e muitos textos, mesmo que digam a mesma coisa durante décadas (ou nada...), possa ser alguém na vida somente e porque escreveu milhares de palavras em livros e revistas "conceituadas" e avaliadas por idiotas tão bons como os que escrevem (sabe-se lá o quê).
Saudações, JPP
Jorge de Oliveira, na quinta-feira, 7 de Agosto de 2014 17:25:
ResponderEliminarFace ao formato de avaliação em curso, que a todos os portugueses deveria envergonhar, estou a ponderar começar a publicar tudo em russo ou chinês, porque seguramente terei mais pontos na minha avaliação. Pouco interessa o conteúdo, o importante é o número de publicações e, se forem em línguas estranhas, tanto melhor....em português é que não.
E porque estou a ser avaliado por aqui me fico...
Lídia Fernandes, na quinta-feira, 7 de Agosto de 2014 17:33 h. :
ResponderEliminar«Para além de subscrever inteiramente a sua opinião, não posso deixar de lhe dar os mais calorosos parabéns em relação ao tema que abordou, da forma como o fez e com a coragem que o caracteriza (e não, obviamente "carateriza").
Francisco Sande Lemos, na sexta-feira, 8 de Agosto de 2014 10:40 [Sob o título «Publicações científicas/português versus inglês ou vice-versa»]:
ResponderEliminarAs línguas possuem dinâmicas que ultrapassam a produção científica.
Se alguém pretender viajar do Alasca à Patagónia, passando pelo Quebec, ou seja, um continente inteiro, o chamado Novo Mundo, basta saber falar Português, Espanhol, Inglês e Francês. Os anglo-saxónicos que se acantonam no inglês estão mal...
Um português ou brasileiro que saiba Inglês e Francês não tem problemas.
Eu leio muito em inglês e, logo, o português que escrevo está recheado de inglesismos. Paciência... Para "compensar" (terminologia médica), socorro-me de Clarice Lispector, Rubem Fonseca ou Patrícia Melo.
O que é inaceitável é que qualquer organismo português despromova a sua própria língua, estabelecendo condicionantes.
Não podemos comparar o sueco com o português. São duas escalas absolutamente diferentes.
Além do mais, é recomendável que os ingleses aprendam castelhano ou português para que possam ter acesso ao imenso universo da América Latina, onde há uma notável e inovadora dinâmica científica.
Estabelecer regras é disparate. Se um português quer publicar em inglês muito bem. Mas avaliar cvs pela língua em que estão publicados os textos é um "nonsense".
O Francês era a língua científica do século XIX e, no entanto, perdeu o estatuto.
A produção científica não pode estar condicionada a regras que, por definição, lhe são exteriores (a língua).
Saudações,
Francisco Sande Lemos
Carlos Delgado, na sexta-feira, 8 de Agosto de 2014 15:55
ResponderEliminarFoi com muito agrado que pude ler a opinião de alguém com tão invejável curriculum e experiência (Prof. José d'Encarnação) a expor as mesmas profundas dúvidas quanto ao actual estado da ciência e investigação em Portugal.
Agora respondendo ao Alexandre Monteiro:
Pelo que pude ler das intervenções até agora aqui expostas, ninguém se opôs totalmente contra a escrita em inglês. Quem quiser, que publique onde e como quiser, desde que o principal critério seja o da qualidade.
O ponto que se focou, e que tanto mal-estar tem provocado, é que escrever em inglês se tornou institucionalmente OBRIGATÓRIO para quem investiga. Há uma subtil, mas importante diferença...
Mais: pelos vistos, já nem basta escrever em inglês; tem de se escrever nas revistas X ou Y, catalogadas pelas bases de dados bibliográficas ISI ou Scopus. Como quem aqui já mencionou, são uma espécie de "agências de notação financeiras" aplicadas à investigação! E com muito dinheiro à mistura, já agora... (cf. este artigo de opinião que, já agora, nem sequer vem das minhas "águas políticas":
http://www.esquerda.net/opiniao/os-bar%C3%B5es-do-conhecimento/26604 )
Eu já não trabalho em Arqueologia há alguns anos, e tenho trabalhado em Geografia/Ordenamento do Território, na Academia. E estou prestes a sair deste mundo, porque, a meu ver (e não estou sozinho, pelos vistos) este está cada vez mais paranóico quanto a "rankings" e avaliações e "impact factors" e n.º de publicações e n.º de orientandos, e n.º disto e n.º daquilo! A Academia transformou-se numa autêntica fábrica de chouriços, sujeita aos caprichos da mercantilização e do "produtivismo" e dos artigos 'a martelo'!
Como em qualquer ditadura, também nesta existem os "fanáticos" (no topo ou a meio caminho de lá) e os "lacaios" (na base). Ora, não me considero um fanático e deixei de ter paciência e estômago para ser lacaio.
Pedro Manuel Cardoso, na sexta-feira, 8 de Agosto de 2014 17:29:39 [sob o título «A Língua, o Património, e o Destino das Ortografias»]
ResponderEliminarO Destino das Ortografias
A luta pela apropriação da Língua provoca hoje muita ansiedade. Não é apenas a ansiedade milenar entre a performatividade da fala e as iconicidades legais impostas pelas Normas (consoante o poder e a duração dos impérios). Pois essa ansiedade já vem, pelo menos, desde o aparecimento da escrita no registo Assírio. Nem é também uma ansiedade provocada pelo sentimento de que, por detrás dessas normalizações ortográficas, há o desejo ideológico de domesticarem o juízo. Agora a ansiedade deriva do receio de, num contexto globalizado, quem ganhar essa guerra fará os outros desaparecer. Porém, há algo novo que se intromete nessa velha discussão entre o Poder, a Identidade, e a Língua.
O funcionamento das Línguas
Ainda é preponderante a ideia de que a Língua (e, no mesmo desenlace: as falas, as linguagens, as escritas, e as ortografias) é um assunto exclusivamente Cultural (histórico, social, político, filosófico). Um assunto exclusivamente de Pátrias e de Identidades.
Não é necessário ir ao debate com N. Chomsky, e à questão de uma “gramática generativa universal”, para duvidar se efetivamente a Língua é um código e um sistema produzido exclusivamente pelas circunstâncias sociais. Em vez de ser, também, algo codificado na Cognição, transversal às idiossincrasias históricas e socioculturais. Chomsky mostrava aquelas crianças com idades anteriores aos cinco anos que dominavam na perfeição, na interpretação das frases que ouviam pela primeira vez, as regras gramaticais e de sintaxe. E Cavalli-Sforza apresentou aqueles célebres quadros que relacionavam a genealogia genética com as genealogias linguísticas (“árvore genética” vs. “população” vs. “famílias linguísticas”).
Ler a continuação do comentário em: http://ml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/msg12103.html
Luís Raposo, na sexta-feira, 8 de Agosto de 2014 17:29:41 [Sob o título «Publicações científicas/português versus inglês ou vice-versa»]
ResponderEliminar“Gostaria de expressar o meu total acordo com as considerações do Francisco Sande Lemos.
Para os amantes da língua inglesa, diria que elas nos deixam "realizar como eventualmente todos os eventos" são finitos, ou, dito em português de lei, nos deixam "compreender como no fim das contas todos os acontecimentos" são historicamente determinados. Determinados por nós, sejamos que insistem em usar a nossa língua, sejamos os que se sentem mais cosmopolitas e espertos (não confundir com "experts") quando usam o inglês. E nestes incluo, obviamente, aqueles que, ao que parece, já fazem conselhos de ministros em inglês.”
Silvério Figueiredo, no sábado, 9 de Agosto de 2014 18:15:
ResponderEliminarGostaria também de expressar o meu total acordo com as considerações acerca da utilização do português/inglês nas publicações científicas feitas pelos profs. Francisco Sande Lemos e Luís Raposo. Não tendo nada contra a utilização do inglês na produção científica acho que não devemos menosprezar o português, especialmente quando isso é feito por organismos oficiais não só relativo à investigação científica, mas também quando Conselhos de Ministros e reuniões com parceiros portugueses são feitos em inglês, o que é lamentável.
Maria Ramalho, no domingo, 10 de Agosto de 2014 22:59
ResponderEliminarA propósito do debate sobre as universidades e a língua portuguesa, deixo este anúncio. que me parece bastante elucidativo. O conteúdo, a forma (o português utilizado), a sociedade/universidade que se está a criar (universidades que aliás admiro), cada vez mais complexa, mais afastada do real e menos todo isso que se apregoa nos objectivos do programa doutoral...
Ou serão os meus olhos?
Encontram-se abertas as candidaturas ao Programa Doutoral e-Planning. Trata-se de um programa conjunto da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNL, da Faculdade de Ciências da UL e da Universidade de Aveiro.
Objectivos do PD e-Planning
O rápido progresso das tecnologias de informação e comunicação (TIC) permitiu avanços significativos tanto no sector privado como público. Em particular, as novas TIC trazem novas condições para melhorar a governação (incluindo governo electrónico), a administração pública e serviços de interesse público essenciais, sejam eles providenciados pelo Estado, empresas privadas ou sociedade civil. Mas novas condições acarretam novos problemas, levantando questões muito além do uso da Internet para a prossecução de serviços públicos ou ajustamento desses serviços à novas ferramentas TIC.
O planeamento é uma disciplina vasta, que se aplica desde a formulação e implementação de políticas, da análise institucional aos quadros regulatórios, do processo decisório à participação pública. O planeamento é uma interface essencial entre os órgãos de governo e os cidadãos e suas organizações, sejam elas com ou sem fins lucrativos, de natureza social, económica, ambiental ou cultural.
O e-Planning é uma área emergente na interface destes domínios. O foco do Programa Doutoral em e-Planning é o estudo e o desenvolvimento das interacções entre as TIC e o planeamento e das questões emergentes nestas áreas, com especial ênfase na capacitação dos cidadãos para intervir na vida pública. O Programa integra o grau de doutoramento com uma agenda de investigação, programas de intercâmbio nacional e internacional, e programas de ligação entre a academia, as empresas e a sociedade civil.
Agenda de investigação e-Planning
Infra-estrutura de conhecimento e Planning ‹ Mapear a sociedade do conhecimento e o conhecimento sobre planeamento.
e-Planning para o governo do futuro ‹Governo mais eficiente e responsável ao nível local, nacional e internacional; mais próximo dos cidadãos, mais capacidade, melhores serviços.
e-Planning para nova governância ‹ Novos serviços para o bem comum, melhores instituições, criação de capacidades institucionais, melhor regulação para um mercado mais transparente e para enfrentar as actuais falhas de marcado, melhor equilíbrio entre segurança e eficiência vs. Liberdade, ferramentas para melhor equidade e menos exclusão.
e-Planning para a cidade e o território ‹ Cidades com melhor qualidade de vida, novas funcionalidades, promotoras de inovação, mais atractivas e competitivas; melhor planeamento territorial, incorporando as novas TIC; caminhos para a eficiência de uso dos recursos e um estilo de vida sustentável.
e-Planning para a nova cidadania ‹ Capacitar cidadãos melhor educados e informados, mais participativos, críticos e responsáveis; melhor balanço entre os desafios tecnológicos e a ética, liberdade e privacidade pessoal.
[…]
Francisco Sande Lemos, na segunda-feira, 11 de Agosto de 2014 02:26
ResponderEliminarPois... as elites portuguesas são muito débeis. Sempre foram aliás...
E sofrem de esquizofrenia: Objectivos do PD e-Planning: ...... "incluindo governo electrónico" (será em colaboração com a NSA: http://www.nsa.gov/ ?)
Tratamento: Nova Medical School. Lisbon.
Vítor Oliveira Jorge, na segunda-feira, 11 de Agosto de 2014 10:04:
ResponderEliminarMeus amigos:
O primeiro trabalhito que escrevi foi sobre computadores aplicados à arqueologia, publicado em 1968.
Graças ao contacto com várias pessoas em Lisboa, vários amigos que me influenciaram positivamente, percebi que estávamos a entrar, a nível global, numa nova era.
Não vou estender-me aqui em considerações... Apenas para dizer que as novas tecnologias, o próprio conceito de informação (que tende a substituir o de conhecimento), tudo isso estendido àquilo que alguns autores chamaram o imaterial (Gorz), ou o capitalismo cognitivo (Boutang), etc., mesmo a “crise” que estamos a viver, e que como sabemos é inerente ao sistema que há alguns séculos nasceu no Ocidente e hoje se globalizou, o domínio na Europa dos países do Norte, que representam a vitória do protestantismo relativamente ao catolicismo, etc., etc., etc., tudo isso se articula perfeitamente. Claro que a história não acabou, claro que Portugal é apenas um minúsculo país com o seu minúsculo governo nesta imensa conjuntura, claro que as Universidades são, para repetir o velho Althuesser, “aparelhos ideológicos do Estado”, claro, claríssimo, não somos inocentes, não nos admiramos, apenas nos assustamos com razão com o sentido (a sua dimensão e rapidez) que as coisas estão a tomar. Toda a questão é saber se o avanço da tecnologia, desenvolvida e posta ao serviço de minorias, e não da população mundial – o mundo está permeado por máfias assustadoras e ocorrem massacres tremendos, como todos bem sabemos, e certamente muita coisa que não sabemos – é irreversível no sentido de nos levar para a catástrofe (ecológica, desde logo) ou se, como messianicamente pensava Benjamin, ainda haverá uma solução para esta humanidade.
É um problema geral, de forma que é importante olharmos para os sintomas desse problema geral como sintomas...
Uma das explicações “sistémicas” para a chamada morte das civilizações, por exemplo apresentada por tantos antropólogos, é que, quando estas se tornam demasiado integradas (todos os seus subsistemas com alto grau de interdependência mútua) tendem para a extinção. A civilização a que pertencemos extinguir-se-á também, por certo, neste mundo. Mas os que achamos que o mundo ocidental, apesar de tudo, criou um Bach, criou um Hegel ou um Marx, criou um Freud ou um Lacan, para citar apenas uma minúscula minoria, perguntamo-nos: que herança passará para as gerações futuras?
É certo que um dia o sistema solar estoirará, e pelo menos neste espaço-tempo do universo as coisas acabarão para sempre. Mas que sei eu para falar disso?...