terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Qualquer coisa

            «Em que estás a pensar?» – esta pergunta, logo na abertura da página de cada um de nós no facebook, é natural que, algum dia, nos tenha feito pensar: «Sim, em que é que eu estou a pensar?». Para logo rematarmos: «Oh! Se eu escrevesse o que estou a pensar!...». Um misto, quiçá, de vergonha ou de cobardia ou de indiferença, que é como quem diz: «Que interessa aos outros saber o que eu penso?»…
            De tantas vezes a lermos, a pergunta soará, porventura, banal e já lhe não ligaremos grande importância. No entanto, a mesma pergunta feita, quase à queima-roupa, pelo marido ou pela namorada ou, simplesmente, pelo amigo, é capaz de, amiúde, nos deixar perplexos, atrapalhados e… a ela tenhamos maquinalmente respondido:
            – Nada! Não estava a pensar em nada de especial!
            Claro: não é possível não estar a pensar em nada! E das duas uma: ou não queremos partilhar o pensamento ou, apanhados de surpresa, não conseguimos consciencializar de imediato e verbalizar aquilo em que se nos iam os pensamentos… E talvez valesse a pena o esforço!
            Duas notas, há pois, a sublinhar desde já:
            1ª – O pensamento é o nosso lugar secreto, o único completamente nosso; só entra nesse jardim quem nós quisermos. E podemos optar por orquídeas ou cardos espinhosos … Por isso escreveu Emmet Fox: «Tudo o que nos acontece na vida não é, em realidade, senão a expressão do nosso pensar». (Le Sermon sur la Montagne, Paris, 1974, p. 18-19).
            2ª – Será que não conseguimos dominar o que pensamos? E nos deixamos levar como que ao sabor do vento, desaproveitando momentos que não voltarão mais?
            E, de repente, surgiram-me outras cenas em idêntico cenário de inoportuna indefinição:
            – Mas o que é que gostaria mesmo de fazer? – pergunta o técnico do Departamento de Pessoal ao candidato.
            – Qualquer coisa me serve!...
            – E o que é que te apetece comer hoje? Tens aí a lista.
            – Qualquer coisa me serve. E tu, que vais escolher?

                                                           José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 679, 15-02-2016, p. 12.

Sem comentários:

Enviar um comentário