segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Desejáveis estatísticas

           Proclamamos a cada passo «não somos números!»; contudo, essa afirmação não significa menosprezo pelos números, mas sim por verificarmos que, em política, se teima em ver numericamente as pessoas, sem um critério humanista.
            No oportuno livro «Contas x Contos x Cantos e que +», editado pela Gradiva (Setembro de 2012), organizado por Ana Paula Guimarães (com a colaboração de Adérito Araújo), pondera António Canas o equívoco em que se situa o facto de «a generalidade das pessoas que optaram por estudar letras geralmente “odiar” matemática» (p. 107).
            Trata-se, na verdade, de uma distracção, na medida em que o número – e o citado livro prova-o eficientemente – faz parte integrante do quotidiano:
            «O nosso mundo está inundado de números – dados económicos, horários de reuniões, classificações, impostos, preços, números de telemóvel, etc., etc.» (p. 85).
            Ocorreram-me estas considerações quando o Peter me contou:
            Hoje, pensei em matar saudades de Cascais e, claro, de bicicleta. Não quero perder a forma, apesar dos meus 77 anos! E isto de vir de Hamburgo passar aqui três dias obriga-me a revisitar os sítios que bem conheci quando, há trinta anos, aqui fixei residência em serviço.
            E então, não mataste saudades?
            Não consegui! Cheguei pouco depois das dez horas ao quiosque das bicas no largo da estação e… já não havia! Por isso, marcamos encontro para amanhã: eu vou logo às 9 buscar a bicicleta e entrego-a às 17.30; e tu vais lá ter.

A curiosidade
            Fiquei, pois, com imensa curiosidade e, um dia destes, vou vasculhar na página da Câmara, onde constarão certamente, de tempos a tempos, essas informações de números:
            quantas bicas se usam, em média, por dia, por semana, por mês?
            quantas há disponíveis?
            que nacionalidades se registam entre os seus utilizadores?
            que movimento de passageiros tem o buscas»? É um serviço público rendível?
            E os parques de estacionamento geridos pela Cascais Próxima quanto rendem ao erário municipal? Muito, decerto, e até, se calhar, haverá já informação acerca dos projectos a ser financiados pelas verbas que sobram após pagamento a funcionários e chefias e despesas deduzidas.

Parques públicos
            Equivoquei-me no horário de uma cerimónia religiosa na igreja da Boa Nova e não hesitei: fui saber da localização do Parque Urbano do Bosque dos Gaios, anunciado por várias placas que eu já vira. Não cheguei a entrar, mas foi o bastante para que possa louvar a oportunidade da sua criação ali.
            E gostava de saber se era muito frequentado (cá está a questão dos números…); se correspondia aos objectivos para que fora criado. Números, pronto!...
            Curiosidade que se aguçou dias depois, quando fui ver o que, afinal, haviam sofrido com o incêndio as estruturas das Penhas do Marmeleiro. Aliás, como é sabido, pouco tempo após o parque ter sido inaugurado, puxaram fogo ao forte; os painéis explicativos da sua inserção na Paisagem Protegida Sintra-Cascais há muito que desapareceram; os dois atraentes espelhos de água que nos davam as boas-vindas são uma ruína já… Ardeu agora parte de um passadiço. De quanto tempo se necessitará para uma recuperação? Há números? Quantas pessoas já visitaram as Penhas? Que atenção lhes é dada pelos serviços competentes?

Efeitos do incêndio junto do Parque das Penhas do Marmeleiro,
em que uma das passadeiras chegou a ser atingida pelas chamas.
Lumina
            Se outro interesse não tivera o magnificente «Lumina», constituiu, sem dúvida, objectivo bom dar a conhecer melhor o Parque Marechal Carmona.
            Tenho pugnado por que – atendendo à importante função social que esse parque desempenha junto da população da vila – Cascais Próxima venha a criar o conceito universalmente conhecido da «happy hour»: todos os dias, em horário determinado, ter-se-ia uma hora de estacionamento gratuito no parque adjacente, que, como se sabe, está ordinariamente em ocupação mínima. Essa «happy hour» ajudaria, decerto, a criar-se o hábito de o utilizarmos mais vezes – com ulterior maior proveito para a empresa municipal que o gere. Acho eu, que sou de Letras e de números pouco percebo!...

                                                       José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 109, 23-09-2015, p. 6.

 

2 comentários:

  1. Caro Professor,
    Penso que não só essa 'happy hour' seria muito bem vinda como a mesma deveria sem complementada com a existência de uma exploração mais dinâmica da esplanada (que recentemente estava fechada 'para obras') ou até da abertura de um quiosque de empréstimo / troca de livros como outrora existiam em alguns dos jardins de Cascais.
    Levar os cascalenses aos seus parques é necessário e recomenda-se :)
    Obrigada pelas suas partilhas que leio sempre com atenção.

    Um abraço,
    Ana Paula Bento

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  2. Peguei na última parte desta nota e partilhei-a no facebook, por aí se propor a criação de uma 'happy hour' no Parque Marechal Carmona. Tive várias reacções de aplauso; obtive o silêncio das entidades competentes a quem também dei conhecimento da proposta; houve quem me dissesse logo «menino, estás a malhar em ferro frio!». E fico contente por ter suscitado de Jorge Castro este saboroso naco de prosa, bem oportuna (a meu ver!):
    ________________________________________
    De: Jorge Castro
    Enviada em: terça-feira, 29 de Setembro de 2015 14:48
    Para: José d'Encarnação

    Saberá, de sobejo, o caro professor que até os números se escrevem com letras... Para mais, quando, logo mais, articulados pela nossa voz há quem lhes chame, só então, palavras.
    E à palavra dada não se olha ao dente, pelo menos antes que o vento a afaste de nós.
    Enfim, parece que a promoção da arte do encontro - que aqui preconiza com um bom exemplo - não colhe eco com a frequência que se desejaria, por parte dos mandantes. E lá diria o Vinícius que há tanto desencontro nessa vida. E eu até estou em crer que ele há muito boa gente absolutamente carente de iniciativas destas. E disfrutam. E usufruem.
    Espero que estas não sejam palavras-sementes caídas em solo infértil.
    Grande abraço,
    Jorge Castro

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