sábado, 2 de agosto de 2014

Faleceu Isolina Alves Santos - uma poeta popular

             Confortada com os sacramentos da Santa Madre Igreja, adormeceu no Senhor, no passado dia 28, Isolina Alves Santos, com 93 anos de idade (Pedrógão Grande, 28 de Junho de 1921).
            Anunciado desta já inusitada forma, o falecimento pode causar admiração; corresponde, porém, a uma bem reconfortante realidade, pois retrata o que foi a existência desta «pastora virgem de letras», que «compôs poesia desde sempre, por um imperativo iniludível de expressão interior», como escreveu o Prof. Ernesto Guerra da Cal.
            De enorme simplicidade e de intensa fé, Isolina Alves Santos escreveu, aos 87 anos, o poema “Sem valor”, para ser lido no dia do seu funeral, em que se despede de todos com gratidão, proclamando a sua fé em Deus e Nossa Senhora, pedindo que por ela não chorem, porque, para ela, a caminhada fora cumprida.
            O poema foi lido no começo das exéquias, celebradas pelo Padre David Bernardo, Director dos Salesianos de Manique, na igreja de Nossa Senhora Auxiliadora, em Bicesse (localidade onde Isolina viveu e onde uma rua com o seu nome a perpetua desde há alguns anos já), e antes de seu corpo descer à terra, na quarta-feira, dia 30, no cemitério de Trajouce. Aliás, teve o Padre David palavras de muito apreço pelo enorme e sentido exemplo que a defunta nos deixa, consubstanciado nos muitos versos dos seus livros.
            Coube à Associação Cultural de Cascais, em estreita colaboração com a Junta de Freguesia de Alcabideche, a publicação de quatro livros de versos de Isolina Alves Santos, seleccionados a partir das larguíssimas centenas que tinha nas gavetas, porque tudo podia servir de pretexto para escrever, pois, como salientou Guerra da Cal no depoimento que tivemos ensejo de publicar na 2ª edição (1996) do seu primeiro livro, Semeei Rosas ao Vento: «Muito antes de que nos palácios dos grandes senhores e nas cortes dos grandes monarcas se trovasse, já o povo improvisava as suas canções, danças e recitativos», e Isolina era representante «desses ‘poetas naturais’, que outrora supriram as necessidades líricas de todas as populações rurais; que deles também dependiam funcionalmente, para as letras de cantigas e bailados, baptizados, casamentos, aniversários e festas patronais».
            A Semeei Rosas ao Vento (1991) seguiram-se: Percorri A Minha Terra (1993), uma viagem poética de Norte a Sul do País; Mão Cheia de Tempo (1994), um elogio ao viver quotidiano; Alcabideche no Sabor dos Versos Meus (2003), eloquente reflexão sobre esta freguesia e as suas gentes.
            A enorme estatura moral de Isolina, que estudos não tivera, pode ilustrar-se na quadra donde me pareceu relevante colher o título para esse seu primeiro livro:
          
            Semeei rosas ao vento
            Só os espinhos colhi
            De que vale o meu lamento?
            Rosas não são para mim!
 
            Claro que teve um braçado de rosas no dia do lançamento do livro e teve-as também, singelas mas bem perfumadas, no dia do seu funeral. Toda uma despretensiosa dádiva de vida aqui mui singelamente consignada!
            E o outro gesto que muito me sensibilizou: vendo na televisão o massacre de Santa Cruz (Timor), ouviu as preces em fundo; correu para a mesa onde tinha o caderno de apontamentos e redigiu dois poemas sobre os direitos humanos e um deles termina assim (e é um dos que incluí na sua viagem por terras de Portugal):
           
                           Estão tão longe de nós
                           Ou estão perto outra vez
                           Porque a sua triste voz
                           Ainda reza em português.
 
            Que descanse em paz!
           À família enlutada, nomeadamente ao filho Carlos e sua mulher, bem como aos netos, apresentamos os mais sentidos pêsames.

Publicado em Cyberjornal, edição de 02-08-2014:

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