segunda-feira, 18 de setembro de 2017

A grande expressividade (!) das regras do Espaço Canino

             No âmbito do Orçamento Participativo de Cascais 2012, Cascais passou a contar, a partir de 6 de Junho de 2015, «com um parque canino, para que a população possa exercitar e socializar os seus cães em segurança, sem trela, mas num ambiente controlado e sempre sob supervisão dos donos», em S. Pedro do Estoril.

Panorâmica do Parque Canino, sorry, of the Dog Park
            Logicamente, como estamos em Cascais, não se lhe chama exactamente um «parque canino», mas, de preferência, um dog park, porque, como é bem sabido, a maior parte da população de S. Pedro fala inglês fluentemente no seu dia-a-dia e era chato dizer, no sábado à tarde: «Fiel, queres ir ao Parque Canino?». O Fiel eriçava-se todo, arreganhava a dentuça e até era capaz de ameaçar o dono com mordidela feroz. Agora, se tu lhe falas: «Fiel, do you want to walk with me to the Dog Park?» – aí, o Fiel pula de contente e até puxa o dono, vam’lá depressa, já!
            Nada tenho contra o dog park e – agora que uma das minhas filhas, ida para Inglaterra, me legou um labrador – até tenho mais propostas para dog parks no concelho. Se algum dos candidatos me falasse nisso, eu explicaria tudinho muito claro.
            O que não se me afigura lá muito claro é o texto que, nesse Espaço Canino, apresenta as «regras de utilização», assim uma espécie de «Dez Mandamentos», que podem ser lidos na imagem que colhi. Não quero poupar o leitor a tentar descobrir todas as patacoadas que o texto encerra, redigido, certamente, por quem não fez a antiga Instrução Primária; vou limitar-me a algumas delas, que se me afiguram mais ‘interessantes’.
As regras de utilização do Espaço Canino, em S. Pedro do Estoril
            Assim:
            a) Escreve-se: «A utilização do ESPAÇO CANINO será por sua conta e risco do dono do cão». «Por sua conta»? E quem é o ESPAÇO CANINO para ter essa responsabilidade? Evidentemente, o «sua» está a mais.
            b) «Cães com comportamentos agressivos [...] deverão-lhes ser presos à trela». Além de que, se a frase estivesse correcta, seria «dever-lhes-ão», o certo é que seria de ler-se algo como: «Cães com comportamentos agressivos [...] deverão ser presos à trela», embora eu preferisse outra expressão mais consentânea com a realidade: «deverão ser levados à trela».
            c) «As necessidades do seu cão deverão higienizadas de imediato». A frase, mesmo que se complete com o verbo «ser», que falta, não tem sentido, porque o cão não tem necessidades que devam ser… «higienizadas»! O cão precisa é de brincar, correr, ter um dono compreensivo, familiarizar-se com os outros e para isso é que foi criado o parque! Essas são as suas ‘necessidades’! Claro, aqui quer fazer-se alusão aos dejectos caninos e esses, confesso, não precisam de ser higienizados, mas sim apanhados de imediato pelo dono, com os saquinhos que a Cascais Ambiente dispensa um pouco por toda a parte e que certamente não faltarão nesse espaço.
            d) Escreve-se que é PRIOBIDO (claro, houve dislexia do escriba: é PROIBIDO) o acesso a alimentos humanos ou caninos e a objectos de vidro. E eu estou a ver os alimentos e os objectos de vidro a reivindicarem: «Eu quero entrar! Eu quero entrar!»… Não é, seguramente, a palavra «acesso» a indicada, porque acesso implica ‘movimento’, próprio de pessoas ou de animais. «Entrada» também não, que tem o mesmo sentido. O que se quer proibir é que os donos tragam alimentos para eles ou para os cães e evitem introduzir no recinto objectos de vidro, pelo perigo que eles representam.

            Enfim, a meu ver, trata-se de um decálogo cuja redacção deixa muito mal vista… a elite canina da Costa do Estoril!

                                                                       José d’Encarnação

Post-scriptum: A placa aqui comentada está no Parque Canino de S. Domingos de Rana; peço desculpa pelo equívoco; estou a tentar verificar se existirá uma igual no de S. Pedro do Estoril. Em meu entender, porém, mesmo que eu me tenha enganado nos santos, o conteúdo do texto mantém-se.
Entretanto, informaram-me gentilmente da Cascais Ambiente que «a  placa em questão já foi retirada e será recolocada assim que o texto for revisto», confirmando-me também a informação supra:  «A placa não é do Dog Park de São Pedro do Estoril, mas sim do parque canino do Jardim das Oliveiras, recentemente inaugurado».

5 comentários:

  1. Chorei a rir com a dissecação da escrita canina... E pela foto dá para ver que se deram ao trabalho de gravar o texto numa placa de madeira!

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  2. Caro prof.
    Excelente texto.
    Ainda assim, permita que lhe diga que o Fiel não pularia de contente ao ouvir Fiel. Isso é Português do mais puro. Pularia de contente, isso sim, com Loyal ou Faithful seguido, então, de let´s go to the dog park for a ride, ou qualquer outro qualquer juízo equivalente no idioma de William Shakespear, isto é, de Guilherme Abanapera. Grande abraço.

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  3. Concordo com a ideia de haver rigor na escrita da nossa língua especialmente se é produzida por entidade oficial - também eu gostava de escrever melhor e por isso, com algum cuidado, uso um corrector de texto - viva o esforço de escrevermos e falarmos sempre melhor!

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  4. Tens toda a razão, Zé Soares! Os donos não ousaram dar nome estrangeiro ao canídeo e optaram pelo portuguesíssimo Fiel. Já o labrador da minha filha se dá pelo nome de Spike! :) Quanto ao rigor da frase inglesa, peço desculpa por não ser versado - como, aliás, a maioria dos que ora são obrigados a escrever na língua de Shakespeare - no purismo do idioma inglês. Esse «let's go» está o máximo! Eu ainda dava alguma liberdade ao canídeo de escolher, se queria ou não ir até ao parque; o let's go é mais inglês, mandamos: «Toca a andar pró parque, Faithful, e pouca conversa, tá?!». Mais à portuguesa, claro! Posso acrescentar que fiquei encantado quando os meus netos havia pouco tempo que estavam em Londres e já diziam, no final da refeição «May I leave the table, please?». É outra educação! Para os meninos e para os canitos. Bem hajas, pois, pela lição, Zé!

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  5. Caro Professor, lê-lo é sempre um prazer! Já a proliferação de «títalos», os mais desvairados, em inglês, é de uma parolice atroz. E, claro, quanto mais «inglesam» o vocabulário, menos à vontade estão no Português. No entanto, sempre lhe digo que, não vá o Diabo tecê-las, baptizei a minha gata com o moderníssimo nome de «Ai, pede!», assim mesmo redigido... até porque ela passa a vida a pedinchar tudo e mais alguma coisa. Quem nos ouve chamá-la - dos tais cultores da parolice, claro - encantam-se com a denominação «inglesa», os pobres...

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