O
Victor integrava aquele grupo de artistas totalmente irreverentes que, na 2ª
metade da década de 60, abalou Cascais, numa altura em que os senhores agentes
da PIDE minuciosamente perscrutavam os
artistas e as suas obras. Sabiam – e tinham razão! – que era a Arte uma arma
poderosa. Sempre o vi naquele perfil franzino, quase desconjuntado, empenhado
em fazer ‘instalações’ quando ainda a maior parte de nós não sabia bem o que
isso era. E de cada objecto ali plantado, daquela mane ira
e não podia ser doutra, dimanava uma mensagem. Filosofias!...
Estava
o Victor como funcionário ou em comissão de serviço artístico na Secretaria de
Estado da Cultura quando, por sugestão do Engº Luís Casanovas, que
superintendia ao Palácio da Cidadela (sob tutela do IPPC), o Guilherme Cardoso
e eu nos lançámos na tarefa de apresentar, em Agosto de 1986, a exposição «Cascais no Tempo dos Romanos». Mostrámos o que
de mais significativo já nessa altura havia do espólio romano do concelho,
porquanto as escavações em Freiria haviam começado no ano anterior com
surpreendentes e inesperadas descobertas. E quem é que pensou connosco na
melhor forma de tudo expor e de tornar bonitos e agradáveis os baixos abobadados
do palácio? Victor Belém! A exposição
foi um êxito, nomeadamente porque o Victor pôs aí todo o seu talento e saber. E
se não conseguimos (haja fé que um dia se conseguirá!...) convencer o Executivo
liderado por Georges Dargent de que a vila carecia urgentemente de um
equipamento em que ao Povo e aos Turistas se mostrassem as riquezas
arqueológicas (de que os espécimes expostos eram magro testemunho), o certo é
que se acabou por definir assim o destino dessas salas, onde hoje o Museu da
República instala as suas exposições temporárias. Ao gosto de Victor Belém tal
se fica a dever!
Gostava
dele, como se gosta de um amigo que sabe respeitar as nossas ideias e gerir
cumplicidades, carreando uma vaga de fundo capaz de mover montanhas. Não nos
encontrávamos amiúde; mas era sempre aquele abraço fraterno que tínhamos quando
adregava estarmos juntos. E como poderia esquecer – eu, epigrafista confesso! –
o auto-epitáfio que ele desencantou na Bibliotec a
Nacional e que lhe inspirou um diaporama em 1983? Dizia a folha, que guardo: D.
M. / EU.SOU. IRMAM / DE MIM.MESMA / S. M. T. L. / 1783. Comentámos, com gosto,
esse jeito, bem à latina, de invocar os deuses Manes e, no final, de se desejar
a si mesma «que a terra me seja leve» – S(it)
M(ihi) T(erra) L(evis)… Que a
terra te seja leve, Victor!
Os azulejos do Artur José
Que
o leitor me perdoe estas evocações. Bem sei que era muito mais interessante –
e, quiçá, sadio! – escolher outro tema. Ler, por exemplo, se as tivesse à mão,
as actas das reuniões camarárias. Calhou-me sob os olhos uma, outro dia. E achei
que os nossos vereadores se preparam arduamente para o hemiciclo de S. Bento,
onde também a verve que os eleitos ostentam é de mui alto gabarito e de elevado
sentido de humor, no esgrimir das palavras e no derrubar, sem dó nem piedade,
opiniões contrárias.
Fico-me
por outros artistas – que ao Belo despreocupadamente nos convocam. Têm também
ideologias subjacentes. Obedecem a cânones estéticos que longamente hauriram no
convívio com outros artistas, na sua escola, aqueles a quem respeitosamente se
referem nos currículos constantes dos catálogos: estudou com Fulano, estagiou
em Paris com Sicrano. Mestres! De quem sequiosamente aprenderam e lhes ensinaram
como poderiam, depois, singrar sozinhos.
Recordo
Artur José. Muito direito, esguio na sua magreza, como que a pedir licença para
vestir um casaco que lhe pudesse dar mais algum volume. A figura de um asceta,
de mui poucas palavras. Passava o ano em Lisboa, a trabalhar arduamente, ele
que tratava o azulejo por tu (encantava-nos também a originalidade das formas)
e sabia exactamente como se fazia aquele azul, como é que aquele verde não
escorreria, como é que o painel ou o vaso cerâmico ou a jarra poderia
engalanar-se de cores novas, numa paleta infinita.
E pela Primavera ou no Verão, lá vinha ele, de armas e bagagens, para expor no Casino:
E pela Primavera ou no Verão, lá vinha ele, de armas e bagagens, para expor no Casino:
«O
ceramista Artur José tem patente desde 30 de Abril a sua 19ª exposição individual, de pintura e cerâmica, na Galeria de
Arte do Casino Estoril, comemorando 40 anos de exposições naquele espaço do
Casino» – lê-se numa informação à
imprensa de 2005.
Faleceu
com 78 anos, a 19 de Fevereiro de 2010. Que descanse em paz!
José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais,
nº 83, 11-03-2015, p. 6.
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