Para
já, ninguém acredita que é ele mesmo e tomam-no, portanto, como um farsante,
pois dá a impressão que para ele o tempo parou e que, para ele, as ideias que
há mais de 50 anos queria pôr em prática teriam hoje a mesma validade. Daí a
ser convidado para um programa de televisão como humorista foi um passo, um programa
assaz polémico, como seria de esperar, mas que, até por isso mesmo, acabou por
redundar num êxito total, a ponto de uma editora – após largos meses de êxito –
lhe propor mui rendível publicação de um livro. E é com esse livro, na primeira
pessoa, que Timur Vermes nos brinda.
Escusado
será dizer que o estatuto de morto-vivo permite ao autor tecer sobre o mundo
que o rodeia as observações mais acutilantes, obrigando-nos, pois, a nós próprios
a reparar nas enormes incongruências de uma sociedade onde parece que tudo
interessa menos viver o dia-a-dia. Sentimo-nos, amiúde, irmanados nessas
críticas e, por isso, este é um dos livros cuja leitura, de tão aliciante, quase
não permite pausas.
Alguns tópicos
Das inúmeras
situações (re)criadas e comentadas, respigo frases que se me afiguraram de acutilância
maior (utilizei a edição de Setembro de 2013, de Lua de Papel).
«Quanto
maior for a mentira, mais dispostas estão as pessoas a acreditar nela» (p. 108).
«O
facto de no Ocidente as pessoas se poderem dedicar sobretudo a discussões
infantis tinha que ver com o facto de as coisas mais importantes estarem a ser
tratadas pela alta finança americana, que nesse continente continuava a dominar»
(p. 108-109).
«O
chefe daquela pocilga preocupava-se mais com a cera do seu automóvel desportivo
do que com as necessidades dos seus apoiantes» (p. 110).
«Um
povo saudável precisa de uma guerra de cinquenta em cinquenta anos para assim
renovar o sangue» (p. 111).
«[…]
Os operadores de câmara […] são os funcionários mais sordidamente vestidos à
face da Terra, superados apenas pelos fotógrafos de imprensa. Não sei por que
motivo é assim, mas tenho a ideia de que os fotógrafos trazem muitas vezes vestidos
os trapos que os operadores de câmara de televisão acabam de deitar fora. A razão
de ser desses farrapos pode ter que ver com o facto de eles acharem que ninguém
os irá ver, pois no fundo são eles quem tem a máquina na mão» (p. 154).
«Aliás,
engano-me muito raramente. Esta é uma das vantagens de uma pessoa só entrar na
vida política com uma experiência de vida perfeitamente acabada. E não é à toa
que eu digo “perfeitamente acabada”, pois nos dias que correm há muitos
alegados políticos que talvez tenham passado um quarto de hora atrás de um balcão
ou espreitado de passagem pelos portões de uma fábrica, acreditando por isso
saber como é a vida real» (p. 176).
«Nunca
se sabe o que as pessoas podem aprontar com a assinatura. Hoje assina-se ingenuamente
o nome num pedaço de papel, no dia seguinte alguém faz uma declaração com essa
assinatura e, de um momento para o outro, já a Transilvânia passou irreversivelmente
para um qualquer estado corrupto dos Balcãs» (p. 178).
«Junto
a uma grande auto-estrada, utilizada para transportar biliões de bens ao nível
da economia nacional, há sempre um adorável coelhinho a tremer de medo» (p.
179).
«[…]
O único objectivo é espalhar o maior caos possível, de modo a que, na procura
da verdade, as pessoas se vejam obrigadas a comprar mais jornais e a assistir a
mais programas de televisão. Isso constata-se precisamente nas secções de
economia, pelas quais antes ninguém se interessava, mas que agora todos têm de
seguir para poderem ser ainda mais atemorizados por este terrorismo económico. Comprar
acções, vender acções, agora ouro, agora obrigações, depois imóveis. O cidadão comum
é forçado a enveredar por uma carreira paralela de especialista em finanças. O
que em ultima análise apenas significa que participa agora num jogo de sorte e azar
em que a aposta são as suas próprias poupanças, que tanto trabalhou para
reunir. Não faz sentido» (p. 193).
«Depois
de um incêndio, eu não serei aquele que fica semanas e meses a chorar pela casa
perdida, mas sim aquele que se põe a construir uma casa nova» (p. 252).
Há
também, naturalmente, comentários a propósito do uso constante do telemóvel;
dos noticiários em que passam, rápidas, sob o apresentador notícias outras, de
modo que a gente não sabe se há-de ligar ao que ele diz ou ao que está a passar…
Saborosa
é a crítica – em que o estratagema do ‘ressuscitado’ se arvora em inteligente
escudo de salvaguarda.
Publicado em Cyberjornal, edição de
8-11-2014:
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