quarta-feira, 25 de março de 2015

Ó mãe, o mergulho tem casos!

              ‒ Mãe, o mergulho tem casos destes! Veio um golfinho ter comigo; fiz-lhe festas; nadámos juntos; depois, desapareceu e veio daí a pouco com um saco de plástico na boca; tirei-lho e ele partiu de novo; menos de um minuto depois já ali estava, com outro saco de plástico. Garanti-lhe que percebera a mensagem e que apanharia todos os sacos que encontrasse!...
            Chegou-me, há dias, o vídeo daquela moreia a deliciar-se com as festas do mergulhador. Delícia que era também cumplicidade, pois a ‘menina’ cedo se apercebeu que, atrás do mimo, viria oferta de mui saborosa sardinha…
            O maravilhoso mundo subaquático, que bem precisamos de continuar a preservar.
Casos feios
            A 13 de Março, p. p., o amigo Zétó partilhou comigo a fotografia que o JornalCiencia publicara no facebook a mostrar «uma imensa baleia que morreu após ingerir mais de 17 quilos de diferentes tipos de plástico».
            «A autópsia mostrou ainda – reza a legenda – que o material era proveniente de estufas no sul de Almeria e de Granada», em Espanha, destinadas à produção de tomate. «Apesar das suas 50 toneladas e 14 metros de comprimento», bastaram poucos quilos de plástico para provocar a morte, conclui-se.
            Não podemos, por conseguinte, deixar de vivamente nos congratularmos com as recentes restrições ao uso imoderado dos sacos de plástico, no apelo a que voltemos ao bonito saco de pano para irmos à padaria, à típica cesta de junco ou simpática alcofa de esparto ou de empreita, produto dos nossos artesãos, quando vamos ao mercado.
            A imagem do enorme mamífero arrojado à praia não me deixou indiferente, no contraste com a maravilha que os dois bonitos casos anteriores me haviam despertado.
            E cá estou a recordar os instantâneos amavelmente partilhados também por Miguel Lacerda, incansável defensor do mar que nos rodeia. Baterias de barcos, peças de motores, um carrinho de supermercado… Tudo arrancado ao fundo do mar, numa das periódicas limpezas a que se procede na marina de Cascais. Instantâneos chocantes, incompreensíveis, a mostrar como até aqueles que no mar têm o seu ganha-pão se esquecem, por vezes – demasiadas vezes!… – dos deveres por ele impostos, a fim de que uma cumplicidade de excelência possa duradoiramente manter-se…
            Paralelamente, Nélio Saltão pegou nos apetrechos piscatórios patentes no cais cascalense e metamorfoseou-os em pinturas onde a intensa geometria cromática nos leva a sonhar pelo pélago sem fim, nas salas do Centro Cultural de Cascais. «Ancorados» foi o nome que deu à exposição, numa homenagem aos homens do mar:
            «Ancorados estarão, porventura, os barcos que de redes, bóia e âncora se serviram. Pelo aspecto, destes não mais se servirão. Pausa temporária ou abandono total, na triste espera de um fim definitivo? Recordam, claro – como os humanos em curva descendente… – andanças longas em águas tingidas pelas múltiplas cores que os raios de Sol lhes despertavam. As cores do plâncton, dos ruivos, pescadas, lustrosos carapaus, chicharros irisados…»
            É excerto da abertura do catálogo que tive a honra de redigir.
            – Ó mãe, o mergulho tem casos destes!
            E nós a querermos que sejam sempre casos bons!

                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 85, 25-03-2015, p. 6.
Esta a imagem que Maria Fernanda Costa enviou e a que se refere no seu comentário.

2 comentários:

  1. Como é apanágio de José d'Encarnação, um olhar lúcido, crítico e sempre formativo. E bem escrito, que é coisa que tanto nos apraz.

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  2. Maria Fernanda Costa, responsável pelo Museu do Mar de Cascais, depois de manifestar o seu agrado pela nota (bem haja!), que «adorou», teve a gentileza de me enviar a foto que anexo. «Penso que esta imagem diz muita coisa…», sublinhou.

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