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desta já inusitada forma, o falecimento pode causar admiração; corresponde,
porém, a uma bem reconfortante realidade, pois retrata o que foi a existência
desta «pastora virgem de letras», que «compôs poesia desde sempre, por um
imperativo iniludível de expressão interior», como escreveu o Prof. Ernesto
Guerra da Cal.
De
enorme simplicidade e de intensa fé, Isolina Alves Santos escreveu, aos 87 anos,
o poema “Sem valor”, para ser lido no dia do seu funeral, em que se despede de
todos com gratidão, proclamando a sua fé em Deus e Nossa Senhora, pedindo que
por ela não chorem, porque, para ela, a caminhada fora cumprida.
O
poema foi lido no começo das exéquias, celebradas pelo Padre David Bernardo, Director
dos Salesianos de Manique, na igreja de Nossa Senhora Auxiliadora, em Bicesse (localidade
onde Isolina viveu e onde uma rua com o seu nome a perpetua desde há alguns
anos já), e antes de seu corpo descer à terra, na quarta-feira, dia 30, no
cemitério de Trajouce. Aliás, teve o Padre David palavras de muito apreço pelo enorme
e sentido exemplo que a defunta nos deixa, consubstanciado nos muitos versos
dos seus livros.
Coube
à Associação Cultural de Cascais, em
estreita colaboração com a Junta de Freguesia
de Alcabideche, a publicação de
quatro livros de versos de Isolina Alves Santos, seleccionados a partir das
larguíssimas centenas que tinha nas gavetas, porque tudo podia servir de pretexto
para escrever, pois, como salientou Guerra da Cal no depoimento que tivemos
ensejo de publicar na 2ª edição
(1996) do seu primeiro livro, Semeei
Rosas ao Vento: «Muito antes de que nos palácios dos grandes senhores e nas
cortes dos grandes monarcas se trovasse, já o povo improvisava as suas canções,
danças e recitativos», e Isolina era representante «desses ‘poetas naturais’,
que outrora supriram as necessidades líricas de todas as populações rurais; que
deles também dependiam funcionalmente, para as letras de cantigas e bailados,
baptizados, casamentos, aniversários e festas patronais».
A
Semeei Rosas ao Vento (1991)
seguiram-se: Percorri A Minha Terra (1993),
uma viagem poética de Norte a Sul do País; Mão
Cheia de Tempo (1994), um elogio ao viver quotidiano; Alcabideche no Sabor dos Versos Meus (2003), eloquente reflexão
sobre esta freguesia e as suas gentes.
A
enorme estatura moral de Isolina, que estudos não tivera, pode ilustrar-se na
quadra donde me pareceu relevante colher o título para esse seu primeiro livro:
Semeei rosas ao vento
Só os espinhos colhi
De que vale o meu lamento?
Rosas não são para
mim!
Claro
que teve um braçado de rosas no dia do lançamento do livro e teve-as também,
singelas mas bem perfumadas, no dia do seu funeral. Toda uma despretensiosa dádiva
de vida aqui mui singelamente consignada!
E
o outro gesto que muito me sensibilizou: vendo na televisão o massacre de Santa
Cruz (Timor), ouviu as preces em fundo; correu para a mesa onde tinha o caderno
de apontamentos e redigiu dois poemas sobre os direitos humanos e um deles termina
assim (e é um dos que incluí na sua viagem por terras de Portugal):
Estão tão longe de nós
Ou estão perto outra
vez
Porque a sua triste voz
Ainda reza em português.
Que
descanse em paz!
À
família enlutada, nomeadamente ao filho Carlos e sua mulher, bem como aos neto s, apresentamos os mais sentidos pêsames.
Publicado em Cyberjornal, edição de
02-08-2014:
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