Assim,
estes dias de caloraça – como então se dizia – recordaram-me as férias em
Agosto no Corotelo. Minha avó, após o almoço, achava (e bem!) que eu devia ir
dormir a sesta no sobrado. Eu ia. A casa estava na penumbra em que as janelas
fechadas, por mor do Sol, a envolviam. Fazia fresco e eu adormecia ao som de
uns barulhinhos familiares, quais máquinas de costura. Uns bichinhos com que
nunca travei conhecimento, mas que, ao que parece, estavam nas canas do
telhado. Som a espaços que acabava por me adormecer, sem que eu tivesse medo
que me caíssem em cima…
Acontec eu agora que, de novo, me emocionei. Uma vizinha,
amiga antiga de meus pais, são-brasense como nós, tinha uns quadros a
estragarem-se numa arrecadação do
quintal. «Coisas do Algarve», disse-me, «de que vai gostar de certeza e a mim
para nada servem». Aceitei, quando mos mostrou. Seis desenhos de Júlio Amaro, a
retratarem instantâneos da vida algarvia, mormente da zona por onde ele se
passeou: a Praia da Luz, Alte, a igreja de Lagos, as chatas num repouso da
faina… De todos, porém, mostrados naquela singeleza de traço inconfundível e
esplêndido, o que mais me emociona é o da velhota, trajada como minha avó se
vestia, de chapéu na cabeça e xaile pelas costas, a levar o burrico à fonte.
Duas infusas grandes – quais ânforas romanas – uma de cada lado das cangalhas.
E lá ia. Adivinho-lhe o passo lento. E todos os dias, ao subir a escada, paro
diante deles, em reverente saudação
ao Passado!
José d’Encarnação
Publicado em Noticias de S. Braz [S. Brás de Alportel] nº
261, 20-08-2018, p. 13.
Vítor Barros
ResponderEliminarCrónica já lida no nosso Noticias. Muito bem descrito e a fazer-me lembrar as sestas com o meu avô num sobrado parecido e numa hora idêntica. Os mesmos rumores no telhado e o som das carepas de milho no colchão chegaram novamente hoje até mim. Abraço agradecido.
Bem haja pelo eco, patrício e amigo Vítor! Eu no Cerrito e vossemecê na Fonte da Murta!... Abraço!
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